terça-feira, 12 de julho de 2016

Série: A Fé Gnóstica - Parte 1 - As origens do Gnosticismo

A CRUZ SOLAR ou CRUZ GNÓSTICA. SÍMBOLO PRÉ-CRISTÃO, EXISTENTE TAMBÉM ENTRE CELTAS E GERMÂNICOS, FOI USADO POR ALGUNS GRUPOS GNÓSTICOS COM DIVERSOS SIGNIFICADOS. A UNIÃO DO PAGANISMO COM O CRISTIANISMO UM DELES.


Esta postagem inaugurará uma longa série a respeito do Gnosticismo Histórico (e não de modernos grupos que se autodenominam gnósticos), tendo como fonte principal a Biblioteca de Nag Hammadi, o famoso conjunto de textos gnósticos enterrados por volta do século IV próximo ao local onde ficava o mosteiro de São Pacômio, no Egito, por monges cristãos, em vista da perseguição aos gnósticos promovidas pela Igreja Católica Ortodoxa Imperial.

O gnosticismo foi um movimento religioso difuso, de caráter sincrético e eclético, que teve um período de enorme sucesso no mundo imperial romano, mais especificamente a parte que antes formava o Mundo Helenístico, ou seja, mais ou menos o que veio a ser Império Romano do Oriente - Grécia, Macedônia, Trácia, Egito, Lícia, Cilícia, Galácia, Ponto, Bitínia, Paflagônia, Capadócia, Cirene, África, Palestina, Síria, Líbano, Mesopotâmia, Assíria, Babilônia, Armênia, Pérsia, Média, Pártia - e se tornou o carro-chefe do Cristianismo, na maioria de suas versões.

A origem do Gnosticismo por muitos anos foi legada aos Padres da Igreja, os teólogos de uma facção cristã fundamentalista que se aliou ao Império Romano para sobreviver, e só a partir de então conseguiu vencer a Gnose. Segundo eles, não passa de uma heresia, um desvio doutrinário do cristianismo dos Apóstolos, que se originou de um tal Simão Mago, um samaritano (os samaritanos à época de Jesus eram considerados hereges judaicos, por serem descendentes de judeus do antigo Reino de Israel ou Reino do Norte que se mestiçaram com Assírios e deram diferentes interpretações do Judaísmo desde então), que se tornou rival dos apóstolos e pretendia ser um Novo Cristo.

Mas as descobertas e achados de textos como os Manuscritos do Mar Morto, os Códices Europeus e a Biblioteca de Nag Hammadi, revelaram muitos outros fatos que contestam e negam as acusações patrísticas.

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As origens do Gnosticismo

            Hipólito, um cristão de Roma, escrevendo em grego por volta do ano 225, ouvira falar dos brâmanes indianos - e inclui a tradição destes entre as fontes de heresia: "Há, entre os indianos, a heresia daqueles que filosofam entre os brâmanes - que vivem uma vida auto-suficiente abstendo-se de ingerir criaturas vivas e todo alimento cozido. Eles afirmam que Deus é luz, não como a luz que se vê, nem como o sol ou o fogo. E para eles Deus é discurso; não o discurso que se expressa em sons distintos e inteligíveis, mas o do conhecimento (gnose) através do qual os mistérios secretos da natureza são apreendidos pelos sábios"!

            Já Edward Conze, o estudioso britânico do budismo, sugere que "os budistas mantiveram contato com os cristãos tomistas (i.é., cristãos que conheciam e usavam escritos como o Evangelho de Tomé) no sul da Índia". As rotas comerciais entre o mundo greco-romano e o extremo oriente estavam sendo abertas na época em que o gnosticismo floresceu (entre os anos 80 e 200 DC); missionários budistas vinham pregando em Alexandria já há gerações!.

            O estudioso do Novo Testamento, Wilhelm Bousset, remontou a origem do Gnosticismo às antigas tradições babilônicas e persas, declarando que "o gnosticismo é antes de tudo um movimento pré-cristão cujas raízes estão em si mesmo. Deve, portanto, ser compreendido... em seus próprios termos, e não como uma ramificação ou sub-produto da religião cristã"! O filólogo Richard Reitzenstein concordou com este ponto, mas argumentou que o gnosticismo proveio da antiga religião iraniana, e que foi influenciado por antigas tradições do zoroastrismo.

