sábado, 4 de novembro de 2017

Série: A Fé Gnóstica - Parte 8 - O Zoroastrismo: Apocalíptica e Escatologia



A apocalíptica zoroastriana e as evidências de ressurreição

A tradição tardia


MOLDURA RETRATANDO OS FATOS MAIS IMPORTANTES DA VIDA DE ZARATHUSTRA


Segundo a tradição zoroastriana, atualmente o mundo estaria em uma fase mista, em que bem e mal coexistem. Entretanto, não foi dessa forma que Ahura Mazda criou o mundo, e nem é dessa forma que ele permanecerá para sempre. Para entender a visão zoroastriana do final dos tempos, é necessário entender a sua visão do início dos tempos, pois, segundo ela, o final vai espelhar o começo.64 Ahura Mazda é onisciente e, portanto, estava ciente desde o princípio acercada existência de Angra Mainyu, o qual morava em um abismo de escuridão eterna.

Angra Mainyu não é onisciente e, portanto, não pode prever sua própria morte. Ele deseja destruir o reino da luz, onde Ahura Mazda reside. É com o intuito de derrotar o maléfico Angra Mainyu que Ahura Mazda cria o mundo.65 O mundo foi criado não-material, num estado espiritual chamado menog; entretanto, com o intuito de criar um cenário onde a batalha entre bem e mal pudesse ocorrer e o mal ser derrotado, ele trouxe à existência o mundo material, ou getig.

A existência getig, ou seja, material, é vista como sendo superior ao estado menog; ter a forma material, no zoroastrismo, é entendido como tendo uma qualidade da criação, sendo preferível a ter somente o estado espiritual.66 Isso pode explicar o fato de o zoroastrismo esperar por uma ressurreição física do corpo e uma renovação da Terra, e não uma existência imaterial em um lugar também imaterial.

Ahura Mazda criou uma única planta, um único animal (um bovino) e um único ser humano, os quais foram mortos por Angra Mainyu. Entretanto, a partir desses espécimes únicos vieram a existir todas as plantas, animais e seres humanos, todos com o objetivo de lutar contra o ataque de Angra Mainyu.67 Como contraponto, a tudo de bom que Ahura Mazda criou, seu oposto, Angra Mainyu, criou um equivalente mau: criou as trevas para se opor à luz, a mentira à verdade, a doença à saúde, a morte à vida, e criaturas do mal para combater as criaturas do bem.68 Ahura Mazda criara os seis Amesha Spentas para ajudar a manter asha; opondo-se a isso, Angra Mainyu criou seis seres do mal, espécies de arcanjos em forma de demônios.69

Por fim, contra a própria criação como um todo, ele fez uma espécie de “contra-criação”, na qual começou a era da mistura (bem e mal convivendo juntos), na qual se encontra o tempo presente.

COMENTÁRIO: Esse dualismo zoroastriano é claramente visto no Novo Testamento, onde uma figura rival do Cristo, o Anti-Cristo, também aparecerá com seus anjos. Toda essa ideia de que existem criaturas de Deus em conflito com criaturas do Diabo , que existem por imitação das criaturas divinas advém do Zoroastrismo. Essas ideias não são originais do Judaísmo e não existem nem na Torá e nem de forma muito clara nos Profetas do Velho Testamento, só aparecendo na literatura apocalíptica (nos apócrifos judaicos) e nas escrituras cristãs.

Os seres humanos possuem um lugar especial na criação: eles têm o livre arbítrio, sendo os únicos com a capacidade de escolher entre ser bom ou mau,70 e essa escolha tem que ser feita, obrigatoriamente. Ao final dos tempos, cada um será confrontado com seus atos bons ou maus.

COMENTÁRIO: Também a ideia de Livre Arbítrio não existe na Torá. Os homens são selecionados POR IAHWEH (como Abraão foi chamado) e são forçados a obedecerem sob pena de castigos divinos e desgraças. O livre arbítrio só aparece nos Profetas, sendo completamente ausente na Torah.

Também nos escritos tardios, a conclusão da luta entre as duas divindades assinalará o tempo do fim: através da obra de um mediador (o Saoshyant, “futuro benfeitor”),71 Ahura Mazda lançará Angra Mainyu no abismo, vindo em seguida o fim do mundo, com a ressurreição dos mortos e o juízo final. Inicia-se então a nova era em uma nova Terra: druj deixa de existir, prevalecendo asha e Ahura Mazda por toda parte: é o estabelecimento do paraíso. Não há no zoroastrismo a noção de reencarnação ou carma.

A própria noção persa de “paraíso” expressa o ideal político-ideológico tanto do mundo natural quanto da sociedade persa (ideal este especialmente expresso nos jardins imperiais);72 o termo avesta pairidaeza (pálavi Garodman), familiarizado ao antigo persa paridaida e ao medo paridaiza, é recebido no grego como parádeisos:73 é com este termo que a LXX traduz a narrativa da Criação em Gn 2,8,74 certamente com a mesma significação social e ideológica que ele exprimia para a sociedade persa.

COMENTÁRIO: LXX é a Spetuaginta, a versão do Velho Testamento que foi traduzida por sábios judeus do hebraico para o Grego no século 3 a.C., versão que se tornou a escritura mais usada pelos judeus helenistas (os judeus da diáspora grega, espalhados pelos territórios do antigo império de Alexandre, principalmente os judeus que livremente se mudaram para o Egito).


Os acontecimentos relativos à “alma” no pós-morte também estão presentes na tradição zoroastriana em geral.75 A “alma” paira sobre as imediações do corpo durante três dias, ao longo dos quais é feita uma meditação sobre a sua vida que se finda.76 Após isso, ela segue para a Ponte do Separador (Chinvat Puhl)77 para ser julgada de acordo com seus pensamentos, palavras e ações pelos três juízes das almas, Mitra, Sraosha e Rashnu.78


Com base neste julgamento, seu destino pode ser o céu, o inferno (pálavi Dushox) ou confinada no lugar de mistura, à espera (nos três casos) da ressurreição, do julgamento final e da Renovação.79 As “almas” dos enganosos se afastarão de seus corpos no momento em que eles alcançarem a ponte, e então “serão hóspedes para sempre na casa da Falsidade”.80 Na Renovação, com a vinda do Saoshyant (o “que restaura a vida”), todas as pessoas que viverem nessa época não morrerão. Aqueles que estão mortos serão ressuscitados em um grande ato da ressurreição geral chamada Ristaxez em pálavi (“ressurreição dos mortos”).81

COMENTÁRIO: O Apocalipse de João plagia descaradamente a vinda do Saoshyant persa e da batalha final contra Angra Mainyu: na Batalha do Armageddon, Jesus Cristo e seu exército celestial virão nos céus para combater finalmente o Diabo e seus anjos (Apocalipse 19). A cópia é tão idêntica que não há que se falar em inspiração ou influência, mas sim no mais descarado plágio.

Geralmente, considera-se que essa ressurreição ocorre após a eliminação do mal. Em algumas tradições tardias a ressurreição é considerada como uma realização do Saoshyant com a ajuda de outras figuras escatológicas, 82 em outras é Ahura Mazda quem recria o corpo do morto.83 Nesses textos, a ressurreição é descrita em mais detalhes, e esses relatos, surgidos a partir de uma tradição sagrada, refletem a preocupação em explicar uma ideia (a ressurreição) que pode ter enfrentado questões e dúvidas.84 


64 KREYENBROEK, Philip G. Millennialism and Eschatology in the Zoroastrian Tradition. In: AMANAT, A.; BERNHARDSSON, M. (Ed.). Imagining the End: Visions of Apocalypse from the Ancient Middle East to Modern America, p. 33-55; aqui p. 47.
65 COHN, N. Cosmos, Chaos, and the World to Comep. 85-86; ZAEHNER, R. C. The Teachings  of the Magi: A Compendium of Zoroastrian Beliefsp. 18; Idem. The Dawn and Twilight of Zo- roastrianismp. 265.
66 BOYCE, Mary. Zoroastrians: Their Religious Beliefs and Practices, p. 25.


67 KREYENBROEK, Philip G. Op. cit. p. 35.
68 NIGOSIAN, S. A. The Zoroastrian Faith: Tradition and Modern Research, p. 86.
69 Cf. Bd. 1,47-49.55.
70 KREYENBROEK, Philip G. Loc. cit.
71 A figura do Saoshyant e seu papel são descritos nos Yt. 13 e 19.
72 Cf. PEREIRA, N. C. Jardim e poder: império persa e ideologia. In: REIMER, H.; SILVA, Val- mor da (Org.). Hermenêuticas bíblicas: contribuições ao I Congresso Brasileiro de Pesquisa Bí-
blica, p. 121-128.
73 LIDDELL, H. G.; SCOTT, R. LSJ, p. 1308.
74 BAILLY, Anatole. AB, p. 1461.
75 A palavra do avestan usada com o sentido de “alma” é uruuan, (em pálavi urvan), a qual repre- senta “a faculdade espiritual que exerce o livre-arbítrio, a capacidade de escolha entre o bem e o mal” (PAVRY, Jal D. C. Zoroastrian Doctrine of a Future Life: From Death to the Individual Judgment, p. 9). O termo “alma” não é o ideal para a tradução; talvez “si próprio” seja melhor (cf. SEGAL, Alan F. Life After Death, p. 184).
76 BOYCE, Mary. Zoroastrians: Their Religious Beliefs and Practices, p. 14-15.
77 Em avestan, Cinuuatô Peretush (Y. 46,10), literalmente “Ponte do Detentor da Conta” (cf. HUMBACH, H. The Gâthâs of Zarathushtra and the Other Old Avestan Texts, p. 170. v. 1) ou a “Ponte do Juiz” (KELLENS, J.; PIRART, E. Les textes vieil-avestiques, p. 160. v. 1).
78 SEGAL, Alan F. Op. cit. p. 186.
79 Cf. DE JONG, Albert. Traditions of the Magi: Zoroastrianism in Greek and Latin Literature, p. 325; BOYCE, M. A History of Zoroastrianism: Zoroastrianism under Macedonian and Roman
Rule, p 363; COHN, N. Cosmos, Chaos, and the World to Come, p. 96.
80 Cf. Y. 46,11; 51,13.
81 Cf. Yt. 19,11.89-90. Essa ressurreição se dará na forma de um corpo chamado de “o corpo futu- ro”, um tipo de corpo num estado espiritual, aperfeiçoado em relação ao de antes da morte (cf. SEGAL, Alan F. Op. cit. p. 190).
82 Bd. 34,3.7-8; PR 48,54.
83 Bd. 34,5-6; WZ 34,19-20.

84 Bd. 34,4-9; WZ 34,1-20; 35,18-30; PR 48,53-65.

Essas questões são colocadas na boca de Zoroastro e dirigidas a Ahura Mazda (chamado de Ormazd na literatura pálavi) e se baseiam no fato de como seria possível aos que morreram há tanto tempo receber um novo corpo. A resposta é dada através de uma referência à criação:


(4) Como se diz: “Zarathushtra perguntou a Ormazd: ‘De onde deverão eles reaver
a forma do corpo que o vento soprou para longe, e a água arrastou para baixo,
e como ocorrerá [então] a ressurreição?’


(5) Ormazd respondeu: ‘Como eu produzi o céu terrestre sem pilares, de duração
espiritual, com as extremidades muito distantes, e brilhantes, da substância de aço
brilhante; assim como eu produzi a terra, que carrega (toda) a vida material, e não tem material de escoramento (acima); como eu fiz o sol, a lua e as estrelas a girar
no firmamento com corpos astrais brilhantes; como eu produzi a semente, de modo
que elas possam espalhar-se no solo, e ela pode retornar com o desenvolvimento,
crescendo novamente; assim como eu produzi cor de vários tipos em plantas;
assim como eu produzi o fogo (com) a combustão externa em plantas e outras
coisas; assim como eu produzi e alimentei a criança no ventre da mãe, e atribuí
distintamente (o cabelo), pele, unhas, sangue, pés, olhos, orelhas e outros membros;
assim como eu dei pés para a água de modo que ela possa fluir; (assim como
eu) produzi (a espiritual) nuvem que carrega a água material, e chuvas onde
quer que ela escolha; e assim como eu produzi o ar que sopra à vontade, abaixo e
acima, com a força do vento, como é visível a olho [nu]; ̶ não se pode agarrá-lo
com as mãos; ̶ eu produzi a cada um destes quando sua produção era mais difícil
para eu conseguir do que ressuscitar os mortos; pois, na ressurreição dos mortos,
eu tenho a ajuda dos tais [seres que já existem], a qual eu não tinha quando (eu)
os produzi; o que foi [feito] pode ser [feito] novamente; eis que, se eu fiz o que
não existia, como não posso reformar o que já existia? Pois, naquele tempo, eu exigirei
a estrutura óssea [que está com] do espírito da terra, o sangue [que está
com] da água, o cabelo das plantas, e a vida do vento, conforme eles haviam recebido
no início da criação’”.85

Essa afirmação é baseada na ideia de que na morte as diferentes partes da pessoa humana são recebidas pelos elementos da natureza, de onde, por ordem divina, são trazidas de volta e recriadas na época da ressurreição. Carne e ossos vêm da terra, o sangue das águas, o cabelo das plantas e o espírito de vida do vento. 86

Na tradição tardia, a ressurreição dos mortos inclui tanto justos quanto ímpios, iranianos e não-iranianos. Ela é concebida como sendo um processo ritual ordenado pelo Saoshyant e seus ajudantes. Através da celebração de sucessivas cerimônias (yasnas), toda a humanidade ressuscitará em cinco estágios, sendo o homem original (Gayo-Maretan em avestan, Gayomard em pálavi) e o primeiro casal de humanos os primeiros a ressuscitar.87

85 Bd. 34,4-5. Tradução inglesa em ANKLESARIA, B. T. Zand-Âkâsîh: Iranian or Greater Bundahišn, p. 285 (cf. também WZ 34,20).
86 Cf. também WZ 34,7; PR 48,55.
87 Bd. 34,6; WZ 34,18-19; 35,19-20; PR 48,56. A restauração da humanidade a um novo estado de perfeição é normalmente entendida como acontecendo em sucessivos momentos, nos quais a puri- ficação do ímpio também é incluída. Embora os temas e épocas sejam as mesmas na tradição sub- jacente, a ordem exata de realização não emerge claramente em todos os textos, e a confusão que
se pode sentir pode ser devido tanto a incongruências redacionais quanto a opiniões diferentes re- gistradas nas fontes sassânidas ou expressas na época de sua compilação no Período Islâmico. O significado da Renovação (o “tornar maravilhoso”, “reabilitação da existência”, ou “feitura do no- vo”, Frashokereti em avestan e Frashegird em pálavi) é fortemente enfatizado na tradição em pá- lavi, embora seus detalhes sejam descritos apenas em um número limitado de passagens. A ressur- reição, por exemplo, é descrita no WZ como sendo “semelhante a árvores e arbustos secos a partir dos quais novas folhas começam a brotar e botões se abrem” (WZ 34,28). Sobre essa tradição do “tornar maravilhoso”, a qual se relaciona ao tema da Renovação, ao juízo final e à ressurreição dos mortos, cf. SEGAL, Alan F. Death After Life, p. 197; COHN, N. Cosmos, Chaos, and the World to Come, p. 99; ELIADE, Mircea (Ed.). The Encyclopedia of Religion, p. 158. v. 1.


A questão dos ímpios e seu destino parece ter preocupado os zoroastrianos de forma peculiar. Embora a crença na separação das “almas” após a morte, na entrada dos justos no paraíso e dos ímpios no inferno seja indiscutível e firmemente enraizada no antigo Irã, o destino dos ímpios na ressurreição estabeleceu um problema, e soluções divergentes são encontradas nas obras em pálavi.88 A ideia geral de uma eliminação do mal e uma purificação do mundo e da humanidade favoreceu a crença de que o ímpio não poderia ser punido com a condenação eterna; tinha que ser purificado e incluído na nova comunidade do mundo restaurado. A ideia da punição temporária dos ímpios após a reunião de suas almas com seus corpos na ressurreição se impôs como a solução mais satisfatória.


Os momentos da Renovação são descritos especialmente no Bundahishn. Segundo essa obra, após a ressurreição todos comparecerão conjuntamente a uma grande assembleia que recorda as cenas de julgamento das escatologias judaica, cristã e islâmica. Nesse encontro cada pessoa reconhecerá aqueles a quem conheceu durante sua vida: “esse é meu pai, essa é minha mãe, esse é meu irmão, essa é minha esposa e esse é alguém de minha família”.89

O ímpio já será distinguido do justo pela aparência externa, como “cavalos pretos de cavalos brancos”,90 e o Bundahishn explica isso afirmando que as obras de todos serão manifestadas:


“naquela assembleia cada pessoa irá contemplar as boas e as más obras que ele ou ela
praticaram; o justo será visível entre o ímpio como a ovelha branca é visível entre
as ovelhas negras”.91


As punições e recompensas serão então distribuídas. Os ímpios serão lançados de volta ao inferno por três dias e três noites, sofrendo então muita dor no corpo e na alma, ao passo que os justos entrarão no paraíso.92


A despeito das declarações sobre o caráter limitado do conhecimento humano acerca do mundo vindouro, as tradições sobre a Renovação às vezes transmitem uma visão bastante detalhada sobre como será a vida no mundo renovado. Além de a humanidade contemplar e louvar Ormazd e as outras divindades,93 outras ideias apresentadas refletem os pressupostos zoroastrianos para o que é bom na vida. Os adultos serão restaurados à idade de 40 anos e os jovens e crianças à idade de quinze. Aqueles que em vida não tiveram uma esposa lhes será dada uma. Homens e mulheres continuarão a ter desejo entre si, e se unirão no amor sem que haja nascimento a partir deles.94 Plantas e animais benéficos serão restaurados, e eles não diminuirão nem aumentarão mais.95 A Terra será ampliada sem montanhas íngremes e colinas, e florescerá como um jardim.


Em suma, os sinais apocalípticos, com tribulações e desgraças, são descritos em mais detalhe durante o final do milênio de Zoroastro, o qual seria a primeira era escatológica por vir. A análise dos textos em pálavi revela que há uma grande variedade de sinais e tribulações anunciando o fim dos tempos. Existem tantas correspondências em motivos e em detalhes que se pode assumir a existência de uma tradição que serviu de base a todas as variações, tradição essa que os compiladores e escritores tinham à sua disposição, elaborando-a diferentemente de acordo com os propósitos que cada escritor ou compilador estabeleceu. Ao mesmo tempo, novos detalhes foram adicionados para tornar as alusões a acontecimentos contemporâneos mais claras. Na apresentação dos sinais do fim, com as características e funções desses sinais, segue-se o esquema tradicional de uma subdivisão dos últimos três mil anos em três milênios.

Por fim, verifica-se que os textos da literatura pálavi (tardia) são abundantes em temas apocalíptico-escatológicos. Em que medida eles remetem a antigas tradições zoroastrianas é um ponto fulcral para a possibilidade de influxos na literatura judaica pós-exílica.


88 Cf., por exemplo, PR 48,66-68.
89 Cf. Bd. 34,9; também PR 48,57.
90 Cf. WZ 35,32.
91 Bd. 34,11.
92 Bd. 34,13-14; WZ 35,40-45. A separação entre justos e ímpios é descrita de forma vívida: “E todas as pessoas passarão através de seus próprios atos; os justos chorarão pelos ímpios, e os ímpios (chorarão) por si mesmos; nisso pode ser que haja um pai que seja justo e o filho ímpio, ou pode ser que haja um irmão que seja justo e outro ímpio...” (Bd. 34,15); no WZ, é descrito que “naquele tempo toda a humanidade lamentará juntamente e derramará lágrimas sobre o solo, pois o pai verá seu filho ser lançado no inferno, o filho (verá) seu pai, a esposa seu marido, o marido sua esposa, o amigo seu amigo” (WZ 35,41).