            Os atuais estudiosos e pesquisadores acima citados não fizerem mais do que corroborar o que HPB já revelara no final do século passado. Já havia um certo conhecimento sobre o gnosticismo em sua época, além da literatura católica que anatematizava os gnósticos, de alguns textos originais em grego descobertos em outras regiões: o próprio Evangelho de Tomé (descoberto em meados de 1895); e a Pistis Sophia, descoberto em meados do sec. 18), contendo muitas páginas onde o próprio Jesus instruía seus discípulos sobre a reencarnação, ensinamento comum nos primeiros tempos do cristianismo primitivo.

            Helena P. Blavatsky escreveu vários artigos sobre "O Caráter Esotérico dos Evangelhos" destacando sempre que Jesus ensinava aos seus discípulos uma doutrina esotérica: "A vós vos foi dado o mistério do Reino de Deus; aos de fora, porém, tudo acontece em parábolas" (Marcos 4:11). Em Isis sem Véu, HPB menciona que no Evangelho de João e nos atos de São Paulo, o Novo Testamento apresenta um grande número de expressões gnósticas, como admitem os eruditos hoje.

            George R.S. Mead, secretário particular de HPB entre os anos de 1887 a 1891, recebeu dela a incumbência de que "se dedicasse ao estudo e à pesquisa na área do Gnosticismo" (o que ele realizou com brilhantismo). Em um de seus trabalhos, O Hino de Jesus - Um Rito Gnóstico, encontramos o que segue: "Como está atualmente provado, e fora de qualquer dúvida, que a Gnosis é pré-cristã , estamos então tratando com uma gnosis cristianizada que existia demonstradamente no tempo de Paulo e que este encontrou já existindo nas igrejas". Sem dúvida, a gnosis era pré-cristã no sentido de que já existia no sec. I AC, especialmente na região da Samaria e da Síria.

            A catedrática Elaine Pagels, da Universidade de Colúmbia, que escreveu "Os Evangelhos Gnósticos", diz que "a maioria dos estudiosos hoje concorda que o que nós chamamos - gnosticismo - foi um movimento muito difundido cujas fontes podem ser encontradas em diversas tradições".


O Gonosticismo e o cenário religioso da época

            Elaine Pagels explora uma linha de pesquisa que busca a relação entre o Gnosticismo e o cenário religioso da época; ela mostra, em parte, como as formas gnósticas de cristianismo primitivo interagiram com as formas ortodoxas, que mais tarde deram origem ao Catolicismo.

            Sendo este também um dos objetivos deste trabalho, podemos colocar as seguintes questões : por que esses textos foram enterrados? por que não foram usados pela igreja cristã , posteriormente institucionalizada? e por que os cristãos gnósticos foram chamados de "hereges", e perseguidos pelos cristãos ditos "ortodoxos" ( aqueles que pensam corretamente)?

http://www.levir.com.br/teosofia34.php

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Na Biblioteca de Nag Hammadi encontramos textos de vários grupos gnósticos bem diferentes uns dos outros. Uns textos são totalmente cristãos. Outros, mais judaicos. Outros apresentam uma espécie de Platonismo ou Neoplatonismo Religioso onde a Teurgia era cultivada. Outros são mitos e lendas que não possuem nada de especificamente cristão ou judaico. Outros apresentam elementos de Hermetismo, da sociedade esotérica de Pitágoras e dos cultos de Mistério gregos. Outros, apresentam temas bastante orientais, lembrando as tradições hindus e budistas. Outros apresentam elementos Zoroastrianos, elementos de uma Cabala Judaica em formação... E há textos em que tudo isto aparece junto.

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Lohse (2000, p. 243) diz que "por muito tempo, os estudiosos consideraram o gnosticismo como fenômeno intra-eclesial, nascido do encontro entre o cristianismo primitivo e o mundo helenístico, pertencente à história das seitas cristãs". Mas isso não corresponde ao que hoje se sabe. Ele próprio continua:

"o gnosticismo não pode ser considerado exclusivamente como uma formação religiosa dentro da história da Igreja antiga, mas representa um movimento do mundo helenístico, amplamente ramificado. Esse movimento aceita influências de diversas religiões e correntes espirituais, difundindo-se antes e durante o cristianismo primitivo. Logo depois, vinculou-se de múltiplas maneiras a elementos cristãos, levando à formação de número maior de comunidades cristãs-gnósticas"