93 Exatamente como nas descrições judaica e cristã do paraíso, em que os justos são retratados con- templando e louvando a Deus.
94 Bd. 34,24; PR 48,101.107; WZ 35,52.
95 PR 48,103.107


As tradições apocalípticas no Avesta original e as repercussões no chamado Avesta Mais Novo


Como já assinalado neste trabalho, temas escatológicos são uma parte integrante do que poderia ser chamado de literatura apocalíptica. De acordo com Hultgård, temas escatológicos presentes na tradição tardia, como a expectativa de sinais e tribulações do fim dos tempos, o confronto final entre o bem e o mal, e a restauração do mundo, foram baseados em antigas tradições em avestan, as quais são anteriores ao III século a.C., e as partes mais antigas do Avesta (os Gathas e o Yasna de Sete Capítulos) precedem o Império Persa.96 Ele assevera que a difusão dessas tradições da antiguidade é indicada através de descrições do zoroastrismo por Plutarco e outros autores clássicos, bem como de antigas compilações como o Oráculo de Hystapes, as quais carregam uma forte marca iraniana. Em suma, permitindo certa obscuridade inerente à prova e à possibilidade de adaptação histórica das ideias religiosas, Hultgård conclui que muitas tradições escatológicas e cosmológicas preservadas pelas compilações em pálavi originaram no pensamento iraniano antigo.


Quanto à influência do pensamento sobre a apocalíptica judaica e cristã antiga, 97 ele afirma que nenhum empréstimo direto ocorreu. Mesmo assim, o desenvolvimento do apocalipsismo foi consideravelmente influenciado pelas preocupações e teor do apocalipsismo persa. Por fim, os textos em pálavi, importantes para o mundo medieval, são igualmente muito importantes para o estudo do apocalipsismo também no mundo antigo.98

Os Gathas apresentam um dualismo em diversos níveis, conforme assinalado acima. Entretanto, um ponto final para esse dualismo é aludido em algumas passagens,99 e, nesses casos, o contexto sugere uma interpretação escatológica, visto que será distribuída recompensa para as ações dos indivíduos, uma má para o mal, mas uma boa recompensa para os bons.100 

Assim, nos Gathas, parte mais antiga do Avesta, já estão presentes muitas características que normalmente aparecem nas obras apocalípticas, como o dualismo, visões, revelações de conhecimentos secretos e a expectativa de um julgamento final. O Y. 30, por exemplo, cita a grande consumação, quando os que optaram pela justiça serão recompensados, ao passo que os ímpios serão destruídos. Ressalta ainda as ações justas e a função de Ahura Mazda como retribuidor da justiça no final dos tempos. O determinismo, outra característica marcante da apocalíptica judaica, é encontrado no Y. 44, onde Zoroastro pergunta a Ahura Mazda sobre a batalha prevista para o final dos tempos, cujo resultado já foi previamente decretado.

Essa última pode ser considerada uma passagem-chave dos Gathas; o Y. 44,14-15 pode aludir ao último confronto entre a Verdade e a Mentira. Na estrofe 14 o antagonismo entre Verdade e Mentira é proclamado e o narrador suplica a Ahura Mazda para “trazer sua arma impetuosa sobre o enganador (e) trazer aflição e injúria sobre ele”. Na estrofe seguinte é feita menção a dois exércitos opostos que se confrontarão, e o narrador solicita a Ahura Mazda retoricamente: “A qual lado dentre os dois (lados), para quem Tu atribuirás a vitória?”. Para a tradição zoroastriana isso era uma clara alusão ao grande combate escatológico entre o Bem e o Mal.

A crença na vida humana no pós-morte representada pela “alma” (em avestano uruuan) é um elemento proeminente nos Gathas, presença que parece incontestável entre os intérpretes modernos.101 O destino final do ser humano do bem (chamado de “verdadeiro”) será junto a Ahura Mazda na “morada do Bom Pensamento”, ao passo que o enganoso irá para “a casa da Falsidade” ou “a morada do Pior Pensamento”.102

No Y. 43, estrofe 5, é estabelecida a distribuição de recompensa e punição por ocasião da “reviravolta final na criação”. No Y. 51,9 essa recompensa escatológica através do fogo é conectada com (ou especificada como) uma provação pelo metal fundido.103 Várias outras passagens parecem também incluir alusões a diferentes existências dos indivíduos no pós-morte, embora elas possam ao mesmo tempo referir-se a recompensas e punições divinas a serem distribuídas durante sua vida terrena.104 A provação pelo fogo exerce importante papel nessas retribuições escatológicas.105 

A noção de ressurreição dos mortos também aparece nos Gathas, ligada à ideia da reviravolta final na criação.106

A ideia de um mundo perfeito pode estar subjacente às referências acerca da criação de uma existência “brilhante”, “feliz”, “abundante”.107 

A menção dessa criação no Y. 30,9, colocada no contexto de derrota e punição do Engano, expressa o desejo da comunidade gáthica de estar entre aqueles que ajudam a trazer essa perfeição. A outra menção é uma prece a Ahura Mazda em fazer a existência “esplêndida” (Y. 34,15). A reivindicação para uma continuidade das crenças entre os Gathas e os textos em pálavi é também apoiada pelo fato de que o Yt. 19 profetiza a renovação do mundo através do redentor final em estreita semelhança com os conteúdos das estrofes gáthicas.108

A viagem transcendental como um meio para aquisição de conhecimento divino (a qual é uma característica da experiência do visionário iraniano), conforme atestada nos apocalipses em pálavi Arday Wiraz Namag e Bahman Yasht, pode também ter sua origem em época bem anterior. Os Gathas incluem algumas passagens que podem ser interpretadas como reflexo de jornadas de visionários. No Y. 33,5 ocorre uma menção “dos caminhos retos nos quais Mazda Ahura permanece”, 109 os quais são alcançados pelo narrador. 

Semelhantemente, no Y. 43,3 encontra-se o desejo de que um homem específico deveria ensinar à comunidade “os corretos caminhos da benfeitoria”, o que pode ser comparado à prece no Y. 34,12 dirigida a Ahura Mazda: “Mostre-nos com Verdade os caminhos do Bom Pensamento, fácil para percorrer”. Passagens mencionando os caminhos divinos podem se referir ao bom comportamento ritual que confere ao sacrificador uma recompensa escatológica, mas podem também conter alusões aos caminhos percorridos durante uma visão divina.

Duas outras passagens aludem a visões empreendidas pela “alma” ou por uma pessoa nomeada: no Y. 44,8 o narrador pergunta pelo caminho no qual sua “alma” pode prosseguir para alcançar as coisas futuras, e no Y. 51,16 Vishtaspa é orientado a prosseguir nos caminhos do Bom Pensamento para alcançar o discernimento concebido por Ahura Mazda. A jornada mencionada nessas duas passagens parece se referir primeiramente à ascensão da “alma” ao paraíso após a morte, mas também podem aludir a viagens a outro mundo para a aquisição de discernimento divino. Como se pode ver, o caminho após a morte pelo qual a “alma” alcançará o paraíso nas tradições do zoroastrismo clássico pode ser o mesmo pelo qual o visionário caminha, e o alvo também o mesmo: o encontro com a divindade suprema. A descrição da visão em êxtase por parte de Vishtaspa no Dinkard é explicitamente descrita como uma jornada ao paraíso no relato paralelo do Pálavi Rivayat.110

COMENTÁRIO: Não só a literatura apócrifa judaica apresenta vários desses Apocalipses com Viagens Transcendentais, mas os textos gnósticos encontrados em Nag Hammadi apresentam vários desses tipos. Um exemplo é o texto Zostrianos, que lamentavelmente está muito mal preservado, mas ainda é possível ver do que se trata. Nele, Zostrianos (um  descendente de Zoroastro) está melancólico e deprimido por não se encontrar satisfeito com nenhuma religião, filosofia ou doutrina, todas parecendo sem sentido. Então ele foge ao deserto para ser devorado pelos animais selvagens, num ato suicida. Nesse momento, um anjo aparece, dizendo que ele era ignorante sobre as eternidades (aeons) das alturas e convida-o para atravessar esses aeons, aprender o conhecimento e depois passar esse conhecimento para a humanidade. A gnose libertadora consiste em abandonar o mundo material opressivo e se concentrar nos Reinos Celestiais, que são vários níveis compostos por Ideias que habitam esses reinos (as ideias inteligíveis de Platão), ou seja, a Gnose é a Contemplação dos Aeons, que recebem nomes cujo significado deve ser desvendado. Os significados consistem em demonstrações de como o mundo material foi feito como cópia e imagem dos mundos celestiais, e cada mundo celeste é uma copia de um outro mundo mais divino e celeste que está acima, e todos eles são emanações de um Único Deus, o "Espírito Invisível Três Vezes Poderoso". Zostrianos mostra como os gnósticos souberam combinar o Zoroastrismo com o Platonismo, porém reinterpretados e moldados para pregar uma nova e original mensagem: A GNÓSTICA

Porfírio na sua obra Vida de Plotino conta que:


 "Havia, em seu tempo, muitos cristãos e também outros[54], sectários de uma seita derivada da antiga filosofia, adeptos de Adélfio e de Aquilino, que possuíam muitíssimos escritos de Alexandre o Líbio, de Filocomo, de Demóstato e de Lido, e que apresentavam apocalipses de Zoroastro, de Zostriano, de Nicoteu, de Alógenes, de Meso e de outros tais[55], que, estando eles mesmos enganados, a muitos enganavam, dizendo que Platão não alcançara o profundo da essência inteligível. Por isso Plotino mesmo não só fez muitas refutações a eles nas reuniões, mas também escreveu o tratado que intitulamos Contra os gnósticos[56], deixando a nós a tarefa de criticar as doutrinas restantes. Amélio chegou a escrever quarenta livros contra o livro de Zostriano. E eu, Porfírio, compus numerosas refutações ao de Zoroastro, demonstrando como esse livro é não apenas espúrio, mas também recente e forjado pelos fundadores da seita, para que se tenha a crença de que são do antigo Zoroastro as doutrinas que eles mesmos escolheram venerar."

Não só Zostrianos, mas Alógenes também foi reencontrado em Nag Hammadi. Plotino ficou bastante irritado com os gnósticos que frequentavam sua Escola de Filosofia, porque eles diziam que Platão não havia chegado à Gnose perfeita e que seu sistema deveria ser corrigido e melhor analisado. Isso era uma blasfêmia, pois desde o medio-platonismo que as obras de Platão e Pitágoras eram vistas como Escrituras Sagradas Divinamente Reveladas e os dois filósofos como profetas da Divindade, os mais divinos e sábios homens da humanidade. Isso chega ao limite no Neoplatonismo que cada vez mais se converterá em um culto religioso onde a Teurgia/Magia era cultivada tanto quanto a reflexão filosófica. Isso significa que frequentar uma escola platônica mas ao mesmo tempo interpretar diferente e criar novas doutrinas, que é o que os gnósticos faziam com todos os cultos e escolas que frequentavam, era uma verdadeira heresia para os neoplatônicos. Zostrianos mostra como a alma gnóstica não se contentava só com uma doutrina ou uma fé mas queria sempre aprender mais, pois sabia que o conhecimento é ilimitado. E de tanto estudar, acabavam detectando falhas e contradições nos vários sistemas, coisa que não agradava a muitos.

No Avesta Mais Novo, o texto mais importante que trata da batalha final entre o Bem e o Mal e da renovação do mundo é o Yt. 19, composto muito provavelmente no V século a.C (Período Aquemênida). Nas estrofes 88-94 uma única predição escatológica foi preservada, apresentando os temas básicos da escatologia apocalíptica como ela é encontrada nos livros em pálavi. Esse Yasht é dedicado à glória divina e enumera os heróis e figuras que a “glória” acompanhou no passado para ajudá-los a cumprir suas ações renomadas. Entretanto, em relação à última figura, a cena é colocada no futuro e descreve a aparição e missão do Asvat-ereta (“Justiça Encarnada”),111 o qual é caracterizado como um Saoshyant; o Yasht então se vale de um conceito presente nos Gathas e o aplica a um salvador escatológico específico.112 A esperança da ressurreição dos mortos é expressa no Yt. 19,11 (repetida no v. 89), na mesma linha do texto gáthico Y. 30,7 citado acima.113

O nascimento de Asvat-ereta é aludido na estrofe 92, onde se registra que ele nascerá nas águas do Lago Kâsava e que sua mãe se chama Vîspa.taurvairi. Ele é o promovedor da Renovação, na qual, segundo os Gathas, tomarão parte também os fiéis verdadeiros, através de seus bons pensamentos, palavras e ações. 114 A batalha final entre Bem e Mal é claramente anunciada. Ele sobrepujará o grande inimigo, “a má Falsidade, de raízes más e nascida de trevas” (estrofe 95).



96 Cf. HULTGÅRD, Anders. Bahman Yasht: A Persian Apocalypse. In: COLLINS, J. J.; CHAR- LESWORTH, J. H. (Ed.). Mysteries and Revelations: Apocalyptic Studies since the Uppsala Col- loquium, p. 114-134. Bem antes de Hultgård, Benveniste já havia chamado a atenção para os clás- sicos gregos no estudo da religião persa (cf. BENVENISTE, Emile. The Persian Religion: Accor- ding to the Chief Greek Texts, 1929).
97   Ele  faz  um  tratamento  detalhado  do  tema  em  HULTGÅRD,  Anders.  Das  Judentum  in der
hellenistisch-römischen  Zeit   und  die  iranische  Religion:  ein  religiongeschichtliches  Problem.
ANRW II.19.1 (1979), p. 512-590.
98 Cf. HULTGÅRD, Anders. Bahman Yasht: A Persian Apocalypse. In: Op. cit. p. 134.
99 Cf. Y. 43,5; 51,6.
100 Cf. Y. 30,4 (transcrito supra).
101 Uma importante noção nos Gathas é a ideia expressa pelo termo “ahu-” (“existência”), a qual parece ter diversas conotações. Determinada por “astuuant-” (“de osso”), expressa a existência corporal de humanos e animais; ligado a “mainiiu-”, denota sua existência espiritual. O termo pode se referir a diversas formas de existência, individual (“vida”) e universal (“mundo”, “universo”). 102 Cf. Y. 32,13.15; 51,14.
103 Cf. também Y. 32,7.
104 Cf. Y. 30,4; 34,13; 43,12; 44,19; 45,7.
105 Cf. Y. 43,4; 47,6 (possivelmente também no Y. 31,3).

106 Cf., por exemplo, o Y 30,7. O ensino gáthico especificamente sobre a ressurreição será tratado adiante.
107 Cf. Y. 30,9; 34,15.
108 Cf. Yt. 19,89.
109 Ou, de acordo com Kellens e Pirart, “e os caminhos retos... a Harmonia, ao final dos quais, ó Mazda, o mestre [Ahura] habita” (cf. KELLENS, Jean; PIRART, Eric. Les textes vieil-avestiques, p. 123. v.1).
110 Cf. Dk. VII, 4,84-86 e PR 47,30. Neste caso, a conexão com o Y. 51,16 parece óbvia, o que implica uma antiga interpretação daquela estrofe como uma viagem transcendental feita por Vish- taspa durante a sua vida.
111 O último Saoshyant (pálavi Asvat-ereta, “Que tem a ordem [cósmica] por corpo”, “Personificação da verdade”, a justiça encarnada), nascerá da virgem Vispa-Taurvairi (“A que tudo conquista”), cf. Yt. 19,92. Esse último Saoshyant é o supremo Saoshyant, o Asvat-ereta, o qual promoverá efetivamente a Renovação (Yt. 19, 88-96), conforme também o Bd. 34. Segundo o Bundahishn, a história do mundo se divide em 12 mil anos, em que nos três primeiros estão os preparativos para a luta cósmica e no início do segundo quarto de milênio (ano 9000) Zoroastro recebe a revelação  de Ahura Mazda. No último quarto de milênio se dá a batalha final; no entanto, este período também é dividido em três períodos de mil anos, sendo que ao final de cada um desses milênios os ensinos de Zoroastro caem no esquecimento, havendo então a necessidade do surgimento de um novo redentor (assim, o Saoshyant acaba sendo triplicado, sendo o Asvat-ereta o último a surgir).
112 Para esse desenvolvimento, cf. HINZE, A. The Rise of the Saviour in the Avesta. In: RECK, Christiane; ZIEME, Peter (Ed.). Iran und Turfan: Beiträge Berliner Wissenschaftler, Werner Sundermann zum 60. Geburtstag gewidmet, p. 77-98.
113 Para o tratamento específico desse Yasht, ao lado do Y. 30,7 (a questão da ressurreição dos mortos), cf. adiante.
114  Cf. Y. 34,23; 46,3; 48,12.

COMENTÁRIO: A história da virgem Vispa Taurvairi dando à luz ao Saoshyant Personificação da Justiça (Asvat-ereta) é mais uma tradição zoroastriana (essa virgem será identificada com a deusa pré-zoroastriana Anahita, a mesma deusa Mylitta dos Assírios que seria a mãe de Mithra) que exerceu influência na posterior construção da história de Jesus.


A Falsidade será expulsa do mundo da Verdade.
Os seguidores de Asvat-ereta são então descritos como uma comitiva de homens sinceros, religiosos, notáveis em termos de moral; eles afastarão o destruidor Aeshma (o demônio Heshm nos livros em pálavi). Algumas das criaturas divinas e entidades ao redor de Ahura Mazda escolherão, cada uma, seu próprio ad- versário: Vohu Manah (o “Bom Pensamento”) derrotará Aka Manah (o “Mau Pen- samento”), a Palavra Falada Verdadeiramente subjugará a Palavra Falada Fal- samente, Imortalidade e Integridade subjugarão a Fome e a Sede, e Angra Mainyu fugirá destituído de seu poder (estrofe 96).

COMENTÁRIO: O demônio ou daeva Aeshma (Aeshma Daeva) foi assimilado pelo judaísmo. Aparece no livro de Tobias no Velho Testamento e no Testamento de Salomão, um pseudepígrafo apócrifo da literatura judaica, provavelmente escrito depois do século I d.C.

7"Aconteceu que, precisamente naquele dia, Sara, filha de Raguel, em Ecbátana na Média, teve também de suportar os ultrajes de uma serva de seu pai. 
8.Ela tinha sido dada sucessivamente a sete maridos. Mas logo que eles se aproximavam dela, um demônio chamado Asmodeu os matava." 
TOBIAS 3:7-8

É impossível que os zoroastrianos tenham copiado do judaísmo, pois a expressão Aeshma Daeva tem clara origem indo-européia pois é uma palavra da lígua Avesta ou avéstica, sendo encontrada de forma levemente modificada no sânscrito, língua de origem indo-europeia muito próxima do avestano. Aesma é um deva destruidor de lares, que busca acabar com os casamentos provocando a ira, o ódio e a luxúria. É exatamente essa característica que é cultivada no judaísmo.

Assim, o tema dos combates escatológicos entre as divindades e demônios encontrados nos textos em pálavi se encontra presente no zoroastrismo do Período Aquemênida (550 – 330 a.C.). Ele parece ser um motivo indo-europeu, como  é característico na antiga mitologia épica indiana (a batalha no Mahabárata).115

Alusões dispersas a esta descrição coerente acerca do final dos tempos são encontradas em outras passagens do Avesta Mais Novo. O Saoshyant do tempo final é mencionado em várias passagens, sempre associado com o epíteto de “vito- rioso”.116 O curso da história do mundo é resumido na expressão “do homem pri- mordial (Gayo-Maretan, pálavi Gayômard) ao vitorioso Saoshyant”.117 O mito de seu nascimento é aludido no Vd. 19,5: “até que o vitorioso Saoshyant nascerá no Lago Kâsava” (cf. também Bd. 33,38), e a Renovação como um alvo desejado é suplicada no Yt. 13,58.118

Como se vê, há uma estreita conexão entre muitas ideias escatológicas da tradição tardia e o pensamento antigo expresso nos Gathas, entre elas a ideia de restauração da criação com julgamento e retribuições, incluindo a noção de ressurreição individual. Somado a isso, outra forte evidência para a tese da continuidade da tradição dos Gathas nos textos mais novos consta dos relatos de autores greco-latinos.




115 O Mahabárata é uma legenda que constitui o segundo dos dois grandes poemas épicos da Índia, com cerca de cem mil versos compostos em mais de 800 anos, com início por volta de 400 a.C.
116 Cf. Yt. 13, 129.145; Vd. 19,5: Y. 26,10; 59,28. No Yt. 13,129 seus dois nomes são explicados: Saoshyant (“Futuro Benfeitor”) na medida em que ele fará com que toda a existência corporal prospere, e Asvat-ereta (“Justiça Encarnada”) “na medida em que como criatura corporal (e) viva ele dará livramento corporal do perigo” (cf. HINZE, A. Op. cit. p. 92).
117  Yt. 13,145; Y. 26,10.
118  Cf. também Y. 62,3 ; Vd. 18,51.


 

 As evidências de autores gregos e latinos


A evidência a partir de textos em avestan é escassa, de caráter alusivo e contrasta nitidamente com a rica descrição do tempo final feita pelas obras em lavi. Se não fosse pelo testemunho dos autores gregos e latinos, o argumento para  a continuidade do apocalipsismo iraniano a partir do Avesta original e Posterior até os livros em pálavi do início do Período Islâmico seria menos convincente.

COMENTÁRIO: Agora vamos entrar em um assunto intrigante: a absoluta escassez de críticas de autores judeus e cristãos ao zoroastrismo.

É muito estranho que filósofos e historiadores gregos e romanos (pagãos) façam questão de analisar e estudar em suas obras as doutrinas de Zoroastro e dos Magos, mas ao mesmo tempo autores judeus e cristãos SE SILENCIAM SOBRE O ZOROASTRISMO. 

Fílon de Alexandria fala expressamente da rica sabedoria dos Magos da Pérsia. Ele diz em sua obra SOBRE AS LEIS PARTICULARES ( DE SPECIALIBUS LEGIBUS):


100. XVIII. Ahora bien, existe una magia verdadera,51 que es una visión científica mediante la cual aparecen las obras de la naturaleza iluminadas por una luz más clara, y es tenida por muy respetable y digna de cultivarse; y no solo los simples particulares, sino también los reyes, aun los más grandes reyes, y sobre todo los de los persas, la practican con tanto empeño, que, según aseguran, entre éstos ninguno puede ser elevado al trono si anteriormente no formaba parte de la casta de los Magos.52
51 Ver Todo hombre bueno es libre 74.

52 Cicerón, Sobre la adivinación I, 91.

E também diz na obra TODO HOMEM BOM É LIVRE (QUOD OMNIS PROBUS LIBER SIT):
Capítulo 74
Y también dentro del mundo no griego, en el que las obras se estiman más que las palabras,48 existe una numerosísima hueste de hombres de elevadas cualidades. Entre los persas está la casta de los magos, los que en silencio investigan las obras de la naturaleza para alcanzar el conocimiento de la verdad, y mediante visiones más claras que las palabras reciben y comunican las sagradas revelaciones.49

A questão é que Fílon parece ser o único a falar sobre os persas. Misteriosamente, os autores judeus anteriores a ele e os judeus e cristãos posteriores a ele fazem um silêncio absoluto sobre o zoroastrismo.

ATÉ A BÍBLIA FALA SOBRE OS PERSAS! O Livro de Isaías menciona expressamente Ciro, Imperador da Pérsia, como MESSIAS (UNGIDO) DE IAHWEH. No capítulo 45 de Isaías Ciro é ovacionado e elevado a um status que só os Reis de Israel e só o futuro Salvador. E o Novo Testamento menciona os "magos do oriente" indo visitar o Menino Jesus. 

Como veremos com melhor detalhe mais à frente, é impossível que os judeus não tivessem contato direto com a doutrina zoroastriana, se todos os povos ao redor da Palestina (egícios, assírios, babilônicos, árabes, sírios, armênios, gregos, etc) relatam expressamente o seu encontro com o zoroastrismo persa e as mudanças culturais que daí sobrevieram. Os gregos fazem questão de analisar suas doutrinas em suas obras, inclusive identificando elevada sabedoria e filosofia na doutrina de Zoroastro e sincretizando o zoroastrismo com Platonismo, Pitagorismo, Aristotelismo e outras filosofias gregas e helenísticas. Gregos do século 5 a.C. até romanos do século 5 DEPOIS DE CRISTO ainda citam Zoroastro e suas doutrinas. Estamos falando de filósofos e historiadores que são citados por autores cristãos, pelos PADRES DA IGREJA, pela Patrística! Estamos falando de filósofos platônicos, como Plutarco, que fora estudados nas escolas de filosofia medio e neoplatônica em Alexandria, Atenas, Antioquia, centros de população judaico-helenista e de difusão do cristianismo. É IMPOSSÍVEL QUE OS PADRES DA IGREJA DESCONHECESSEM O ZOROASTRISMO.

ENTÃO PORQUE ESSE SILÊNCIO??? Porque os judeus jamais atacaram o Zoroastrismo, em hipótese alguma? Pelo contrário, os persas zoroastrianos são vistos no Velho Testamento como salvadores e libertadores de Israel? Porque o Velho Testamento ataca os deuses da mitologia cananéia mas não dá um pio sequer sobre Ahura Mazda e os Amesha Spentas? Porque Mithra, Anahita e outras divindades persas pré-zoroastrianas são ignoradas, mas Astarte babilônica, Zeus grego, Baal cananeu são atacados no Velho Testamento?

Porque os Padres da Igreja atacavam sem parar os deuses gregos, egípcios, babilônicos e romanos, mas NADA falam do Ahura Mazda e dos Amesha Spentas do Zoroastrismo? Alguma coisa está errada. É muito estranho esse silêncio sobre Zoroastro.

Eles se silenciaram porque sempre souberam que ambos, judaísmo e cristianismo, beberam do Zoroastrismo toda sua teologia, escatologia, apocalíptica, ética, moral e mitologia. Isso é mais que óbvio e claro. Jamais os velhos fariseus iriam admitir, como Fílon, que os magos persas eram tão sábios quanto os profetas de Israel. Mas nunca! Então Fílon foi ignorado junto com os persas, uma leia do silêncio sobre o zoroastrismo se impôs no universo do judaísmo helenístico. Os sinceros, que sabiam dos plágios e não queriam esconder ou fingir, foram anatematizados, formaram as primeiras formas de gnosticismo judaico pré-cristão, seguindo o sincretismo de Fílon com a filosofia grega.

E os Padres da Igreja? Esses desgraçados proto-católicos se aproveitaram que as Escrituras Zoroastrianas só eram acessadas pelos Magos e por pessoas alfabetizadas e ricas, como os filósofos gregos. A maioria da população jamais poderia encomendar uma cópia em sua língua nativa dos textos de Zoroastro. Assim, não só plagiaram tudo do Zoroastrismo como impuseram uma regra de silêncio, sob pena de que as pessoas percebessem que tanto o judaísmo quanto o cristianismo são baseados em plágios do Zoroastrismo, e abandonassem o judeu-cristianismo e corressem para o zoroastrismo.

Já os gnósticos tanto não se importavam que até inventavam novas Escrituras e personagens contendo os nomes da mitologia zoroastriana. É o exemplo de Zostrianos, que no final é assinado como "Os Ensinamentos de Zoroastro".

Os Padres da Igreja NO MÁXIMO os chamam de "caldeus" ou de "orientais". Existe uma obra importantíssima pois ela é o manual e fundamento da Magia/Teurgia, são os ORÁCULOS CALDEUS. Essa obra é justamente um sincretismo entre platonismo e zoroastrismo. Provavelmente foi criada por um ou mais de um filósofos medioplatônicos com clara influência pitagórica, que quiseram sistematizar a magia aprendida dos Magos zoroastrianos sob uma forma mais helenizada e grega, platônica mesmo, para ser usada pelos filósofos gregos. Apesar disso, é rara a nomenclatura "caldeus" para se referir aos zoroastrianos da pérsia.

Mesmo assim, não há justificativa para esse estranho silêncio sobre uma religião que tão fortemente influenciou o mundo helenístico e romano e o judaísmo. É impossível que pessoas letradas e ricas como eram os Padres da Igreja desconhecessem as doutrinas de Zoroastro sendo que todos ao redor deles, seus professores nas escolas, conheciam.

Pior ainda é na Armênia. Esse país havia sido colônia do Império Persa e o zoroastrismo se expandiu fortemente por lá. Com o advento do cristianismo, os templos zoroastrianos viraram igrejas cristãs. No entanto, os Padres da Igreja armênios, bispos e "santos" de lá também silenciam, apenas relatando que o cristianismo venceu os pagãos idólatras politeístas que lá viviam com facilidade pois sua religião estava muito próxima do cristianismo. Acontece que "são" Gregório Iluminador, Moisés de Khorene e outros "santos" católicos armênios reconheceram que apenas acomodaram as doutrinas de Zoroastro que estavam sincretizadas com antigo paganismo armênio ao dogma católico para cristianizar a Armênia, apagando propositalmente qualquer citação ou menção ao zoroastrismo, como pode ser lido no livro Armenian Mythology de Mardiros Ananikian.

Uma das principais fontes para o conhecimento dos persas antigos é o escritor grego Heródoto, considerado um “historiador” antigo. Ele descreve o conflito entre persas e gregos no V século a.C. Embora não mencione Zoroastro, ele discorre acerca dos costumes dos persas, especialmente sobre o clã sacerdotal dos magos. Os persas ofereciam sacrifícios a Zeus (Ahura Mazda), à lua, ao sol, terra, fogo, água, ventos e a uma deusa chamada Vênus Urânia, que os assírios chamavam de Milita e os árabes de Alita.119  Segundo Heródoto, os magos entoavam  um texto sagrado, matavam criaturas nocivas como formigas e cobras, e exibiam cadáveres humanos para serem mutilados por “pássaro ou cão”.120 Muitas dessas práticas correspondem àquelas encontradas em textos zoroastrianos tardios.121

COMENTÁRIO: É preciso esclarecer sobre a Interpretatio Graeca. Os Gregos em algum momento de sua história perceberam que muitas mitologias diferiam apenas da linguagem - o conteúdo era praticamente o mesmo. Assim, eles perceberam que o seu Zeus Pater, o romano Jupiter, o védico Dyaus Pita e outros deuses eram na verdade variações de uma mitologia primitiva comum originária. Isso porque esses povos são de origem indo-européia e hoje já sabemos que as mitologias de muitos povos europeus e asiáticos tem origem comum. O problema é que os gregos achavam que isso se aplicava a todo e qualquer povo, incluindo os povos africanos e orientais que não tinham origem indo-européia. Por isso, chamavam Ahura Mazda, Yahweh, Baal-Hadad e outros deuses de Zeus. Isso se chamava Interpretatio Graeca. Quando os macedônios liderados por Alexandre conquistaram o Oriente, é relatado por vários autores, até mesmo na bíblia, que ao lado dos altares dos deuses dos outros povos eram colocadas as imagens dos deuses gregos e os rituais orientais eram realizados tanto para o deus nativo quanto para o deus grego. Assim, como relatado no livro dos Macabeus, Zeus Olimpico foi colocado no Templo de Jerusalém e o ritual para Yahweh foi realizado para Zeus. Do mesmo modo, nos templos Baal-Hadad na Síria e na Fenícia, Marduk na Babilônia, Osíris no Egito, Ahura Mazda na Pérsia, etc, o mesmo com outros deuses e personagens, como Atena, Hades, Hermes, Poseidon, Afrodite, etc.

Um contemporâneo de Heródoto, Xantos de Lídia, foi o primeiro ocidental a mencionar Zoroastro, o que mostra que ele já era conhecido no Ocidente nessa época. Xantos escreveu em grego e viveu durante o reinado de Artaxerxes I (465- 424 a. C.). Ele era um especialista nos magos, os sacerdotes medos. Em um  famoso fragmento preservado por Diógenes Laércio (III século a.C) ele chama Zaratustra de Zoroastro (“astro puro”),122 cujo nome parece insinuar que, nessa época, Zoroastro era conhecido pelas suas conexões com a astrologia e a astronomia babilônicas, apesar de nos Gathas não haver registro de tal correlação.

Plínio, o Velho, cita Eudoxo de Cnido (IV século a.C.), um discípulo de Platão, para a ideia de que Zoroastro viveu seis mil anos antes.123  

119  HERÓDOTO. História, I.131.
120  Ibidem, I.132.140.
121 MOLÉ, Marijan. Culte, mythe et cosmologie dans l’Iran ancien: le problème zoroastrien et la tradition mazdéenne, p. 78. Segundo Boyce, “em geral, os comentários de Heródoto sobre a religião dos persas concordam muito bem com as crenças e práticas zoroástricas tal como elas teriam sido apreendidas por um observador inteligente e questionador, o qual não procurava penetrar muito na doutrina ou nos atos sacerdotais de culto, mas estava satisfeito em registrar o que ele via por  si mesmo e o que seus amigos poderiam relatar-lhe” (Cf. BOYCE, Mary. A History of Zoroastrianism: Under the Achaemenids, p. 183).
122  DIÓGENES LAÉRCIO VI.1.3-4.
123  PLÍNIO. Naturalis Historia XXX.1.3

Pelo final do  IV e início do III século a.C., Zoroastro era conhecido pelos gregos como um mago e um antigo legislador do povo iraniano.124 Estrabão (63 a.C. – 19 d.C.) registra uma extensa passagem sobre a religião persa: “Agora, os persas não erguem estátuas e altares, mas oferecem o sacrifício em um lugar alto, sobre os céus, como Zeus, e eles também adoram Hélio [o Sol], a quem eles chamam de Mitras, Selene [Lua] e Afrodite (...) mas é sobretudo ao fogo que eles oferecem sacrifício”.125

Outro testemunho importante é o de Plutarco (46 – 127 d.C.) em seu ensaio De Iside et Osiride (Sobre Ísis e Osíris) 46-47, escrito entre 100 e 127 d.C.126 No capítulo 46 ele registra:

Esta é a opinião da maioria e dos mais sábios; pois alguns acreditam que existem dois deuses que são rivais, por assim dizer, na arte, um sendo o criador do bem, e o outro do mal; outros chamam o melhor desses um deus e seu rival um daemon [demônio], como, por exemplo, Zoroastro, o Mago, o qual viveu, assim eles registram, cinco mil anos antes do Cerco de Troia. Ele costumava chamar um de Horomazes e o outro de Areimanios, e mostrou também que o primeiro foi especialmente aparentado, entre os objetos da percepção, à luz, e o segundo, ao contrário, à escuridão e ignorância, enquanto que entre os dois estava Mitra; e é por isso que os persas chamam Mitra de “o Mediador”. Ele também ensinou que ofertas votivas e de agradecimento devem ser feitas para Horomazes, mas cerimônias lúgubres para Areimanios, e aquelas destinadas a evitar o mal. Uma delas consiste em colocar uma libra de determinada erva chamada omômi num almofariz, invocando Hades e as trevas, e então depois de se misturar com o sangue de um lobo degolado eles a levam a um lugar sem sol e a lançam fora. Eles acreditam que também entre as plantas algumas pertencem ao deus do bem o outras ao daemon do mal, e que entre os animais alguns, tais como cães, aves e porcos-espinhos da terra, pertencem ao bom deus, ao passo que ouriços d’água pertencem à divindade má, e por  essa  razão eles  consideram feliz  qualquer  que mata  um grande número deles.127

Plutarco oferece uma curta mas detalhada descrição da cosmogonia e escatologia zoroastrianas (com um relato variante no capítulo 47). Nesta parte do tratado Plutarco pretende ilustrar uma opinião generalizada “sustentada pela maioria das pessoas e pelos homens mais sábios” acerca dos dois princípios, o bem e o mau, os quais, apesar de incompatíveis, ambos têm sua fonte e origem na natureza em si mesma. Para essa finalidade, a doutrina persa acerca dos dois poderes cósmicos opostos apresenta, em si mesma, um exemplo bastante apropriado.

124  Cf. BENVENISTE, Emile. The Persian Religion: According to the Chief Greek Texts, p. 10.
125  ESTRABÃO XV.3.1.
126 PLUTARCO. De Iside et Osiride. Introducción, texto crítico, traducción y comentario por Ma- nuela García Valdés, p. 20.
127 PLUTARCO. De Iside et Osiride, 46. In: Plutarch’s De Iside et Osiride. Edited with an Introduction, Translation and Commentary by J. Gwyn Griffiths, p. 191.


Primeiramente, Plutarco claramente atesta o mito cosmogônico básico conhecido, de outra forma, somente a partir de textos em pálavi. Vários pontos revelam uma surpreendente correspondência em detalhes, o que enfatiza a plausibilidade da transmissão oral daquele mito através do tempo.

O estado inicial do cosmos, com o Bem e o Mal sendo duas entidades o- postas já a partir desse início, é descrita por uma redação quase idêntica a que se encontra na abertura do primeiro capítulo do Bundahishn e do Wizidagiha î Zads- pram. A divindade boa, afirma Plutarco, é chamada Horomazes e a má é chamada Areimanios; a boa é comparada com a luz, e a má com trevas e ignorância (primeira variação no capítulo 46). A redação da segunda variante (capítulo 47) é ligeira- mente diferente na medida em que se afirma que Horomazes nasce a partir da mais pura luz e Areimanios das trevas:

Mas eles (os persas) também relatam muitos detalhes míticos acerca dos deuses, e os seguintes são exemplos. Horomazes nasce da mais pura luz e Areimanios das trevas, e eles estão em guerra um com o outro. O primeiro (Horomazes) criou seis deuses, sendo o primeiro deus o da boa vontade, o segundo deus o da verdade, o terceiro deus o da boa ordem, e os outros deuses da sabedoria e da riqueza, o sexto sendo o criador de prazer nas coisas belas. O outro (Areimanios) criou um número igual como rivais a esses. Então Horomazes, tendo ampliado a si mesmo em três vezes seu tamanho, retirou-se para tão longe do sol quanto o sol está distante da Terra, e adornou o céu com estrelas; e uma estrela, Sirius, ele estabeleceu sobre todas as outras como um guardião e vigia. Vinte e quatro outros deuses foram criados por ele e colocados dentro de um ovo. Aqueles que foram criados a partir de Areimanios foram de igual número, e eles penetraram no ovo... e assim disso resultou que bem e mal estão misturados. Chegará o tempo destinado quando Areimanios, o portador da peste e da fome, deve necessariamente ser totalmente destruído e obliterado por estas. A Terra será plana e nivelada, e um modo de vida e um governo surgirá de todos os homens, os quais serão felizes e falarão a mesma língua. Teopompo afirma que, de acordo com os Magos, por três mil anos, alternadamente, um deus dominará o outro e será dominado, e que por mais três mil anos eles lutarão e farão guerra, até que um despedace o domínio do outro. No final Hades perecerá e os homens serão felizes; eles não precisarão nem de sustento e nem de projetar uma sombra, enquanto o deus que terá proporcionado isso fica- rá tranquilo e descansará, não por muito tempo mesmo para um deus, mas pelo tempo que seria razoável para um homem que adormece. Essa é a mitologia    dos
Magos.128

Vê-se que, do ponto de vista literária, o relato de Plutarco não é uniforme; ele parece se basear em diferentes fontes e informantes. Assim, ele fornece dois relatos variantes para o estado original do cosmos, nos quais o conteúdo é o mes- mo, mas a terminologia é diferente.129

Na primeira variante existe também uma menção ao espaço intermediário que separa os dois poderes cósmicos: “no meio do caminho entre os dois se encontra Mitra".