Trebolle Barrera (1996, p. 645-646) ecoa esta mesma amplitude, e situa a gnose em um amplo contexto, fazendo-nos compreender sua importância no sistema de pensamento do mundo antigo:

 Para compreender a gnose e suas origens é preciso partir de uma perspectiva mais ampla, que abarque o âmbito global da história das religiões da antiguidade. Nesta perspectiva hão de entrar o judaísmo, helenismo, cristianismo, samaritanismo, platonismo e o mundo grego em geral, do qual faz parte o sincretismo da “antiguidade tardia” em todas as suas formas, sem esquecer influências egípcias, persas e mesopotâmicas.

Para Echegaray et alii (2000, p. 345), as origens do gnosticismo são anteriores ao cristianismo: 

"As religiões mistéricas prometiam ao homem a salvação mediante a iniciação; a gnose pretende o mesmo, porém através do caminho do conhecimento. As origens da corrente gnóstica são certamente pré-cristãs, embora seja muito difícil estabelecer com precisão que elementos provêm de cada uma das fontes que podem reconhecer-se nos sistemas gnósticos posteriores. Os elementos judaicos dentro de alguns dos sistemas gnósticos são evidentes, o mesmo sucedendo com os elementos cristãos."

Lohse também admite que o gnosticismo é anterior ao cristianismo e que, como um amplo movimento, acompanhou o cristianismo primitivo. Para ele, "o Novo Testamento dá testemunho da existência de um gnosticismo pré-cristão, amplamente difundido" (2000, p. 257). 

Faria (2003, p. 14) apresenta resumo do "modo de pensar" dos gnósticos:

. a salvação é adquirida pelo profundo conhecimento (gnose) teórico de si e, simultaneamente, de Deus;
. a ignorância é uma forma de autodestruição;
. a tarefa do ser humano consiste em buscar, com muito esforço, a gnose;
. ao gnóstico, para obter a salvação, basta conhecer e crer que o Filho de Deus veio a este mundo;
. para ser perfeito o homem precisa fundir sua alma com a divindade e nisto consiste a gnose;
. a natureza divina de Cristo transcende o sofrimento;
. o sofrimento não tem sentido;
. o ser humano sofre não por causa do pecado, mas por sua ignorância;
. a alma é prisioneira da matéria; 
. quem recebe o espírito comunica-se diretamente com Deus; 
. a libertação do ser humano ocorre não por processos históricos, mas de forma interior; 
. as mulheres atuavam no movimento gnóstico como mestras, profetisas, sacerdotisas.

Dando a devida importância ao tema, Trebolle Barrera (1996, p. 642-648) dedica todo um capítulo de seu livro para explicar as conexões da literatura gnóstica com a judaica, denominando-o “O Gnosticismo e a interpretação gnóstica da Bíblia”.

Por estar intrinsecamente vinculado ao nosso estudo, resumiremos seu arrazoado, que cobre sete páginas, aos próximos seis parágrafos, focando nos aspectos que mais nos interessam. Conexões da literatura gnóstica com a judaica e em especial com o AT deram fundamento à tese da origem judaica da gnose. Os autores dos primeiros textos gnósticos eram, conforme esta tese, intelectuais judeus dissidentes, abertos às correntes do sincretismo helenístico.

Segundo Harnack, o gnosticismo foi o resultado de uma intensa helenização ou “mundanização” do cristianismo. A tendência atual orienta-se, ao contrário, para a tese que a origem e desenvolvimento da gnose foram independentes do cristianismo.

Os descobrimentos de Nag Hammadi puseram fim à idéia de que o gnosticismo tinha sido no início uma heresia cristã. Pode-se afirmar que o cristianismo e o gnosticismo são religiões independentes, enraizadas as duas numa terceira, o judaísmo, e que o cristianismo esteve a ponto de ser engolido pelo gnosticismo. A gnose e o cristianismo eram irreconciliáveis. Contudo, na busca de uma forma superior de conhecimento e sobretudo de uma interpretação correta da Escritura, quer dizer, pneumática, a gnose encontrou no cristianismo um terreno propício para a sua expansão. O gnosticismo era uma nova religião de caráter sincretista, integrava elementos provindos do cristianismo, judaísmo, neoplatonismo, religiões mistéricas, etc.