128  Idem. De Iside et Osiride, 47. In: Ibidem, p. 193.
129 Cf. HULTGÅRD, Anders. Mythe et histoire dans l’Iran ancien: étude de quelques thèmes dans le Bahman Yašt. In: WIDENGREN, Geo; HULTGÅRD, Anders; PHILONENKO, Marc (Ed.). Apocalyptique iranienne et dualisme qoumrânien, p. 63-162; aqui p. 96-98.

Isso pode ser comparado com a abertura do mito no Bundahishn: “Ormazd estava em suprema onisciência e bondade, pelo infinito ele esteve sempre na luz... (...) Ahriman estava no fundo das trevas, ignorante e cheio de desejo torpe para ferir. No meio do caminho entre eles estava o vazio”.130

Plutarco acrescenta que Horomazes e Areimanios “estão em guerra um  com o outro”, e descreve brevemente o trabalho da criação, como dos antigos moldes surgiram seis divindades que correspondem claramente ao grupo dos Amesha Spentas, os “Imortais Beneficentes”.131 Areimanios responde pela criação de seis entidades opostas, justamente como Ahriman produz os “arquidemônios” como uma “anticriação” de acordo com o mito pálavi.132 Hromazes adornou o céu com luminares, e “ele estabeleceu uma estrela sobre todas as outras como um guardião e vigia, a Sirius”. A primeira afirmaçãorecorda a narrativado Bd. 2,1:

“Ormazd formou os luminares entre o céu e a Terra”. Já a citação que Plutarco faz de Sirius parece ser uma citação em grego a partir de uma passagem em avestan do Yasht dedicada ao deus-estrela Tishtriya, o qual é o equivalente de Sirius: “A brilhante e gloriosa estrela Tishtriya nós adoramos, a quem Ahura Mazda estabeleceu como senhor e vigia sobre todas as estrelas”.133
Vinte e quatro outras divindades são criadas por Horomazes e colocadas dentro do cosmos. Uma criação oposta feita por Areimanios vem novamente em seguida, produzindo vinte e quatro demônios. Areimanios e seus demônios então rompem o espaço cósmico, e, dessa forma, afirma Plutarco, se deu a mistura entre bem e mal. Aqui é óbvia a alusão à irrupção de Ahriman dentro da criação de Ormazd e, como consequência, o surgimento do mundo presente em um “estado de mistura” entre bem e mal.

COMENTÁRIO: Semelhante aos 24 anciãos que estarão assentados ao lado de Jesus no Dia do Julgamento, conforme o Apocalipse de João.

Em seguida, Plutarco passa diretamente para a era escatológica: um tempo designado virá quando Areimanios e seus assistentes serão totalmente destruídos pela peste e fome que eles mesmos carregavam e desaparecerão totalmente, conforme decretado previamente. A ênfase de Plutarco sobre o que foi decretado se coaduna bem com a ideia de que a derrota final de Ahriman estava determinada por Ormazd já na criação. As tribulações do fim dos tempos também são  aludidas

1



130 Bd. 1,1-3; cf. relato semelhante em WZ 1,1-2. Em verdade, no Bd. 1,3 uma tradição variante é relatada, na qual o “vazio” aparece como “caminho” (“vento, atmosfera”) ao mesmo tempo em que é considerado como uma divindade (avestan Vayu) da mesma dignidade de Mitra.
131  Cf. Bd. 1,53.
132  Cf. Bd. 1,47-49.55.
133  Yt. 8,44.

pelas palavras “pestilência e fome”, e a ideia de que elas são produzidas por Areimanios mas que também causarão a sua própria destruição está em conformidade com a tradição pálavi da luta interna mortal dentro do acampamento dos demônios. Quando o fim se aproxima, um aumento da atividade do mal é esperado, como indicado no Bahman Yasht: “Quando o momento de sua destruição estiver próximo, o Mau Espírito enganador será mais opressivo e sua forma de governo
pior”.134
A ideia da reviravolta da criação com a chegada da Renovação também é abordada por Plutarco: a Terra se tornará uma planície, e haverá um só modo de vida e uma só forma de governo para uma humanidade abençoada em que todos falam a mesma língua. Pode-se notar que os textos em pálavi da tradição zoroas- triana tardia também tem como background essas ideias quando tratam da Reno- vação. A primeira argumentação para a existência de um paralelo claro é que ele é encontrado no Bundahishn, numa citação a partir de uma antiga tradição sagrada: “Essa Terra se tornará uma planície, nivelada, sem inclinações, e não haverá de- pressões, montanhas e picos, nem para cima e nem para baixo”.135

No Bd. 34,21 também é narrado que, quando a alma for reunida ao corpo, “a humanidade será reunida e, a uma só voz, ruidosamente dará louvores a Ormazd e aos Imortais Beneficentes”.136 Não está claro se esse é o significado que deve ser atribuído à declaração de Plutarco. Entretanto, a unidade escatológica  na forma de vida e de governo aludida no texto grego e para a qual bons paralelos até agora não foram apresentados pode, de fato, ser interpretada à luz de algumas passagens em pálavi acerca da Renovação.137 O Dinkard afirma que “toda a humanidade irá se reunir em torno da religião de Ormazd em uma única comunidade”.138 A unidade de pensamento, fala e ação que existe entre os Amesha Spentas será também característica da humanidade após a Renovação, conforme é expresso nas declarações proferidas pelos Imortais Beneficentes: “Sendo do mesmo pensamento, do mesmo discurso e da mesma ação, você será sem envelhecimento,   sem doenças e sem corrupção conforme nós vemos os Amahraspand serem”.139

134  Cf. BYt. 2,54.
135  Bd. 34,33.
136 Cf. os comentários acerca dessa passagem em BIDEZ, Joseph; CUMONT, Franz. Les mages hellénisés: Zoroastre, Ostanès et Hystaspe, d’après la tradition grecque, p. 77. v. 2; WIDENGREN, Geo.  Leitende Ideen  und Quellen  der  iranischen  Apokalyptik. In: HELLHOLM,
D. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East: Proceedings of the Inter- national Colloquium on Apocalypticism, p. 77-162; aqui p. 132.
137  Cf. WIDENGREN, Geo. Loc. cit.
138  Dk. VII: 11,6.

Na última parte de seu relato, Plutarco menciona explicitamente uma fonte anterior a partir da qual ele faz uma breve citação: o historiador Teopompo, de Chios, escritor do IV século a.C., cuja obra, infelizmente, sobreviveu apenas em fragmentos.140  É de grande importância que a periodização persa da história do mundo apareça aqui de forma semelhante à que é narrada no mito cosmogônico básico dos textos em pálavi, com pequenas variações, como a distribuição um tanto diferente da soberania entre Ormazd e Ahriman. Ao se referir explicitamente  aos Magos, Teopompo afirma que cada divindade reinará, por sua vez, por três mil anos e que, durante outro período de três mil anos, elas lutarão, farão guerra e destruirão o trabalho uma da outra. Assim, a história do mundo aparece composta por nove mil anos e subdividida em três períodos de três mil anos, cada um com suas características próprias (no Bundahishn, são doze mil anos, conforme assinalado supra).

O tema da destruição final do mal e a consequente felicidade do mundo renovado também é abordado brevemente. Areimanios (chamado aqui de Hades) perecerá e toda a humanidade será abençoada e feliz, “sem ter necessidade de se alimentar e sem projetar qualquer escuridão”. Esses detalhes estranhos estão em conformidade com a tradição escatológica persa tardia. O Bundahishn e o Dinkard preveem que a humanidade irá, gradualmente, deixar de ter necessidade de se ali- mentar quando o final dos tempos se aproximar. Primeiramente, uma única refei- ção será suficiente para três dias. Em seguida as pessoas desistirão de comer carne e se alimentarão com leite e legumes: “Então eles desistirão de beber leite,  depois rejeitarão os legumes e beberão somente água. Dez anos antes da vinda do Saosh- yant, eles viverão totalmente sem alimento e bebida, e não morrerão.141
Esse processo é o inverso daquele ao qual o primeiro casal humano se submeteu; eles começaram bebendo água, depois acrescentaram legumes, leite, e finalmente acrescentaram também carne.142 Para a ideia dos bem-aventurados não projetarem espectro, crenças semelhantes foram propagadas também pelos pitagóricos, os quais disseram que “as almas dos mortos não projetavam um espectro”.143
139 Cf. WZ 35,2. “Amahraspand” é a denominação em pálavi para os Amesha Spentas (cf. BOY- CE, Mary. Amesha Spenta. In: YARSHATER, Ehsan (Ed.). Encyclopaedia Iranica, p. 933. v. 1).


140 Teopompo de Chios, na Jônia, teria vivido na mesma época de Platão. Voltaremos a tratar de Teopompo, adiante, devido à importância de sua afirmação sobre a ressurreição.
141  Cf. Bd. 34,3; Dk. 7:10,8-9; WZ 34,38-41.
142  Bd. 34,1.


A citação de Teopompo por Plutarco conclui com a curiosa afirmação de que Horomazes, o deus que tinha trazido a felicidade final para a humanidade, agora “terá sossego e repouso durante algum tempo”. Isso pode ser explicado a partir da ideia de que Ormazd, tendo efetuado com êxito a Renovação, não precisa mais desempenhar qualquer ação.144

As concordâncias pormenorizadas entre o relato de Plutarco e os textos em pálavi revelam que Plutarco e sua fonte Teopompo estavam bem informados sobre as ideias iranianas de cosmologia e escatologia, sugerindo ainda que esse conhecimento derivou diretamente de informantes persas. Através do testemunho de Teopompo, ainda se pode saber que o mito cosmogônico básico, com suas implicações apocalíptico-escatológicas, estava em circulação no final do Período Aquemênida (no IV século a.C.) e, provavelmente, também no V século a.C.

A crença na ressurreição dos mortos não é mencionada explicitamente no relato de Plutarco, mas está certamente implícita no que ele afirma acerca do esta- do de bem-aventurança da humanidade após o desaparecimento do mal. J. G. Grif- fiths assevera que o estado de felicidade mencionado por Plutarco virá aos homens quando  alcançarem a  nova  vida após a ressurreição.145  

Outros escritores   gregos também se referem a Teopompo como sua principal fonte na atribuição da ressurreição dos mortos aos ensinamentos dos magos e de Zoroastro. Assim o faz Diógenes Laércio em seu Proêmio: “o qual [Teopompo] afirma que, segundo os Ma
gos, a humanidade viverá novamente e será imortal. Isso também é relatado por Eudemo de Rodes”.146 Eudemo é outro autor do IV século a.C. que, aparentemente, conhecia as crenças persas, mas cujas obras também não sobreviveram.

Aenas de Gaza (neoplatonista do VI século d.C.) também se refere a Teopompo para a ideia de ressurreição: “Zoroastro prediz que haverá um momento em que a ressurreição de todos os mortos acontecerá. Teopompo sabe o que eu afirmo e ele ensina também aos outros (escritores)”.147

143 Cf. PLUTARCO. Quaestiones Graecae, 39. J. Gwyn Griffiths afirma que “a ideia iraniana de  não projetar uma sombra significa estar na luz, em vida e prazer; a ideia pitagórica implica a morte e perda da personalidade” (cf. GRIFFITHS, J. G. Plutarch’s De Iside et Osiride. Edited with an Introduction, Translation and Commentary, p. 482).

144 
PR 48,101; cf. também Bd. 34,22.
145  Cf. GRIFFITHS, J. G. Op. cit. p. 481.
146  Cf. DIÓGENES LAÉRCIO. Bi voi  kai V  gnw~~mai  t w~~n  e*n φi l osoφi vai  eu*doki mhsavnt wn (Vida e opiniões dos mais eminentes filósofos) 1.6-9 (Livro 1: Proêmio).
147 Apud BIDEZ, Joseph; CUMONT, Franz. Les mages hellénisés: Zoroastre, Ostanès et Hystaspe,
d’après la tradition grecque, p. 70. v. 2.

A difusão das crenças apocalípticas iranianas na antiguidade não  possui eco apenas entre os escritores do mundo greco-romano; ela pode ser vista também no surgimento de compilações relacionadas à tradição sibilina com menor ou maior influência iraniana. Esses textos eram normalmente atribuídos a Hystaspes (forma grega do iraniano Vishtaspa) e propagados em versões diferentes e por diferentes grupos durante o Período Helenístico e os primeiros séculos da Era Cristã.148  Entre eles está o Oráculo de Hystaspes, o qual deve sua origem a um ambiente onde as ideias apocalípticas iranianas eram usadas para preservação espiritual e resistência política contra os macedônios e o governo selêucida na Ásia ocidental. Essa obra sobreviveu apenas em fragmentos e a natureza real desse oráculo é controversa.149


Os oráculos foram reutilizados entre vários grupos durante séculos subsequentes com uma tendência anti-romana. A oposição contra o Império Romano arregimentou em conjunto iranianos, sírios, judeus e outros povos ocidentais, e o Oráculo de Hystaspes possuía uma larga popularidade na condição de panfleto apocalíptico. Nenhuma versão original de um texto do Oráculo sobreviveu; o seu conteúdo é conhecido apenas através de paráfrases incompletas e resumos feitos por Lactâncio, principalmente em suas Instituições Divinas (considerada sua obra mais importante), redigida no início do IV século d.C. A questão que se põe é que não são encontrados muitos elementos característicos que possam ser claramente associados unicamente com ideias apocalípticas, como ocorre, por exemplo, com  o relato de Plutarco. Conforme os estudiosos notaram muito tempo, a descrição dos sinais apocalípticos nas paráfrases de Lactâncio lembra notavelmente aqueles encontrados nos textos em pálavi, em especial no BahmanYasht.

Por outro lado, as semelhanças com os apocalípticos judaicos e os primeiros apocalipses cristãos são igualmente evidentes, fato que pode ser explicado pelo


148 COLPE, Carsten. Hystaspes. In: KLAUSNER, Theodor (Ed.). Reallexikon für Antike und Christentum: Sachwörterbuch zur Auseinandersetzung des Christentums mit der antiken Welt, p. 1057-1082. v. 16.
149 Desde H. Windisch (iniciador da pesquisa moderna sobre essa obra) que se acredita ser  esse texto um oráculo zoroástrico escrito em grego (cf. WINDISCH, Hans. Die Orakel    dês Hystaspesp. 13). Entretanto, seu eminente estudo está baseado em duas suposições equivocadas: acreditar que os Oráculos sejam inteiramente uma obra persa, e, por outro lado, acreditar que tudo o que possa ser definido como “judeu” ou “cristão” na citação de Lactâncio dos Oráculos não fazia parte deles. David Flusser propõe que era, na realidade, “um livro judaico em língua grega, baseado em algum material ou livro zoroastriano. Hispaste é a forma grega do persa Vištâsp, rei e protetor de Zaratustra” (cf. o tratamento do tema em FLUSSER, D. Histaspe e João de Patmos. In: O Judaísmo e as origens do Cristianismo, p. 171-236. v. 2; aqui p. 174. Tanto Windisch quanto Flusser, entretanto, asseveram que esse texto  teve alguma influência sobre a apocalíptica judaica e cristã.

conteúdo universal destes sinais e por influências transculturais. Isso faz com que a separação das ideias genuinamente iranianas de ideias das tradições judaico e cristã seja uma questão, de fato, intrincada.

As mudanças no cosmos e na natureza anunciando o fim dos tempos pre- vistas em Lactâncio apresentam afinidades inconfundíveis com o Bahman Yasht, bem como também com a profecia do Livro Astronômico na coleção judaica de Enoque e com as previsões em 4 Esdras.150  No entanto, existe uma  correspondência maior na formulação entre as Instituições Divinas e o Bahman Yasht. Lactâncio afirma, por exemplo, que “o ano será abreviado e o mês reduzido e o dia encolhido em um curto espaço”.151 As predições paralelas de 1En 80,2a (“Mas nos dias dos pecadores, os anos serão mais curtos, suas sementes chegarão tarde no país e nos campos”) e de 4Esd 5,4b (“De repente o sol brilhará no meio da noite, e a lua durante o dia”) certamente atestam a dissolução da ordem do cosmos; entretanto, somente o Bahman Yasht fornece o equivalente preciso: “O sol será menos visível e menor, e o ano, mês e dia mais curtos”.152  O fogo escatológico descrito por  Lactâncio corresponde, pela sua função, claramente ao conceito iraniano e não ao judaico-cristão.153

Os Oráculos enfatizam que o fogo divino queimará tanto o justo quanto o ímpio, e que o ímpio será julgado pelo fogo divino, mas ele não machucará os jus- tos (“mas aqueles a quem a justiça plena e a maturidade da virtude impregnaram não perceberão aquele fogo”), ao passo que ele afetará os ímpios “com uma sensação de dor”, mas não os destruirá. O fogo “não somente queimará os ímpios, mas os formará novamente, e substituirá o tanto que consumirá de seus corpos”. Isto corresponde precisamente ao caráter do fogo escatológico descrito nos textos apocalípticos iranianos.

O cenário do final dos tempos nos Oráculos se assemelha muito àquele encontrado nos apocalipses “históricos” judaico-cristãos, mas existem detalhes e formulações que revelam o background original persa. Quando as tribulações escatológicas estiverem em seu auge, os justos se separarão dos ímpios e fugirão para uma montanha. O rei do mal que domina o mundo ficará cheio de ira ao ouvir isso,  e então  cercará a montanha com um grande  exército.  Os fiéis  suplicarão  a

150 Cf. LACTÂNCIO. Institutiones Divinae VII: 16.6-11; BYt. 2,31-32; 1En 80,2-8; 4Esd 5,1-12; 6,20-25.
151  LACTÂNCIO. Op. cit. VII: 16.10.
152  BYt. 2,31.
153  LACTÂNCIO. Op. cit. VII: 21.3-7.


Deus por ajuda, serão ouvidos e Deus lhes enviará um salvador do céu que, com seus seguidores, socorrerá os justos e destruirá os ímpios. A expectativa da vinda do salvador nos Oráculos de Hystaspes pode significar, originalmente, uma figura persa do salvador que seria Mitra,154 ou último Saoshyant (Asvat.ereta)155 ou o Dario redivivo.156 O salvador é chamado de “o grande rei”, uma clara alusão à terminologia da realeza iraniana, e em outra passagem Lactâncio menciona “o líder da comitiva sagrada”, o que claramente alude aos seguidores de Saoshyant, e talvez seu líder não seja outro senão Pishyotan.157

O cenário com a montanha é mais bem explicado a partir do costume persa de adoração divina sobre o topo de montanhas, conforme descrito por Heródoto.158 Os justos serão chamados de “seguidores da verdade”, o que recorda a ênfase zoroastriana na Verdade e os seus seguidores como sendo os verdadeiros. Em uma
referência explícita à profecia de Hystaspes, Lactâncio reproduz mais diretamente a narrativa dos Oráculos ao dizer que os fiéis sitiados na montanha suplicarão por ajuda e “Júpiter olhará para a Terra e ouvirá as vozes dos humanos e exterminará os ímpios”.159 Júpiter aparece aqui no lugar de Zeus (era o equivalente ao Zeus grego na mitologia romana), o qual era o nome grego de uso estabelecido para Ahura Mazda. É improvável que judeus ou cristãos tivessem usado o nome “Zeus” em seus próprios escritos no lugar do termo grego theós, de uso geral. Lactâncio está ciente disso em seu comentário seguinte à citação: “Tudo isso é verdade, exceto uma coisa, a saber, que ele [Hystaspes] afirmou que Júpiter irá cumprir o  que Deus fará”.160
Assim sendo, o background iraniano das paráfrases de Lactâncio dos Orá- culos de Hystaspes pode ser constatado,161 e parece razoável concluir que as passagens nos Oráculos que revelam semelhanças tanto pertinentes à tradição iraniana quanto aos apocalipses judaico-cristãos devem, primeiramente, ser interpreta-

154 BIDEZ, Joseph; CUMONT, Franz. Les mages hellénisés: Zoroastre, Ostanès et Hystaspe, d’après la tradition grecque, p. 71. v. 2.
155    Cf.  WIDENGREN,  Geo.  Leitende  Ideen   und  Quellen  der   iranischen   Apokalyptik.    In:
HELLHOLM, D. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East, p. 77-162; aqui p. 133.
156 COLPE, Carsten. Hystaspes. In: KLAUSNER, Theodor (Ed.). Reallexikon für Antike und Christentum, p. 1057-1082. v. 16; aqui p. 1077.
157  Pishyotan é filho imortal de Vishtaspa (Cf. BYt. 6,3).
158  Cf. HERÓDOTO. História, I.131-132.
159  LACTÂNCIO. Institutiones Divinae VII: 17-18.
160  Ibidem, VII: 18.2.
161 Cf. SHAKED, Shaul. Eschatology and Vision. In: Dualism in Transformation: Varieties of Religion in Sasanian Iran, p. 27-52; aqui p. 31.

das como elementos persas. O Oráculo de Hystaspes é, inegavelmente, um importante testemunho do impacto das ideias apocalípticas persas no mundo grego- romano ocidental.


Há uma continuidade básica na expectativa persa acerca do final dos tempos desde a época dos Gathas (cerca de 1000 a.C.) até o início do Período Islâmico (VII século d.C.). Entretanto, no decorrer do tempo as novas versões da escatologia apocalíptica se desenvolveram como resultado das novas situações históricas e culturais; apesar disso, elas mantiveram as ideias fundamentais intactas. A inovação mais notável parece ser a triplicação da noção de fim dos tempos e seus eventos escatológicos. Essa inovação parece ser o resultado de “desenvolvimentos escolásticos intencionais”.162 O último período da história mundial foi subdividido em três milênios, cada um com a sua própria figura-chave. Desses três, o primeiro milênio, o de Zoroastro, já começou e se aproxima do seu fim, mas antes da restauração final do mundo mais duas figuras com a função de “salvador” são esperadas, cuja aparição de cada um introduz um novo milênio. Na mudança dos milênios eventos muito semelhantes ocorrem, caracterizados primeiro pela deterioração seguida de desenvolvimento.

Assim, a tradição apocalíptica original constante do Yt. 19 e ainda em curso no início da época helenística conforme revelada por Teopompo e pelos Oráculos de Hystaspes foi reinterpretada e seus temas distribuídos em três “fim dos tempos”.

Vestígios do novo arranjo das tradições podem ser encontrados nas incongruências e perda de clareza verificadas em algumas passagens dos livros em pálavi. Pode-se citar como exemplo Pishyotan e a tradição ligada a ele. Originalmente um dos companheiros do salvador final Asvat.ereta, Pishyotan e sua tradição foram posteriormente transferidos para o final do milênio de Zoroastro, onde ele e seus seguidores se revelam como precursores de Ushedar, o primeiro salvador a chegar. No Bahman Yasht se afirma que Ahura Mazda e os Imortais Beneficentes se  manifestarão  sobre a Terra e convocarão  Pishyotan para restaurar a     religião mazdeísta.163  De acordo com o Dinkard, Pishyotan ferirá o Mau Espírito e os   demônios.164  Tanto o Bahman Yasht quanto o Dinkard colocam esses eventos na  vi-

162 Cf. BOYCE, Mary. On the Antiquity of Zoroastrian Apocalyptic. In: BSOAS 47.1 (1984), p. 57- 75; aqui p. 68-69.
163  Cf. BYt. 3,25-31.
164  Dk. VII: 8,47. 

rada entre os milênios de Zoroastro e Ushedar. No entanto, a aparição da divindade suprema e seus “arcanjos” na Terra e a derrota de Ahriman são claramente esperadas no final da história do mundo, e essas ideias foram originalmente conectadas à tradição Frashegird (o “tornar maravilhoso”), citada acima.

Visto que as crenças escatológicas estiveram no centro do Mazdeísmo an- tigo, elas poderiam facilmente ser atualizadas em tempos de crise e assumir novas formulações. Parece que na esteira da conquista do Império Aquemênida por Alexandre o apocalipsismo recebeu um novo impulso. Novas profecias semelhantes ao gênero das predições sibilinas foram propagadas entre os iranianos para encorajar a resistência e dar esperança de uma salvação futura.

Assim sendo, as profecias iranianas acabam servindo aos interesses de um movimento antimacedônico mais amplo e, posteriormente, antirromano nas províncias ocidentais. As antigas tradições avestanas adormecidas e subjacentes aos atuais Bahman Yasht e Oráculos de Hystaspes muito provavelmente tomaram forma no início do Período Helenístico. Essas tradições foram fielmente preservadas e provavelmente reutilizadas até o Período Sassânida (224 – 651 d.C.), ao longo do qual novas interpretações foram adicionadas.

A queda do Império Sassânida com a conquista árabe-muçulmana afetou profundamente as comunidades zoroastrianas. Da posição de religião mais favorecida, o Mazdeísmo tornou-se em dois séculos uma religião minoritária e oprimida. Essas mudanças dramáticas deram um novo ímpeto às expectativas apocalípticas, deixando suas marcas nas vertentes escatológicas dos livros em pálavi. Novas profecias foram adicionadas, e a tradição apocalíptica sassânida foi submetida a uma reinterpretação geral.

No capítulo 33 do Bundahishn é delineada a história das “terras iranianas”, segundo um esquema milenar que é uma retrospectiva até o Período Islâmico inicial, mencionando a derrota dos iranianos, a morte de seu líder e a fuga de seu filho para recrutar um novo exército. Em seguida, o relato se torna escatológico, dando previsões de eventos futuros que preparam o caminho para o advento do Pishyotan e o início do milênio de Ushedar. Os inimigos então se tornam os árabes muçulmanos, e seu governo ímpio  é descrito sucintamente. O impacto desse desastre nacional sobre os seguidores do zoroastrismo é afirmado claramente: “Desde a criação primitiva até o dia atual nenhum mal maior do que este sobreveio”.165

165  Bd. 33,22. 

Movimentos de resistência e rebelião contra o governo islâmico surgiram em várias partes do território iraniano. Eles foram liderados por pessoas que legitimavam suas atividades associando-se às esperanças tradicionais de salvação zoroastrianas. No Jâmâsp Nâmag vários oráculos que se referem parcialmente a eventos após o acontecimento foram preservados, testificando a efervescência  apocalíptica dos primeiros conturbados séculos da expansão islâmica.166
Enfim, deve ser enfatizado que a escatologia apocalíptica é um dos elementos mais proeminentes do zoroastrismo e que, ao longo de toda a sua história,  a expectativa do final dos tempos foi transmitida como uma doutrina de vida. Os zoroastrianos foram, assim, preparados espiritualmente para  lidar  com situações de grave crise que sobrevieram à religião dos adoradores de Mazda, como a conquista macedônia do antigo Irã através de Alexandre e a destruição árabe muçulmana do Império Sassânida quase mil anos depois, sendo esta última a crise mais espetacular.

No Período Helenístico, a Palestina também esteve sob as conquistas de Alexandre: outro povo começava a sofrer o mesmo tipo de confrontação com antigas ideias e crenças, buscando respostas para novas situações vividas, especialmente em tempos de crise, à semelhança dos iranianos.

Apocalíptica iraniana e judaica


A questão das conexões entre a literatura iraniana e a judaica



Desde que dados textuais são fundamentais para qualquer discussão sobre a possível "influência" de ideias iranianas no desenvolvimento de ideias judaicas, dois caminhos foram geralmente traçados para escolha: o primeiro foi a tese da existência de uma “tradição Zoroastriana” que encontrou sua expressão máxima  na coleção de escritos sacerdotais do Oriente persa no século IX d.C., tese esta exposta acima. O ponto frágil dessa abordagem seria o fato de ela exigir que documentos com sua forma final no século IX fossem invocados como prova da “influência” sobre a evoluçãoque eles própriosteriam tido retrocedendo a mais de


166 Cf. KIPPENBERG, H. G. Die Geschichte der mittelpersischen apokalyptischen Traditionem. Studia Iranica 7 (1978), p. 49-80; OLSSON, Tord. The Apocalyptic Activity. The Case of Jâmâsp Nâmag. In: HELLHOLM, D. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the  Near East, p. 21-49. O Jâmâsp Nâmag (“História de Jamasp”, um dos discípulos mais próximos de Zo- roastro) é um livro de revelações em pálavi que teria sido composto por volta do VII século d.C.

mil anos antes. O segundo caminho foi, então, considerar essa possibilidade improvável (apesar das evidências apontadas acima) e aceitar apenas os textos que eram mais seguramente datados no primeiro milênio a.C., ou seja, o Avesta (original e Posterior), o qual contém os textos utilizados em rituais do zoroastrismo.  Não havia muita certeza acerca da datação desses textos também, mas, como vimos, eles são geralmente datados como sendo desde a primeira metade do I milênio a.C. até o V século a.C.


Verificou-se então a escassez e dificuldade de interpretação dessas obras sem recorrer à literatura tardia. Conforme citado neste trabalho, os Gathas são  os mais importantes textos, as "músicas" de Zaratustra. Eles pertencem a um gênero de poesia inspirada no qual a principal divindade desses textos, Ahura Mazda, é elogiado e seus oponentes, os daevas, são repelidos. Como visto, existem apenas dezessete destes hinos, agrupados em uma coleção de cinco grupos  arranjados de acordo com a métrica.167  Eles são, aliás, extremamente difíceis de serem  interpretados, por várias razões distintas. Uma das razões é a reduzida dimensão do corpus, tendo como resultado um grande número de hapax legomena; outras razões são a natureza simbólica desse gênero de composição, bem como a forma concisa de alguns versos associada a uma aparente falta de contexto literário onde aparecem. Como consequência importante, os estudiosos ficaram divididos em relação à abordagem mais apropriada para a interpretação desses textos.

No início do século XX, os hinos dos Gathas eram vistos como "sermões em verso", contendo, pensava-se, as instruções do profeta para aqueles que pretendiam conquistar a sua nova religião, uma exposição (por assim dizer) dos principais pontos das revelações de seu visionário.168 Essa interpretação permitiu aos estudiosos seguir o que foi "ensinado" neles em poucas palavras, conforme desdobrado na tradição posterior. Como consequência, a tradição posterior passou a ser vista como contendo elementos de uma  “reforma” de Zoroastro que não    poderia ser atribuída aos Gathas em si, mas poderia ser postulada como tendo sido parte de sua revelação.169 Outros estudiosos, no entanto, rejeitaram essa interpretação, em virtude de sua noção romântica de "profeta" do Irã antigo.170 Estes se concentraram mais  em comparar  os Gathas com o  (muito  mais extenso) corpus de   textos





167 Como vimos, pensa-se que este arranjo possa ter se dado mais tarde em uma reestruturação da liturgia.
168  BARTHOLOMAE, Christian. Die Gatha's des Awesta: Zarathustra's Verspredigten, p. 1-11.
169  Cf. especialmente BOYCE, M. A History of Zoroastrianism: The Early Period, p. 19-20.
170  Cf. STAUSBERG, M. Die Religion Zarathustras, p. 22-68. v. 1.

que estão mais estreitamente relacionados a eles na linguagem, datação e cultura: os hinos do Rig Veda.171 Tal como os outros (os da interpretação "tradicional"), nesta abordagem a opacidade do conteúdo dos Gathas foi compensada pela sua interpretação  como  o  reflexo  de  uma  tradição  ritual  poética  de  legado   indo-iraniano. Desta forma, tudo o que os estudiosos acreditavam ser novo ou diferente nos textos do antigo Avesta foi dissipado.172


O debate sobre a interpretação destes textos está, atualmente, longe de chegar a um bom termo. O que o torna importante para aqueles com interesse na possibilidade de elementos iranianos na literatura judaica é o fato de que os Gathas parecem oferecer o mais impressionante paralelo com a noção de dois espíritos presentes nos escritos judaicos. Estudiosos sempre estiveram conscientes de que, no zoroastrismo “clássico”, os dois espíritos, Ahura Mazda e Angra Mainyu, con- forme assinalado supra, eram ambos vistos como sendo contemporâneos, não- criados, seres vivos, que representam os dois mundos opostos, do bem e do mal. Um não criou o outro, nem o evocou, mas eles sempre estiveram lá, uniformemente equilibrados em poder e continuidade. A escatologia, nesse sistema, não prevê uma aniquilação do Espírito do Mal, uma vez que esta não foi considerada possível; ele foi apenas destituído de poder.

Nos Gathas, no entanto, de acordo com algumas interpretações, Ahura Mazda era superior a dois espíritos, um bom (Spenta Mainyu) e o outro mal (Angra Mainyu). Alguns estudiosos acreditam que estes dois espíritos são apresentdos como descendentes gêmeos de    Ahura Mazda,173  e todo o sistema do zoroastrismo mais antigo poderia, portanto, ser interpretado como um monoteísmo (desde que apenas Ahura Mazda seja reconhecido como não-criado), atenuado por uma "segunda camada” dualística.174 Essa interpretação dos Gathas foi, no entanto, questionada por razões filológicas.175 Além disso, sérias reservas são necessárias na aplicação dos conceitos de "monoteísmo" e "dualismo", os quais funcionaram principalmente como polêmicos instrumentos normativos em debates entre as comunidades religiosas que surgiram muito depois do zoroastrismo.

171
Cf. especialmente HUMBACH, H. The Gathas of Zarathushtra and the Other Old Avestan Texts, p. 72-73. v. 1; KELLENS, J.; PIRART, E. Les textes vieil-avestiques, p. 3-41. v. 1.
172  Cf. DE JONG, Albert. Views of Zoroastrian History. In: Traditions of the Magi, p. 39-75.
173  Cf. Y. 30,3 (transcrito acima).
174 Cf. a famosa declaração de Henning: “A religião de Zoroastro (como são a maioria dos movi- mentos dualistas) é mais bem compreendida como um protesto contra o monoteísmo” (HENNING,
W. B. Zoroaster: Politician or Witch-Doctor?, p. 46; grifo do autor).
175 Cf, por exemplo, KELLENS, J.; PIRART, E. La strophe des jumeaux: stagnation, extravagance et autres méthodes d'approche. JA 285.1 (1997), p. 31-72.

Os que não aceitam o uso dos Gathas como evidência para possíveis influências sobre outros textos alegam que esse uso é problemático por várias razões, especialmente porque as evidências de que os Gathas ou mesmo qualquer outro texto do Avesta serviram como “fonte” de informação religiosa são apenas indiretas.176  Mas, apesar disso, não se deve subestimar a antiga tradição presente nas fontes persas. O mais importante para a questão das influências é o problema da datação das fontes persas, ou de fontes antigas, indiretas, que remetam a elas.


A principal função dos textos do Avesta, dentro do zoroastrismo, é litúrgica. Os textos que chegaram até os estudiosos hoje eram (e continuam sendo para o zoroastrismo moderno) empregados nos rituais religiosos, onde são citados por sacerdotes. Esses textos foram compostos e transmitidos no avestan, conforme assinalado acima, um idioma que não pode ser conhecido a partir de nenhuma outra fonte e nenhum outro descendente. A preservação dos textos neste idioma é a única (e irrefutável) prova da propagação da religião que se desenvolveu dentro do zoroastrismo. Ou seja: na antiguidade, “zoroastrianos” eram os iranianos que utilizaram um linguajar ritualístico específico. Duas outras suposições derivam disso: primeira, que estes textos surgiram em uma sociedade onde a linguagem era eminentemente oral (sociedade que não deixou outros traços de sua existência), e entre os membros dessa sociedade a maior compreensão desses textos deve ter sido uma “compreensão literal”; segunda, ao que parece, esses textos se dispersaram a partir deste grupo “original” e foram adotados por outros grupos iranianos.

Assim sendo, pode-se supor que, neste processo, o significado dos textos  os acompanha: a imagem invocada por eles (sem dúvida, com certo exagero romântico) é a de “sacerdotes missionários” empenhados em converter os outros povos iranianos à mensagem de Zaratustra.177  Tudo isso se deu entre as sociedades não-alfabetizadas, de pequena escala, e a sobrevivência do Avesta (que era a coleção dos textos em que tais rituais estavam reunidos mais de uma vez pela elite real) em sua própria língua distintiva, com a preservação também de diferentes dialetos dentro dele, é uma testemunha fiel do processo de memorização palavra-por- palavra efetuado por esses grupos.

Esse processo tem forte semelhança com a propagação do idioma  sânscrito





176 Cf. DE JONG, Albert. The Culture of Writing and the Use of the Avesta in Sasanian Iran. In: PIRART, E.; TREMBLAY, X. (Ed.). Zarathushtra entre l'Inde et l'Iran, p. 27-41.
177  Cf. BOYCE, Mary. A History of Zoroastrianism: Under the Achaemenians, p. 40-48.

e da religião védica na Índia.178 Entretanto, entre os dois processos existe uma di- ferença crucial: a transmissão, em textos rituais, de uma narrativa religiosa que tem como foco uma pessoa que foi responsável pela presença dessa religião sobre a Terra, ou seja, Zaratustra. Ele veio para ser visto, nos tempos do avestan, como a autoridade que está por trás de todo o corpo textual do Avesta, e estes textos por si mesmos são tidos como o mais potente instrumento em uma batalha que estava sendo travada neste mundo entre as forças do bem e as do mal.


Entretanto, ao que parece, os textos por si só não foram considerados o único instrumento presente nos rituais. Havia uma série de outras instituições e prescrições que, regulamentadas, dominavam a vida quotidiana. Por exemplo, o tratamento especial dado ao fogo, considerado como a mais importante manifestação do divino na Terra, e um extenso código de leis de pureza, concentrados em duas categorias de impureza (fluidos corporais e cadáveres), cada uma com seu próprio conjunto de prescrições. Essas prescrições foram acompanhadas pela noção de que seriam boas para qualquer pessoa, mas absolutamente obrigatórias para aqueles que optaram por participar na luta contra as forças do mal que os textos delineavam e, dessa forma, aceitaram a sua mensagem básica.

Os muitos paralelos com a Índia mostram que esse desenvolvimento é possível, mas também que não irá, por si só, conduzir a um conjunto de crenças e práticas unificado e coerente. O zoroastrismo é considerado notavelmente coerente. Essa coerência foi frequentemente atribuída à competência do próprio Zaratustra como professor da humanidade; entretanto, parece existir uma explicação historicamente mais plausível: trata-se da ideia de que a comparativa uniformidade do zoroastrismo na forma como tem sobrevivido se originou de um processo de centralização e reformulação do seu núcleo textual, ritual, teológico e expressões   sociais, pelos reis aquemênidas.179  A evidência para tal processo é grande, apesar de que alguns estudiosos sequer aceitam que os reis aquemênidas foram zoroastrianos.180 Isso certamente não pleiteia confirmar que após a intervenção dos reis o zoroastrismo continuou a existir como algum tipo de expressão monolítica acabada da religião iraniana. Todas as evidências levam, na verdade, ao oposto.