A gnose por si só, desprovida de sua união com o cristianismo em expansão, não teria tido o êxito que teve nem teria mostrado tanto interesse pelo AT e pelo judaísmo. O fator judeu no nascimento da gnose é mais indireto que direto; está bastante condicionado pela missão cristã. O judeu-cristianismo pode desempenhar o papel de catalisador e de intermediário entre as tradições judaicas e cristãs, por um lado, e o gnosticismo, por outro. Os gnósticos rejeitaram o Deus do Primeiro Testamento e por isto não viam inconvenientes em inverter totalmente o sentido dos seus textos, apresentando como bom o que o este Testamento tinha de mal. A utilização gnóstica do PT pode revestir-se de formas bem variadas. Eles estabelecem uma diferença entre um Testamento e outro: interpretam o Primeiro de modo literal, para melhor ressaltar o mal que encontram nele, e interpretam o Segundo mediante a alegoria, da qual faziam amplo uso, para que as doutrinas gnósticas resultem compatíveis com os textos cristãos canônicos. Sebastiani (1995, p. 56) esmerou-se no estudo das relações entre a gnose e Maria de Magdala. Aprofundando-se no tema, proclama:

"No conjunto, os escritos sagrados da Gnose (cujo conhecimento recebeu uma contribuição decisiva pela descoberta e publicação dos rolos de Nag Hammadi) revelam uma elevada qualidade cultural e ascético-mística. Atestam também como era profunda a experiência espiritual desta "lasca nobre, mas enlouquecida da cristandade" (G. Ravasi). Muitos deles afirmam apresentarem tradições sobre Jesus que ficaram secretas, escondidas à maioria dos fiéis, à Grande Igreja, que no II século começou a ser chamada igreja "católica", isto é, universal. Em todos os escritos da gnose, Maria de Magdala é sempre vista intérprete ou reveladora da doutrina gnóstica (“a mulher que conhecia o Todo”, no Diálogo do Salvador) e como um modelo de gnóstico perfeito, que sabe elevar-se até a plenitude da visão e do amor espiritual."

Boer (1999, p. 107), ao explanar sobre gnose, utiliza detalhada descrição construída por Pheme Perkins, com base em treze trabalhos pertencentes ao gênero gnóstico:

O diálogo gnóstico consiste em um discurso de revelação estruturado por elementos narrativos. Na introdução, o narrador fala em termos gerais sobre o lugar da revelação (normalmente uma montanha, por exemplo, Monte das Oliveiras), o tempo (normalmente após a ressurreição) e os receptores (em quase todos os casos são nomes conhecidos do Novo Testamento). O Salvador aparece para eles no momento em que são perseguidos, proclamam o evangelho ou refletem sobre as palavras de Jesus. Eles estão ansiosos, aflitos e confusos ou imersos na oração. O Salvador introduz a si mesmo com a declaração "Eu sou", torna claro o propósito de sua vinda e repreende os discípulos pela falta de fé. Depois, segue-se propriamente o discurso de revelação, através das questões colocadas pelos discípulos. O conteúdo da proclamação é freqüentemente formado por informações sobre a origem do cosmos, redenção e o verdadeiro ensinamento cristão (ou seja, gnóstico): por exemplo, sobre batismo, crucificação e interpretação das escrituras (normalmente do Novo Testamento). Sem dúvida, a maior parte do discurso de revelação concentra-se nas questões sobre redenção. Ao final, é dado aos discípulos a tarefa de passar o que foi aprendido para aqueles que são merecedores ou para proteger a revelação contra aqueles que a disputam. A reação deles é de gratidão e júbilo. 

Dentre as idéias centrais da gnose, Echegaray et alii (2000, p. 346) assinala a concepção de uma divindade completamente transcendente, compreendendo uma polaridade masculino-feminina e reunida num matrimônio divino, que forma o deus desconhecido, continuamente gerador e pertencente ao reino da luz. Junto a esta idéia da atividade, temos o mito da Sofia, criadora do cosmos, através de uma falta que produz o Demiurgo, o criador da realidade pervertida e chefe dos Arcontes, que controlam os planetas e pertencem ao reino das trevas. Fundamental no pensamento gnóstico é a idéia de dualismo, tanto na contraposição luz-trevas como na oposição alma-corpo ou espírito-matéria e a idéia de que o homem faz parte da deidade. Segundo uma forma de mito, a alma origina-se nas esferas celestes, porém é enganada pela libido e cai através das sete esferas celestes, cada qual arrancando-lhe uma de suas propriedades, até ela se encerrar no corpo que lhe serve de cobertura. 