Entretanto, algumas inovações do Período Aquemênida (550 – 330 a.C.)





178 Cf., por exemplo, POLLOCK, Sheldon I. The Language of the Gods in the World of Men: San- skrit, Culture, and Power in Premodern India, p. 37-280.
179 Cf. DE JONG, Albert. The Contribution of the Magi. In: CURTIS, Vesta S.; STEWART, S. (Ed.). Birth of the Persian Empire, p. 85-99.
180  Quanto a essa questão, cf. adiante.
tiveram efeito duradouro sobre o desenvolvimento do zoroastrismo e parecem ter sido propagadas com o apoio dos reis. Duas delas são de ordem técnica, organizacional: o calendário zoroastriano,181 uma fusão do cálculo egípcio acerca do ano com a prática iraniana de nomear os meses e dias com base em um “calendário” de divindades fixo, e a introdução de um culto do fogo no templo, com uma reestruturação do sacerdócio.182

O importante a destacar é a evidência que sugere que o tribunal dos sacerdotes aquemênidas, composto pelos Magos, deu forma a uma grande e coerente narrativa de sua religião em termos de uma história do mundo, começando com um pacto selado entre os dois espíritos, segundo o qual haveria uma guerra entre eles, neste mundo,por um período de tempo limitado, ou seja, nove mil anos, terminando com a promessa de uma eventual derrota do mal e recompensas para aqueles que contribuíram para a vitória final do bem.183 Dentro dessa história, como a tradição exige, a aparição de Zoroastro marcou um ponto  de reviravolta e esta se dá com o nascimento de um de seus filhos, já perto do final dos tempos, anunciando a batalha final.
A evidência de que isso seja uma reestruturação aquemênida consiste de uma observação negativa e outra positiva. A negativa é clara: a narrativa, na forma como se tornou conhecida, não é encontrada nos textos antigos do Avesta, nem  nos recentes, apesar de que estes frequentemente fazem alusão a elementos da mesma. A positiva é o fato de que, no século IV a.C., na Grécia, essa narrativa foi bem conhecida como sendo o principal resumo da “filosofia dos magos”, algo que foi ensinado aos príncipes da Pérsia184  e uma ideia que foi estudada e frequentemente invocada pelos filósofos gregos que procuravam exemplos de não-gregos que considerassem a possibilidade de um princípio eterno do mal.185

De fato, o nome de Zoroastro era difundido na misteriosa sabedoria oriental conhecida pelos gregos antigos.  No  Período  Helenístico da história persa





181 Cf. BOYCE, Mary. Further on the Calendar of Zoroastrian Feasts. Iran 43 (2005), p. 1-38 (com referências).
182  Cf. BOYCE, Mary. A History of Zoroastrianism: Under the Achaemenians, p. 225-228.
183  Cf. DE JONG, Albert. The Contribution of the Magi. In: Ibidem.
184 Cf. PSEUDO-PLATO. Greater Alcibiades 1.121-122. Sobre a discussão da autoria platônica ou não, cf. BLUCK, R. S. The Origin of the Greater Alcibiades. CQ 3.1/2 (1953), p.  46-52,  e CLARK, Pamela M. The Greater Alcibiades. CQ 5.3/4 (1955), p. 231-240. De qualquer forma, a obra é normalmente datada em cerca de 390 a.C. (cf. YOUNG, Charles M. Plato and Computer Dating. In: SMITH, Nicholas D. (Ed.). Plato: Critical Assessments, p. 29-49. v. 1).
185  PLUTARCO. De Iside et Osiride 46-47; DIÓGENES LAÉRCIO. Bi voi  kai V  gnw~~mai  t w~~n  e*n
φi l osoφi vai  eu*doki mhsavnt wn (Vida e opiniões dos mais eminentes filósofos) 1.6-9 (Livro 1: Pro- êmio); DE JONG, Albert. Traditions of the Magi, p. 157-228.

(330 – 141 a.C), muitos textos esotéricos ou com caráter de magia eram escritos usando o nome de Zoroastro, sendo ele estimado como um dos maiores magos que existiram até então. Nenhum desses escritos provém do próprio profeta; entretanto, seu status famoso atesta a sua antiguidade já remota nessa época: “Zoroastro desenvolveu uma reputação como um mestre de conhecimento esotérico, quando Ele e seus  seguidores chegaram a ser associados  com os MAGOS  descritos   por Heródoto”.186
Em grande parte, as profecias de Zoroastro compartilhavam o teor de alguns visionários do judaísmo tardio: dentre outros temas, são mensagens revolucionárias, de pureza religiosa e justiça social, dirigidas contra sacerdotes corruptos e pessoas poderosas, pessoas essas com muita influência política.

O zoroastrismo “clássico” pode, portanto, ser atribuído a uma fonte mais recente que a virada do II para o I milênio a.C., embora a transmissão do conhecimento religioso continuasse a ser um processo exclusivamente oral. Em vez da antiga imagem romântica de sacerdotes missionários enviados por Zoroastro para converter os iranianos à sua mensagem, podemos ter uma hipótese historicamente mais confiável de sacerdotes sob o patrocínio dos reis que se espalharam entre os iranianos e transmitiram uma expressão mais coerente da religião. Esta é a expressão do zoroastrismo que sobreviveu e foi assimilada por não-iranianos (sobretudo gregos), que queriam saber em que os iranianos acreditavam. Seus registros revelam ainda uma variedade de opiniões sobre vários assuntos, incluindo uma que  tem frequentemente aparecido nas discussões acerca da relação entre Qumran e  Irã: a posição teológica conhecida como zurvanismo (ramificação do zoroastrismo, surgida provavelmente durante o Período Aquemênida e oficializada bem mais tarde, já no Período Sassânida, 224 d.C. – 651),187 que apresenta os dois espíritos como os filhos de um deus supremo do Tempo (Zurvan) e, assim, mais uma vez, reflete a doutrina dos dois espíritos presentes em alguns textos de Qumran até de forma mais acentuada do que no zoroastrismo “clássico”.188

O zurvanismo é de fato um assunto problemático na história do estudo do zoroastrismo, tendo já sido considerado como o maior desafio para o zoroastrismo


186  SKJAERVO, P. Oktor. Zoroaster, Zoroastrianism. In: SAKENFELD, Katharine D. (Ed.).   NIB,
p. 993. v. 5 (grifo do autor).
187  Sobre esta  ramificação do Zoroastrismo “clássico”,  cf.  FRYE,  Richard  N.  Zurvanism Again.
HTR 52.2 (1959), p. 63-73.
188  Cf., por exemplo, MICHAUD,    Henri. Un mythe zervanite dans un des manuscrits de Qumrân.
VT 5.2 (1955), p. 137-147.

“ortodoxo”, com muitos aspectos que os estudiosos consideravam inconciliáveis com o zoroastrismo “real”, como, por exemplo, o fatalismo, o qual estaria em oposição à doutrina do livre-arbítrio ensinada por Zoroastro. Para alguns, o zurvanismo seria um desvio, uma “heresia” zoroastriana. Entretanto, foi mostrado que pouca evidência apoiando a ideia do zurvanismo ser uma “heresia zoroastriana”, devendo ser entendido principalmente como uma das diversas variantes do mito cosmogônico principal.189

O importante para o caso da possível influência persa no judaísmo tardio é discutir as vias possíveis através das quais as ideias do antigo Irã podem ter se tornado familiar para os judeus, como empréstimo de palavras e imagens. Embora a situação limitada do corpus iraniano faça com que uma conclusão definitiva seja limitada, uma fonte iraniana para a ideia da ressurreição no livro de Daniel deve  ser levada em conta de forma muito veemente: o surgimento histórico do gênero apocalíptico.

Existem dois diferentes possíveis contextos que poderiam explicar a presença de ideias de origem iraniana nos escritos da Judeia do II e I séculos a.C. O primeiro é de conhecimento geral, já o segundo nem tanto, por razões que serão discutidas em seguida.

O primeiro contexto é o da já extensivamente documentada interação persa-judaica no Período Aquemênida (550 – 330 a.C., mais precisamente entre 550 – 330 a.C.), quando a província de Yehud (província judaica, remanescente do Reino de Judá) era parte do Império Aquemênida. Essa interação pode ser traçada tanto na documentação de fontes militares, especialmente as da guarnição judaica em Elefantina, bem como na própria Bíblia hebraica, particularmente nos livros de Esdras e Neemias. Esses textos refletem uma interação na vida real dos habitantes da província de Judá e seus compatriotas no Egito (e Mesopotâmia) com as autoridades iranianas. A impressão geral a partir dessas fontes é de uma relação bastante amigável. Existe uma notável ausência de invectivas contra a religião iraniana. Isso poderia ser explicado de duas formas diferentes, ambas apoiadas por evidências históricas e estruturais.

Primeiramente, os persas não impuseram, como regra, sua religião sobre as nações que lhes estavam sujeitas. As razões para isso não são claras, mas devem


189 Cf. SHAKED, Shaul. The Myth of Zurvan: Cosmogony and Eschatology. In: GRUENWALD, I.; SHAKED, S.; STROUMSA, G. G. (Ed.). Messiah and Christos: Studies in the Jewish Origins   of Christianity Presented to David Flusser on the Occasion of His 75th Birthday, p.219-240. 

ser procuradas, pelo menos parcialmente, em uma prática de estabelecer um bom estadismo. O Império Persa era uma novidade na história do mundo; nunca antes tinha havido um império de tais dimensões, incluindo tal diversidade de nações, cada qual caracterizada por seus próprios costumes e tradições, alguns dos quais classificados atualmente como pertencentes à sua própria “religião”. Evidências a partir do Egito e da Bíblia sugerem que os aquemênidas fizeram inquirições às classes representativas de cada nação dentro de seus territórios recém adquiridos acerca de suas tradições particulares com o intuito de reunir essas tradições em uma coleção adequada, de modo que essas tradições pudessem ser consideradas como leis ou normas “nacionais” para essas províncias, com (pode-se assim pensar) leis complementares que regulariam as obrigações em relação ao governo persa.


A presença persa nessas terras seria, portanto, intensamente percebida em nível do funcionalismo de alto escalão, com a chegada de um sátrapa persa e sua comitiva e a obrigação de pedir permissão oficial (real) em casos importantes. Entretanto, é improvável que essa autoridade tenha interferido na vida da maioria da população, incluindo os sacerdotes do templo, cuja gerência poderia ser melhor se deixada por conta do direito consuetudinário local.

Em outras palavras, não havia uma política religiosa específica por parte dos aquemênidas e, portanto, era improvável que as sensibilidades religiosas fossem feridas em uma escala suficientemente grande para causar sérios problemas. Não existem evidências para a existência de movimentos sediciosos entre os habitantes da Pérsia judaica; além disso, as comunidades israelitas em outras partes do Império Persa (Média e Mesopotâmia, por exemplo) mantiveram-se em grande número nas terras para as quais os seus antepassados tinham sido trazidos à força, aparentemente satisfeitos com sua posição.

Um segundo fator que poderia explicar a ausência de tratamento hostil da religião iraniana na literatura bíblica e judaica é, sem dúvida, o fato de que o zoroastrismo em si mesmo não foi caracterizado pelos dois alvos tradicionais das polêmicas bíblicas: certo tipo de politeísmo e o culto a estátuas representativas de divindades. Não há duvidas de que os adeptos do zoroastrismo na antiguidade adoravam uma variedade de seres divinos, e que o zoroastrismo pode ser rotulado como “politeísta”, mas acima dos nomes de todas essas divindades estava o supremo deus Ahura Mazda, o qual era visto como sendo o criador de todas elas.   O paralelo entre Ahura Mazda com seus companheiros celestes (os yazatas) e o Deus de Israel com sua corte celestial cheia de anjos é um paralelo estrutural.

Quanto a imagens de culto, é sabido que os persas não as tinham como um elemento fixo de sua religião. Há alguma evidência de que o culto a estátuas de divindades foi introduzido na prática da religião persa no Período Aquemênida, mas nunca alcançou o status de elemento característico dessa religião.190  Ao  contrário, parece que o zoroastrismo permaneceu por um período notavelmente longo como uma religião interna, doméstica, no qual os rituais em maior escala ocorreram em um local preparado para essas ocasiões (pela purificação e pelo desenho de um sistema de sulcos na terra), o qual poderia ser abandonado posteriormente, sem deixar, portanto, vestígios arqueológicos.

Essas indicações de entendimento amigável entre judeus e iranianos não desapareceram com a destruição do Império Persa por Alexandre. Ao contrário, as configurações iranianas para histórias judaicas parecem proliferar durante o Período Helenístico. Esses livros são frequentemente repletos de dificuldades cronológicas e geográficas, pois eles projetam (parte de) sua história para (ficticiamente lembradas) realidades do passado distante. Como consequência, há muito pouca evidência factual para uma interação judaico-iraniana nesses textos. Os exemplos bem conhecidos são o livro de Daniel, com sua menção intrigante de Dario, o Medo; o livro de Ester, situado no Império Persa e contendo vários nomes e palavras iranianas; o livro de Tobite, também situado, pelo menos parcialmente, no Irã (Ecbátana e Raga, na Média), e apresentando um demônio iraniano (Asmodeus); e ainda, talvez, o livro de Judite, cujo único elemento iraniano é o nome de seu anti-herói trágico, Holofermes.

 Fragmentos de vários desses textos foram encontrados entre os Manuscritos de Qumran, juntamente com outros textos pertencentes a um gênero semelhante: contos judaicos edificantes em um cenário iraniano.191
Vale ressaltar dois aspectos: o primeiro é (novamente) o contraste com a explícita hostilidade para com os selêucidas mostrada na literatura judaica; o segundo é o fato de que “cenários persas” são também muito proeminentes nas chamadas novelas helenísticas, romances de corte situados em locais estrangeiros. Aqui, também, tem sido frequentemente sugerido que os elementos persas nessas histórias não passam de decoração, mas a questão ainda está longe de ser resolvida.192




190  Cf. BOYCE, Mary. A History of Zoroastrianism: Under the Achaemenians, p. 216-218.
191 Voltaremos à questão da dominação política persa sobre os judeus adiante, quando da análise das interações culturais.

O segundo contexto possível que poderia explicar os elementos iranianos presentes na literatura judaica do chamado Período do Segundo Templo é o crescimento dos Partos (povo oriundo dos iranianos antigos que viviam no norte, o qual inicia o Período Parta da história iraniana em 141 a.C.). Por volta do início do III século a.C., eles se tornaram os mais notáveis oponentes dos Selêucidas (os quais eles acabaram expulsando do Irã e da Mesopotâmia) e uma das causas do desaparecimento final destes. Desde que as guerras dos Selêucidas com os Ptolomeus são muito bem documentadas, e que são mais imediatamente úteis aos historiadores do judaísmo e do “oriente próximo romano”, a história dos Selêucidas foi frequentemente escrita a partir de uma perspectiva inteiramente “ocidental”, como se a perda do domínio selêucida para os partos no Irã e na Mesopotâmia tivesse importância apenas secundária. Certamente, no entanto, o surgimento de uma nova e inesperada força poderosa de origem persa a partir do Oriente deve ter repercutido de forma semelhante entre gregos e judeus, e existem muitos vestígios do seu impacto direto na vida dos judeus.

A partir desses dados, a controvérsia acerca da influência persa continua na pesquisa moderna, mas agora parece que a tendência a admitir a influência iraniana tem prevalecido. De qualquer forma, a questão divide os estudiosos. Os recentes defensores de uma influência iraniana determinante são Mary Boyce pelo lado dos especialistas em literatura iraniana e Norman Cohn pelo lado dos historiadores culturais.193  Por outro lado, são ouvidas vozes críticas que enfatizam a dificuldade em provar as influências iranianas, normalmente com referência à datação tardia

192 Cf. especificamente DAVIS, Dick. Panthea’s Children: Hellenistic Novels and Medieval Per- sian Romances, p. 1-7.
193 Cf., por exemplo, BOYCE, M.; GRENET, F. Zoroastrian Contributions to Eastern Mediterra- nean Religion and Thought in Greco-Roman Times. In: A History of Zoroastrianism: Zoroastrian- ism under Macedonian and Roman Rule, p. 361-490, e COHN, N. Cosmos, Chaos, and the World to Come, p. 77-118, 141-231. Entre os mais antigos a pleitear a influência persa está CARTER,  G.
W.  Zoroastrianism and Judaism, p. 23-103. Além das obras de Boyce e Cohn, entre os que pleitei- am a influência persa, cf. especialmente SHAKED, Shaul. Iranian Influence on Judaism: First Cen- tury B.C.E. to Second Century C.E. In: DAVIES, W. D.; FINKELSTEIN, L. (Ed.). CHJ: Introduc- tion: The Persian Period, p. 308-325. v. 1; e HINNELLS, J. R. Zoroastrian Influence on the Ju- daeo-Christian Tradition. JCOI 45 (1976), p. 1-23. Entre os que rejeitam, encontram-se BARR, James. The Question of Religious Influence: The Case of Zoroastrianism, Judaism, and Christiani- ty. JAAR 53.2 (1985), p. 201-235; e HANSON, P. D. The Phenomenon of Apocalyptic in Israel: Its Background and Setting. In: The Dawn of Apocalyptic, p. 1-31 (Hanson não chega a negar a influ- ência persa, mas não admite que a origem das noções apocalíptico-escatológicas seja persa). Re- centemente, Charles D. Isbell publicou um artigo no qual, a partir de argumentos puramente lin- guísticos e pouco convincentes, defende a proposta minimalista, ou seja, de que não houve qual- quer influência persa sobre o judaísmo antigo (cf. ISBELL, C. D. Zoroastrianism and Biblical Re- ligion. JBQ 34.3 (2006), p.143-154).



dos escritos em pálavi. Argumentos para desenvolvimentos no interior do judaísmo como uma explicação suficiente para o surgimento de novas crenças escatológicas, sem influência estrangeira, tem sido frequentemente apresentados.

Além disso, uma crescente tendência em demonstrar que as ideias helenísticas, judaicas e gnósticas poderiam ter influenciado as noções antropológicas, cósmicas e apocalípticas dos livros em pálavi. Assim, segundo alguns estudiosos, a descrição das idades do mundo simbolizadas por diferentes metais no Bahman Yasht, por exemplo, seria dependente do livro de Daniel.194 As especulações sobre microcosmos e macrocosmos em alguns textos em pálavi têm sido também apre- sentadas como sendo outro exemplo de influência da antiguidade tardia sobre o pensamento iraniano.


Embora não seja incomum que ideias semelhantes se desenvolvam de forma independente quando sob circunstâncias similares (ou até mesmo diferentes), “não parece absolutamente provável que tantas semelhanças pudessem ter sido formados em paralelo de forma independente, e, a despeito das dificuldades cronológicas da documentação, na  maioria dos pontos paralelos pode-se sentir bastante confiante de que as ideias eram nativas ao Irã”.195  Entre os temas paralelos encontram-se, especialmente: a oposição entre a divindade do Bem e o Mal e entre anjos e demônios; paraíso e inferno; chegada de um Messias salvador; eventos cósmicos durante o final do mundo; a batalha final entre Bem e Mal seguida de  um período de milênio; a ressurreição do corpo e vida eterna; e julgamento individual e universal escatológicos.

COMENTÁRIO: Se pegarmos o Credo Apostólico, usado por católico-ortodoxos, católico-romanos, anglicanos, luteranos, presbiterianos e outros mais, e substituirmos algumas palavras e retirarmos algumas expressões, teremos um credo puramente Zoroastriano:




1. Creio em Ahura-Mazda, todo-poderoso, Criador do céu e da terra;
2. E em Mitra, seu Filho, Nosso Senhor,
3. Que foi concebido pelo poder de Spenta Mainyu, nasceu da Virgem Anahita;
6. Subiu ao Céu, está sentado à direita de Ahura-Mazda todo-poderoso,
7. De onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
8. Creio em Spenta Mainyu,
10. na comunhão dos Puros,
11. Na remissão dos pecados,
12. Na ressurreição da carne,
13. Na vida eterna.
Amém.

A questão da influência religiosa no que diz respeito às ideias e doutrinas é de tratamento delicado, uma vez que a evidência está aberta a diferentes interpretações. Antes de a influência de uma religião sobre outra poder ser avaliada corretamente, duas condições básicas precisam ser preenchidas: primeiro, a prioridade no tempo para uma ideia específica de uma das religiões sujeitas à comparação; segundo, a possibilidade de contato religioso e cultural entre as religiões envolvidas. Ambas as condições básicas estão presentes no caso de influência persa sobre o judaísmo e cristianismo.

194 Cf. DUCHESNE-GUILLEMIN, Jacques. Apocalypse juive et apocalypse iranienne. In: BI- ANCHI, Ugo; VERMASEREN, M. J. (Ed.). La soteriologia dei culti orientali nell’Impero romano: atti del Colloquio internazionale su la soteriologia dei culti orientali nell’Impero  romano, Roma, 24-28 settembre 1979, p. 753-761; GIGNOUX, Philippe. Le livre d’Ardâ Vîrâz: translittération, transcription et traduction du texte pehlevi, p. 58-64.
195 SHAKED, Shaul. Iranian Influence on Judaism: First Century B.C.E. to Second Century C.E. In: Op. cit. p. 324.


Conforme assinalado anteriormente, uma escatologia apocalíptica é atestada no zoroastrismo pelo menos no V século a.C. e ela é, além disso, bem integrada na cosmovisão iraniana. Além disso, sabe-se que judeus e persas estavam em estreito contato geográfico do Período Aquemênida até a queda do Império Sassânida (VII século d.C.). A Palestina esteve sob o domínio aquemênida por duzentos anos, desde 538 a.C. até a conquista macedônia. A enorme população judaica na Mesopotâmia permaneceu sob a soberania iraniana também nos Períodos Parta (141 a.C. – 224 d.C.) e Sassânida (224 – 651 d.C.). O próprio Irã incluiu importantes comunidades judaicas em seu território a partir do Período Helenístico. Da mesma forma, na Ásia Menor, os iranianos e judeus também tinham grandes oportunidades para contatos pessoais e culturais, uma vez que ambos os grupos estavam representados por importantes comunidades locais. Desde a libertação dos judeus do exílio por Ciro II (aclamado como um Messias no Dêutero- Isaías), havia fortes vínculosde solidariedade políticaentre os judeus e os persas.196
Conforme demonstrado por escritores gregos e romanos citados acima, as crenças iranianas eram bem conhecidas na antiguidade e não poderiam ter passado despercebidas no meio judeu helenístico, tal como indicado por Filo de  Alexandria.   Pode-se ainda verificar afinidades religiosas e sociais entre as classes sacerdo- tais de judeus e persas no Período Helenístico. Entre os judeus, os zadoquitas de- sempenhavam as mesmas funções religiosas e ocupavam a mesma posição na so- ciedade que os magos entre os persas.197  Esses interesses comuns teriam facilitado os contatos tanto em nível pessoal quanto oficial e, de fato, é possível distinguir uma vertente particular de ideias iranianas influenciando os escritos zadoquitas pré-essênios.198

O cerne da questão precisa ser enfrentado; então perguntamos: se for o caso, quanto custa à tradição judaico-cristã dever ao apocalipsismo persa?


196  Quanto a isso, cf. adiante.
197  O termo “mago” (do avestan môghu) designava o membro de uma tribo sacerdotal originária da
Média, no Irã ocidental (cf. HERÓDOTO. História, I.101; ESTRABÃO 15.3.1). Essa tribo teria se convertido ao zoroastrismo por volta do VII século a.C. A palavra aparece apenas uma vez nos Gathas (Y. 44,25) no composto môghutbish (“o que odeia ou injuria os magos”), embora apareça o cognato maga, com várias conotações (“presente”, “dedicação”, “tesouro”, “irmandade”, “sacra- mento”, “tarefa”), seis vezes nos Yt. do Khorda Avesta (o “Pequeno Avesta”): 2,11; 11,14; 16,11.16; 17,7 (duas vezes), e o adjetivo magavan (“ser magnânimo”, “liberal”, “generoso”) duas vezes, em 6,7 e 16,15 (Cf. BOYCE, M. Textual Sources for the Study of Zoroastrianism, p. 41). O termo é ligado ao sânscrito maghá (“dádiva”, “magnanimidade”, “generosidade”).
198 HULTGÅRD, Anders. Prêtres juifs et mages zoroastriens: influences religieuses à l’époque hellénistique. RHPR 68 (1988), p. 415-428.


 O encontro com a religião iraniana produziu o estímulo necessário para o desenvolvimento pleno de ideias que estavam lentamente em curso dentro do judaísmo. A personificação do mal em forma de figuras como Satã, Belial ou Diabo, o importante aumento da oposição dualista entre Bem e Mal, bem como seu confronto escatológico são ideias que provavelmente não emergiram sem influência externa. A doutrina dos dois espíritos conforme preconizada pela comunidade de Qumran fornece um exemplo notável do impacto da religiosidade persa (cf. assinalado supra quanto ao zurvanismo), a qual teve efeitos amplos e duradouros nas tradições judaica e cristã.199
Garcia Martinez, dentre outros, conclui que a comunidade de Qumran, a qual deu origem aos manuscritos, foi provavelmente muito influenciada pelas ideias persas. As figuras de anjos e demônios revelariam sinais dessa influência.  Por exemplo, um fragmento da gruta 4 menciona a “ponte sobre o abismo”, a qual não  tem precedente  na  Bíblia  hebraica;  ela  parece  ser  uma  referênciaà Ponte Chinvat zoroastriana, a qual deve ser atravessada pela alma do falecido em seu caminho para o céu, sobre um abismo, no qual os maus caíam.200 O forte dualismo persa parece ter se infiltrado no pensamento judaico descrito em O Rolo da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas. Essa obra contém ainda outros elementos que parecem advir da apocalíptica iraniana.201

Assim, pode-se afirmar que o surgimento de uma escatologia apocalíptica entre judeus e cristãos no Período Helenístico foi impulsionado pelo encontro fecundo com uma religião profundamente preocupada com a luta entre bem e mal e firmemente assegurada da restauração final do mundo.

Muitas ideias persas perpassam também o livro de Daniel, cuja redação final se dá no tempo da perseguição de Antíoco. Há uma ressurreição dos mortos, um julgamento final com recompensa e punição, e a ideia de um messias salvador. No capítulo 2, o sonho de Nabucodonosor sobre uma estátua com cabeça de  ouro,





199 Cf. PHILONENKO, Marc. La doctrine qoumrânienne des deux Esprits: Ses origines iraniennes et ses prolongements dans le judaïsme essénien et le christianisme antique. In : WIDENGREN, Geo; HULTGÅRD, Anders; PHILONENKO, Marc (Ed.). Apocalyptique iranienne et dualisme qoumrânien, p. 163-212.
200 GARCÍA MARTINEZ, Florentino. Iranian Influences in Qumran? In: McNAMARA, Martin (Ed.). Apocalyptic and Eschatological Heritage: The Middle East and Celtic Realms, p. 37-49;  aqui p. 39-41.
201  Ibidem, p. 43-49.


peito e braços de prata, barriga e coxas de bronze, pernas de ferro e pés de ferro misturado com argila é interpretado por Daniel como a representação de cinco períodos da história mundial: as várias partes representam cinco reinados mundiais sucessivos, progressivamente inferiores, sendo o primeiro o do Rei Nabucodonosor. Após o quinto reinado, o Deus de Israel estabelecerá um novo reinado, o qual suplantará todos os outros e será eterno.

Há também semelhança com a já citada visão encontrada no Bahman Yasht, em que Zoroastro vê uma árvore com ramos de ouro, prata, aço e ferro misturado com argila, e estes elementos também são explicados como sendo representativo de quatro períodos da humanidade. Esse yasht se parece com os apocalipses judaicos tanto na forma quanto no conteúdo; a influência persa é possível, mas a dificuldade de datação do material persa deixa a discussão em aberto.

Em ambos os relatos (judaico e persa), o rumo das fases futuras é revelado numa visão de um sonho simbólico, o qual é então interpretado ao homem que a teve; em ambos os casos as idades ou reinos são representados por uma sequência de metais, indo do ouro ao ferro, ligadas como membros de um organismo, uma árvore num caso e uma grande estátua no outro.

O texto da narrativa de Daniel é considerado tardio (II século a.C), data da formação do livro. Entretanto, a narrativa pode ter existido muito antes dessa época, até mesmo em forma escrita; o autor das legendas de Daniel escreve sobre os Impérios Babilônico e Persa, e provavelmente deve ter obtido essa história de uma fonte babilônica, persa, ou grega (Hesíodo), e é certo que a origem dela não é judaica. Influência persa também pode ser percebida em outras obras judaicas do período intertestamentário, como 2 Macabeus e 2 Enoque.

Dois pontos de discordância ainda resistem no debate sobre o tema das in- fluências persas e iranianas no judaísmo, especialmente as influências sobre as origens do apocalipsismo judaico antigo: se as mais antigas partes da literatura medieval zoroastriana, preservada basicamente em pálavi, contêm tradições antigas o bastante para serem consideradas fontes potenciais de influência, e se tais influências podem ser demonstradas ou até mesmo possíveis cronologicamente. Podemos afirmar que ambos os pontos, se colocados em forma de perguntas, podem ser respondidos positivamente. Conforme atestamos acima, os argumentos para responder afirmativamente estão na evidência da continuidade de ideias escatológicas do    Avesta original na tradição tardia (pálavi) e nas evidências das citações de autores gregos e latinos do Período Helenístico.
No volume de Uppsala, por exemplo, Hultgård e Widengren também con- sideram totalmente plausível a afirmação  positiva acerca desses dois pontos.202  Em obra mais recente,em coautoria com Hultgårde M. Philonenko, Widengren
corrobora o mesmo ponto de vista em relação ao esquema das quatro eras ou rei- nos para a história universal, e Hultgård em relação especificamente ao Bahman Yasht.203

Em uma resenha bastante crítica sobre a obra conjunta desses três autores (Apocalyptique iranienne et dualisme qoumrânien, 1995), Philippe Gignoux ar- gumenta que, baseado em sua pesquisa e na edição crítica de Carlo G. Cereti (The Zand î Wahman Yasn: A Zoroastrian Apocalypse, 1995), o estrato mais antigo dos textos em pálavi  não  pode ser  anterior  ao  Período  Sassânida (224 d.C.  –    651 d.C.).204  Entretanto, o que deve ser levado em conta não são    as recentes camadas redacionais da literatura persa tardia, mas sim a antiguidade das tradições (motivos) que possam ser identificadas nessa literatura.

Norman Cohn também se coloca no lado oposto à abordagem de Gignoux.205 De acordo com ele, foi o próprio Zoroastro que, entre 1500 e 1200 a.C., adaptou o mito comum no antigo Oriente Próximo acerca da luta milenar entre o deus (ou deuses) da Ordem e as forças do Caos. O profeta teria usado uma teologia linear da história cujo clímax foi a batalha final e decisiva, na qual o Caos seria derrotado para sempre. Ele afirma ainda que, embora a historiografia zoroástrica não tenha penetrado no Javismo israelita, ela teria influenciado diretamente as concepções de história de vários grupos judeus e cristãos primitivos, como  conse-


202 Cf. HULTGÅRD, Anders. Forms and Origins of Iranian Apocalypticism. In: HELLHOLM, D. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East, p. 387-411; WIDENGREN, Geo. Leitende Ideen und Quellen der iranischen Apokalyptik. In: Ibidem, p. 77-162. De fato, o zoroastrismo não se configura como uma religião ou modo de pensar que produz obras apocalípti- cas nos moldes do judaísmo, ou seja, obras que possam ser consideradas, como um todo, “apoca- lípticas”. Entretanto, isso não significa que traços e elementos apocalípticos não sejam encontrados em obras da tradição zoroastriana; ao contrário, perpassam em grande escala toda essa literatura.
203 Cf. WIDENGREN, Geo. Les quatre âges du monde. In: WIDENGREN, Geo.; HULTGÅRD,  A.;  PHILONENKO,  M.  (Ed.).  Apocalyptique  iranienne  et  dualisme  qoumrânienp.      23-62;
HULTGÅRD, A. Mythe et histoire dans l’Iran ancien: Etude de quelques thèmes dans le Bahman Yašt. In: Ibidem, p. 63-162. Cf. também HULTGÅRD, A. Bahman Yasht: A Persian Apocalypse. In: COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Mysteries and Revelations, p. 114-134, e ainda HULTGÅRD, A. Persian Apocalypticism. In: COLLINS, J. J. (Ed.). The Encyclopedia of Apocalypticism, p. 39-83. v. 1.
204  GIGNOUX, Philippe. L’Apocalyptique iranienne est-elle vraiment ancienne? Notes    critiques.
RHR 216.2 (1999), p. 213-227.
205 Cf. COHN, N. Cosmos, Chaos, and the World to Come, p. 77-118, 141-193, e Idem. How Time Acquired a Consummation. In: BULL, M. (Ed.). Apocalypse Theory and the Ends of the World, p. 21-37. 

quência do exílio babilônico. É discutível se Cohn consegue demonstrar de forma convincente a comprovação para cada uma das muitas áreas de influência que ele alega.

Vale ressaltar que o Bahman Yasht, por exemplo, não é considerado, originalmente, um “apocalipse”; ele é mais bem definido por Hultgård como “uma compilação secundária de material apocalíptico de diversas origens”.206 De qualquer forma, esse é o único texto tradicionalmente chamado de “apocalipse   persa” como um todo, pois apresenta elementos característicos de uma obra apocalíptica, tais como o diálogo do profeta com a divindade (Zoroastro e Ahura Mazda), a periodização da história (visão das quatro eras e, posteriormente, das sete idades do mundo, ambas com ligações com o livro de Daniel), sinais de anúncio do fim do milênio de Zoroastro, a investida final dos inimigos e demônios nas terras do Irã, a visão do homem rico no inferno e do homem pobre no paraíso, e outros eventos relativos ao fim dos tempos.


O fato é que os livros em pálavi do início do Período Islâmico normalmente remetem suas ideias apocalípticas a uma antiga tradição oficial a qual pode ser muito bem situada no V e VI séculos da Era Sassânida (224 d.C. – 651), época em que a escrita avestan era usada com o intuito de se registrar textos considerados sagrados (primeiramente aqueles que eram recitados nas liturgias). Somente algumas cópias escritas do Avesta completo deviam estar em circulação, e a transmissão oral ainda precisava ser utilizada, seja concernente a textos no antigo avestan ou a tradições religiosas. O processo de tradução e compilação de textos em avestan para línguas iranianas mais novas provavelmente se iniciou no mesmo período, resultando em uma coleção oficial das tradições em avestan com traduções em pálavi no Período Sassânida tardio, à qual também tradições míticas e lendárias teriam sido acrescentadas. A partir de então teria emergido um corpus textual em pálavi que se constituía basicamente de uma tradução das tradições em avestan, mas que foi em grande medida também uma reinterpretação dessas tradições. Esses textos, transmitidos tanto em forma oral quanto escrita, vieram a ser a fonte principal para os compiladores dos livros em pálavi com respeito às crenças escatológicas e apocalípticas.


206 Cf. HULTGÅRD, Anders. Forms and Origins of Iranian Apocalypticism. In: HELLHOLM, D. (Ed.). Op. cit. p. 388; Idem. Persian Apocalypticism. In: Op. cit. p. 45-46.


A questão que se impõe, novamente, é o quanto se pode retroagir no tempo a escatologia apocalíptica do Período Sassânida tardio. Assumindo-se que as prin- cipais ideias dessa escatologia sassânida foram baseadas em textos escritos em avestan quando esse dialeto era ainda língua viva (isto é, antes do início do III sé- culo a.C.), pode-se ter mais um critério útil (além dos citados acima) para a data- ção dessas tradições. O problema neste caso é, contudo, que não se pode saber em que medida os sacerdotes zoroastrianos compuseram novos textos em avestan du- rante os Períodos Parta (141 a.C – 224 d.C.) e Sassânida (224 d.C. – 651). Sendo um dialeto iraniano antigo, o avestan como língua viva deve ter sido substituído pelos novos dialetos bem antes da Era Sassânida, mas continuou a viver como lín- gua ritual do zoroastrismo como o faz ainda atualmente. Alguns textos no Avesta Mais Novo (que é heterogêneo) apresentam um caráter epigônico com um uso de- ficiente do avestan, o qual revela que os autores não dominavam mais esse dialeto. Os textos podem ter sido compostos em um avestan imperfeito durante todo o Período Sassânida; entretanto, pode-se assumir também que, no caso das tra- dições do avestan nas quais os textos do Zend em pálavi foram baseados, eles e- ram genuínos e tiveram uma origem pré-sassânida.207 Caso contrário, seria difícil supor que os sacerdotes sassânidas compusessem os textos primeiramente em a- vestan para depois comentá-los em pálavi.208 No entanto, o argumento linguístico é complexo e nem sempre aplicável; assim sendo, se faz necessário o uso dos outros argumentos que endossam o linguístico, a fim de que se demonstre a continuidade

207 Cf. SHAKED, Shaul. Eschatology and Vision. In: Dualism in Transformation: Varieties of Re- ligion in Sasanian Iran, p. 27-52; aqui p. 29-30. Este é o segundo capítulo dessa obra, onde Shaked aborda o tema da escatologia zoroastriana no que tange ao quando a e a visão apocalíptica se desenvolveram (p. 27-37). Embora não compartilhando totalmente o mesmo pressuposto de outros estudiosos como Mary Boyce e Anders Hultgård, os quais defendem que essas noções surgiram  nas camadas iniciais do pensamento de Zoroastro, Shaked conclui que um núcleo em avestan foi reformulado para atender às predileções medievais. Desse modo, ele implicitamente rejeita a su- gestão de Philippe Gignoux e outros de que a maior parte desse material data do século VII d.C.  em diante, quando os zoroastrianos tiveram que racionalizar a conquista árabe-muçulmana do Irã e o início do declínio do zoroastrismo. Segundo ele, a escatologia zoroastriana tinha, claramente, suas raízes na prédica do próprio Zoroastro. A crença na vida após a morte era uma firme convic- ção na Era Sassânida, como demonstram as inscrições do sacerdote Kirdir (p. 35-36 e Apêndice  A), bem como a visão atribuída a Arday Wiraz (p. 34, 36) e a confissão de fé (p. 32-33). Quanto ao gênero apocalíptico, entretanto, escatologia não pressupõe necessariamente o apocalipse. O desen- volvimento do gênero no Irã ganhou um impulso inicial com a invasão de Alexandre (século IV a.C.), mas pode ter se desenvolvido à forma plena somente após a invasão árabe, quando a turbu- lência sócio-política passou a ser vista como precursora para a salvação universal. Shaked ainda observa que “a literatura pálavi do Período Sassânida tardio e início do Período Muçulmano é pra- ticamente obcecada pelas as descrições das visões do futuro” (p. 46). Essas eram, então, necessá- rias para satisfazer os anseios dos zoroastrianos.
208 Cf. HULTGÅRD, Anders. Mythe et histoire dans l’Iran ancient: étude de quelques thèmes dans le Bahman Yašt. In : WIDENGREN, Geo; HULTGÅRD, Anders; PHILONENKO, Marc (Ed.). Apocalyptique iranienne et dualism qoumrânien, p. 63-162; aqui p. 80; WIDENGREN, Geo. Leitende Ideen und Quellen der iranischen Apokalyptik. In: HELLHOLM, D. (Ed.). Apocalyptic- ism in the Mediterranean World and the Near East, p. 77-162; aqui p. 153-154. 

das tradições escatológico-apocalípticas do Irã antigo até as obras em pálavi do IX e X séculos d.C. Esses outros argumentos se baseiam nas evidências citadas acima, agrupadas em duas categorias: as tradições iranianas contidas no Avesta antigo que aparecem na literatura tardia e as informações preservadas por   autores greco-romanos.209
Para o relacionamento entre persas e judeus, torna-se também importante a análise específica dos influxos culturais a partir do exílio judaico na Babilônia do VI século a.C.