Ligada a estas concepções está a idéia central do salvador: pode ser uma realidade celeste, um personagem do passado ou inclusive uma pessoa viva. O salvador possibilita o retorno à pátria celeste, revelando a "gnosis", conhecimento secreto transmitido pelos deuses e conservado na tradição esotérica. 

Em uma belíssima imagem, Lohse (2000, p. 244) classifica a gnose de "estranha formação caleidoscópica que une idéias iranianas, babilônias, egípcias e judaico-veterotestamentárias com o pensamento da filosofia grega, representando um sincretismo multicolorido". 

Para Lohse (2000, p. 263-265), os escritos neotestamentários comprovam com certeza o enfrentamento entre o gnosticismo e o querigma cristão, em vários lugares, na segunda metade do século I d.C. O nascimento da doutrina simoníaca na Samaria, encontrada pouco depois também em Roma, os primórdios do movimento batista dos mandeus, o fenômeno do entusiasmo soberbo nas comunidades de Corinto e Filipos e o conflito com doutrinas gnósticas na Ásia Menor e na Síria ainda pertencem ao século I d.C. Embora não se disponha de informações sobre a origem e o estabelecimento das primeiras comunidades cristãs no Egito, deve-se supor, com muita probabilidade, a chegada da missão cristã primitiva ao Egito, na segunda metade do século I d.C. No século II d.C., existia ali um número considerável de grupos cristãos-gnósticos. Torna-se difícil determinar, a respeito destes, a diferença entre doutrina gnóstica e confissão ortodoxa. A abrangente biblioteca de textos cristãos-gnósticos descoberta em NagHammadi, em 1945-1946, dá testemunho de que as fronteiras religiosas entre ambos eram muito tênues. 

O enfrentamento do pensamento gnóstico foi crucial para o pensamento cristão. Lohse (2000, p. 265), com a costumeira propriedade, assim se detém nessa questão: 

"O encontro com o gnosticismo obrigou a um discernimento e a uma decisão sobre a expressão objetivamente correta da mensagem cristã. Era necessário pregar na forma de palavras e idéias correntes para tornar o Evangelho compreensível, como resposta às questões abertas dos homens sobre o sentido da vida e da redenção. Mas o uso dessas palavras e idéias não deveria resultar em uma modificação ou falsificação do querigma cristão. Nas situações concretas, era difícil dizer de antemão como alguém podia tornar-se judeu para os judeus e grego para os gregos sem afetar a verdade do Evangelho. Muitas vezes, isso só podia ser decidido após longa e, de vez em quando, penosa reflexão. O desafio do gnosticismo exigia da Igreja primitiva um esforço intenso para a correta compreensão e interpretação da mensagem de Cristo, devidas a todos os homens - judeus e gregos."

Refletindo acerca da relação entre a gnose e o cristianismo, Trebolle Barrera (1996, p. 614) assevera:

“A gnose influiu no judeu-cristianismo ou na gnose judeu-cristã, porém também em sentido inverso o judeu-cristianismo influiu no desenvolvimento da gnose. O judeu-cristianismo foi o elemento catalisador para o transvase de tradições judaicas e cristãs ao gnosticismo.”

Para Faria (2003, p. 14), o gnosticismo era um movimento cristão de resistência à institucionalização do cristianismo:

"O gnosticismo foi um movimento de resistência aos cristãos que se organizavam em uma instituição eclesial. Esta se arvorava o poder divino para direcionar o movimento de Jesus. Um gnóstico, por acreditar na presença divina em si mesmo, não poderia, é claro, acreditar em uma instituição humana, terrena. Assim, os gnósticos tinham como objetivo, entre outros, ser uma alternativa à institucionalização do cristianismo. Para um gnóstico, não havia necessidade da mediação de uma instituição eclesiástica para entrar em contato com Deus. Cada fiel poderia comunicar-se diretamente com ele. O primado de Pedro foi, por isso, contestado e não aceito por eles. O Primeiro Concílio de Constantinopla (381 E.C.) condenou o gnosticismo como movimento herético" (Faria, 2003, p. 15).

http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp037249.pdf

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