As interações político-culturais no chamado Judaísmo do Segundo Templo


O exílio babilônico foi um evento que provocou, sem dúvida, muitas transformações na maneira de pensar dos judeus durante o chamado Período do Segundo Templo (final do exílio, em cerca de 540 a.C., até o advento Jesus Cristo). Assim, após uma crise político-religiosa iniciada na Babilônia, os judeus tiveram que rever os pontos essenciais de sua religião e cosmovisão. Entre os que mais interagiram com os judeus nestas mudanças estão, sem dúvida, os persas.

Alguns estudiosos afirmam que os efeitos da influência da cultura persa no judaísmo não se fizeram sentir durante o domínio persa na Palestina, e sim somente mais tarde, no Período Helenístico.210 Entretanto, as influências persas podem ser percebidas no Dêutero-Isaías.211 Tanto a doutrina de Zoroastro quanto o Isaías do V século a.C. revelam uma aversão comum à reverência de imagens sagradas.

De fato, quando os persas liderados por Ciro II (559-530 a.C.) dominaram  a Babilônia em 538 a.C., a Arábia, a Síria, Judá e, posteriormente, o Egito e a Grécia sofreram um processo de revolução cultural e religiosa.212 


COMENTÁRIO: Uma das características mais marcantes da influência Persa-zoroastriana em todas essas regiões é a aparição de escritos religiosos como Revelações divinas. Ora, a própria palavra Apocalipse significa Revelar, Descobrir, Desvelar em grego. Já estudamos, desde as primeiras partes dessa série, que a apocalíptica judaica e cristã veio do Zoroastrismo e que elementos apocalípticos já existem desde os Gathas de Zarathustra. Sabemos bem que Apocalipse não significa um escrito sobre o fim do mundo mas uma Revelação de doutrinas, conhecimentos e fatos importantes, um CHAMADO da Divindade para que a humanidade ou um certo grupo social cultue ou preserve uma certa atitude diante de um dado momento histórico. Ou seja, não é a pessoa que está procurando a divindade, mas a própria Divindade que se revela. Ou seja, TEMAS ESCATOLÓGICOS NÃO CARACTERIZAM A LITERATURA APOCALÍPTICA, apesar de muitos apocalipses tratarem do tema. O mais importante disso tudo é que esses textos se apresentam como Sagradas Escrituras, pois foram reveladas diretamente pela divindade.

Ora, esse tipo de literatura (divina revelação com elementos apocalípticos) vai começar a aparecer entre todos os povos influenciados pelos persas, e nos chegaram principalmente os produzidos por gregos, judeus e cristãos. Entre os gregos temos a Vida de Apolônio (de Tiana), o Corpus Hermeticum, os Oráculos de Hystaspes, os Oráculos Sibilinos e os próprios Oráculos Caldeus. Esse tipo de literatura, baseada nos apocalipses persas, se tornou muito popular no período helenístico e mais ainda no período romano, em todo o Império Romano. A própria Biblioteca de Nag Hammadi apresenta vários e vários, talvez a maioria dos textos trata-se de apocalipses.

Os reis aquemênidas Dario I (522-486 a.C.),Xerxes I (486-465a.C.) e Artaxerxes II (404-359 a.C.)


209 No caso do presente trabalho, consideramos estes (especialmente o último) os principais argu- mentos para a antiguidade das tradições iranianas, inclusive a tradição concernente à ressurreição dos mortos.
210 Cf., por exemplo, SHAKED, Shaul. Iranian Influence on Judaism: First Century B.C.E. to Second Century C.E. In: DAVIES, W. D.; FINKELSTEIN, L. (Ed.). CHJ: Introduction: The Per- sian Period, p. 308-325; aqui p. 309.
211 Cf. ZAEHNER, R. C. The Dawn and Twilight of Zoroastrianism, p. 57-58; SMITH, Morton. II Isaiah and the Persians. JAOS 83.4 (1963), p. 415-421.
212  Cf. o relato histórico das conquistas com ampla e variada bibliografia em    DONNER,  Herbert.

História de Israel e dos povos vizinhos, p. 443-458. v. 2.

, sucessores de Ciro, deixaram inscrições que revelariam a adoção do zoroastrismo como religião oficial do Império.213

A questão da adoção ou não da religião de Zoroastro por parte dos reis aquemênidas foi (e ainda é) bastante debatida.214 Yarshater acredita que “esta questão encontrou uma resposta totalmente satisfatória e estou inclinado a acreditar  que a tradição zoroastriana se desenvolveu e tomou forma antes da ascensão de Ciro, de modo que o advento dos aquemênidas não foi refletido nela e nem influenciou aquela tradição”.215 Por outro lado, Boyce afirma que “toda a dinastia aquemênida foi, de fato, zoroastriana”.216 A tendência da crítica atual é aceitar a adoção do zoroastrismo pelos reis aquemênidas, mesmo que divindades de outras crenças pudessem ser também adoradas.

Essa adoção do zoroastrismo pelos reis aquemênidas já no IV século a.C. por razões político-ideológicas vai acompanhar a expansão do Império Persa quando das conquistas em seu período áureo, ou seja, nos séculos que se seguiram.217

De fato, pode-se constatar que a dominação persa no Oriente Médio levoua toda essa região influências da religião persa-iraniana, como o dualismo bem e mal associado a uma crença em um Deus Supremo e a uma conduta austera na





213 ZAEHNER, R. C. Op. cit. p. 156-161. Wiesehöfer recentemente chegou à conclusão de que a questão deve permanecer em aberto: apesar de reconhecer o forte contato dos reis aquemênidas com a religião de Zoroastro, ele acredita que outras divindades e crenças eram adotadas concomi- tantemente (cf. WIESEHÖFER, Josef. Ancient Persia, p. 99-101).
214 Cf. NIGOSIAN, S. A. The Religions in Achaemenid Persia. Studies in Religion 4 (1975), p. 378-386; SCHWARTZ, M. The Religion of Achaemenian Iran. In:  GERSHEVITCH,  I. (Ed.). CHI: The Median and Achaemenian Periods, p. 664-697. v. 2; BOYCE, M. Persian Religion in the Achemenid Age. In: DAVIES, W. D.; FINKELSTEIN, L. (Ed.). Op. cit. p. 279-307.
215  YARSHATER, E. Iranian National History. In: CHI: The Seleucid, Parthian and Sasanian   Pe-
riods, p. 359-477. v. 3.1; aqui p. 439. Dentre outros estudiosos que rejeitam ou duvidam de que os reis aquemênidas adotaram a religião de Zoroastro encontram-se E. Benveniste, M.   Dandamayev,
J. Duchesne-Guillemin, G. Gnoli, A. V. W. Jackson, M. Mole e Geo Widengren. À exceção deste último e de E. Yarshater, os demais são muito antigos.
216 BOYCE, Mary. A History of Zoroastrianism: Under the Achaemenians, p. xi. Dentre outros estudiosos que afirmam serem os reis aquemênidas zoroastrianos, além de Mary Boyce, encon- tram-se Albert T. Olmstead, Igor Diakonov, Ilya Gershevitch, John Hinnells, James Moulton e Norman Cohn. Desta feita, à exceção de Olmstead, todos são estudiosos recentes.
217  Nigosian afirma que “é, obviamente, do conhecimento comum que o povo judeu entrou em  es-
treito contato com o zoroastrismo durante seu exílio na Babilônia no sexto século a.C. Esse período de contato judaico-persa (em particular do sexto ao quarto século a.C.) foi, em muitos aspectos, decisivo para o desenvolvimento posterior do Judaísmo. Ao passo que existe uma abundância de literatura judaica datando do sexto século a.C. em diante (por exemplo, os tardios do Antigo Tes- tamento, a literatura apócrifa e a seita do Mar Morto), a literatura iraniana do mesmo período é, infelizmente, de pouca monta. Assim, alguns estudiosos argumentaram que o contato judaico-persa do sexto ao quarto século a.C. não deve ser postulado como fator contribuinte para o desenvolvi- mento paralelo das ideias no Judaísmo. Antes, a explicação pode ser mostrada pelo desenvolvi- mento de certas tendências inerentes aos escritos bíblicos anteriores” (cf. NIGOSIAN, S. A. The Zoroastrian Faith: Tradition and Modern Research, p. 96). 

vida cotidiana (puritanismo). Em relação a esse puritanismo, é possível, inclusive, que a purificação dos judeus apregoada por Esdras tenha se dado a partir da Pérsia.218 O fato é que os cativos de Judá somente conseguiram voltar para a Palestina sob uma mudança político-religiosa impressa pelos persas em toda aquela região.

Ao que parece, os povos dominados receberam a política pacifista persa com bons olhos:219 os babilônios receberam a Ciro II como o “Pastor de Marduque”; os egípcios o aceitaram como a “Encarnação de Hórus”, e os judeus o receberam como o “Messias de Iahweh”.Daí a influência persa presente no Dêutero-Isaías:
Assim diz Iahweh ao seu ungido, a Ciro que tomei pela destra, a fim de subjugar a ele nações e desarmar reis, a fim de abrir portas diante dele, a fim de que os portões não sejam fechados. Eu mesmo irei na tua frente e aplainarei lugares montanhosos, arrebentarei as portas de bronze, despedaçarei as barras de ferro e dar-te-ei tesouros ocultos e riquezas escondidas, a fim de que saibas que eu sou Iahweh, aquele que te chama pelo teu nome, o Deus de Israel (Is 45,1-3).

Este texto é um oráculo real de entronização. É interessante notar que Ciro II recebe o título de “Ungido de Iahweh”, título esse reservado aos reis de Israel e que se tornou o título do Messias-rei e salvador esperado. O paradoxo é que o título é concedido a um soberano estrangeiro, que não conhece Iahweh (“Embora não me conheças, eu te cinjo”, Is 45,5b). O mesmo oráculo aparece no “Cilindro de Ciro”, texto redigido por sacerdotes da Babilônia, no qual Bel, Nabu e Marduque, que não são deuses persas, favorecem Ciro; esse último deus, Marduque, profere o nome de Ciro e o chama para dominar toda a Terra.220
Parece óbvio que o rei persa também viu com bons olhos a crença dos judeus no VI século a.C., pois estes o receberam em sua cultura sem questionar sua procedência. Parece também que o autor bíblico se adapta à nova geopolítica que estava se estabelecendo, assimilando o pensamento persa de forma consciente.

218 Idem. Persian Religion in the Achemenid Age. In: Op. cit. p. 299. Essa autora apresenta tam- bém a semelhança e possível influência da antiga narrativa da criação zoroastriana presente nos Y. 44,7 e 51,7 na narrativa sacerdotal da criação (mais recente que a javista) presente em Gn 1,1-2,4a, a qual difere em muito da narrativa javista de Gn 2,4b-3,24. Tanto no Avesta quanto no Gênesis é  o espírito da divindade que é associado à criatividade e está presente no ato da Criação (Ibidem, p. 300). No entanto, apesar das semelhanças apontadas pela autora, há muitas diferenças fundamen- tais, as quais fogem ao escopo deste trabalho.
219 Conforme já assinalado supra, os reis persas adotaram uma política de tolerância para com os povos dominados, evitando a subjugação violenta que os assírios e babilônios haviam adotado. Pode ser que os reis persas tenham justamente aprendido pelo exemplo desses impérios anteriores  e adotado postura contrária.
220 Cf. o texto do Cilindro de Ciro em DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos, p. 444-445. v. 2.

O fato é que, durante o exílio, os judeus tiveram que rever sua concepção de adoração a Iahweh, uma vez que não tinham mais o Templo e os sacrifícios de animais, fundamentos que, até então, tinham estado no centro de sua adoração divina. O motivo teológico da Sião inexpugnável, da proteção de Iahweh (a divindade como o protetor tribal, podendo evitar que os judeus fossem conquistados ou exilados) teve de ser revisto. A situação propiciou, então, a possibilidade e a conveniência da assimilação de influências persas.

Conforme assinalado acima, a crença em uma vida no pós-morte, por exemplo, é de grande proeminência nos ensinos dos Gathas, a parte mais antiga do Avesta. As ideias persas de vida no pós-morte com céu e inferno, de um julgamento a ser realizado em um dia final, com o aniquilamento dos maus e uma felicidade eterna para os justos, salvos em companhia de Ahura Mazda,221 são em muito diferentes das concepções escatológicas dos outros povos antigos, incluindo os israelitas do Período do Primeiro Templo. Assim, os judeus teriam assimilado essas e outras ideias tidas como “apocalípticas”,222 as quais foram agregadas de forma definitiva na teologia do Judaísmo do Segundo Templo.

A noção da ressurreição com o sentido de volta a esta vida narrada em Is 26,19 (mesmo em referência à nação como um todo) pode também ter advindo desse encontro com a cultura persa, dado o fato de todo este trecho do livro (Is 24-27) ser tardio, conforme assinalado supra. Em todas as Escrituras Hebraicas,  esta é a referência mais antiga a essacrença.

Após o domínio persa, surge o Império Macedônio, iniciando o Período Helenístico, marcado pelas conquistas de Alexandre, o Grande (336-323 a.C.), com sua política de dominação, e a de seus sucessores.223 Seu propósito era unificar as civilizações Oriental e Ocidental através da cultura grega, sendo ele um dos principais propagadores dela.224 O próprio nome “helenismo” é comumente aplicado à cultura e civilização gregas, ao conjunto de ideias e costumes que caracterizaram o mundohabitado, desde Alexandreaté os tempos do ImpérioRomano, 

221  Cf. BOYCE, M. Persian Religion in the Achemenid Age. In: DAVIES, W. D.; FINKELSTEIN,
L. (Ed.). CHJ: Introduction: The Persian Period, p. 279-307; aqui p. 300.
222 Cf. as noções escatológicas persas que teriam influenciado a apocalíptica judaica em SOARES, Dionísio O.  As  influências  persas no chamado judaísmo pós-exílico.  Theós  5.2  (2009),  p. 1-24;
RUSSELL, D. S. The Method and Message of Jewish Apocalyptic, p. 19, e em SHAKED, Shaul. Iranian Influence on Judaism: First Century B.C.E. to Second Century C.E. In: DAVIES, W. D.; FINKELSTEIN, L. (Ed.). CHJ: Introduction: The Persian Period, p. 308-325; aqui p. 314. Entre essas noções está a ideia da ressurreição individual, possivelmente também corporal, seguida de julgamento.
223 Sobre as fontes desse importante período para o nosso estudo, cf. WALBANK, F. W. Sources for the Period. In: WALBANK, F. W. et al. (Ed.). CAH: The Hellenistic World, p. 1-22. v. 7.1.
224  RUSSELL, D. S. Apocalyptic: Ancient and Modern, p. 7.

ou seja, a partir do IV século a.C. até a Era Cristã. Barreiras de todos os tipos foram sendo superadas (política, nacional e cultural), fazendo com que povos de ambientes totalmente diferentes fossem inseridos numa cultura que confrontou poderosamente suas crenças e instituições tradicionalmente estabelecidas.225

As grandes unidades políticas caracterizaram esse período, diferentemente, por exemplo, da época clássica: o poder não estava mais centrado na pólis, mas sim nos grandes impérios, com estrutura de poder em escala mundial.226 Segundo Momigliano, a época helenística assistiu pela primeira vez à confrontação da cultura grega com as culturas de quatro outras civilizações: romanos, celtas, judeus e iranianos (persas).227 A religião iraniana sofreu um forte amálgama nessa época: “Em consequência da conquista de Alexandre, as manifestações religiosas iranianas foram quase que completamente submersas sob a onda do Helenismo”.228 No caso dos judeus, os principais contatos se dão com a cultura persa-helênica.


Esses contatos não foram sempre pacíficos. As conquistas de Alexandre provocaram conflitos com a cultura judaica na Palestina, fato que caracterizou o chamado período intertestamentário: “Entre os anos 170 a.C. e 70 d.C., o nacionalismo judeu teve intervalos nos quais sua ação mais importante consistiu em  resistir às investidas do helenismo”.229  Esse nacionalismo foi motivado tanto por pretensões políticas quanto por ideais religiosos; muitos judeus acreditavam estar, dessa forma, trilhando um caminho que levaria os homens ao Reino de Iahweh, cuja vinda inauguraria uma nova era sob o domínio desse reino.

Por outro lado, o culto helênico era mais oriental que propriamente helenizado, um culto “muito outro do que o culto grego, no qual Baal-samin era equiparado a Zeus; Alat, a Atena; Dusara, a Dioniso.  

225 Collins afirma que “o período que se seguiu à ascensão da Pérsia foi um dos mais agitados em toda a história do Oriente Próximo. Em especial as conquistas de Alexandre tiveram um profundo impacto sobre as civilizações orientais. O impacto incluiu uma circulação de ideias sem precedentes entre os vários povos, mas sobretudo as condições de vida nas áreas conquistadas foram transformadas e, como resultado, houve uma transformação de atitudes que foram muito além da influência literária em motivos e padrões. Dificilmente poderíamos esperar que o judaísmo, quer em sua terra natal ou na diáspora, não fosse afetado por essa agitação” (cf. COLLINS, J. J. Jewish Apocalyptic against Its Hellenistic Near Eastern Environment. BASOR 220 (1975), p. 27-36; aqui p. 27; republicado em Seers, Sybils and Sages in Hellenistic-Roman Judaism, p. 59-74).
226  VOEGELIN, Eric. History of Political Ideas: Hellenism, Rome and Early Christianity, p. 120. 227 MOMIGLIANO, Arnaldo. Os limites da helenização: a interação cultural das civilizações gre- ga, romana, céltica e persa, p. 10.
228 DUCHESNE-GUILLEMIN, J. Zoroastrian Religion: Iranian Religion under the Seleucids and Arsacids. In: YARSHATER, Ehsan (Ed.). CHI: The Seleucid, Parthian and Sasanian Periods, p. 866-908. v. 3.2; aqui p. 866.
229  RUSSELL, D. S. El Período Intertestamentario, p. 9.
Esta fusão do helenismo com o orientalismo era característica da política da Macedônia”.230 Em toda a extensão do Império Macedônio, “em parte alguma a religião grega logrou impor-se aos velhos cultos orientais, e o Zeus político oficial identificou-se com frequência com o Hadad sírio e o Bel (Baal) mesopotâmico”.231 Segundo Heródoto, os próprios gregos, num período mais antigo, já haviam recebido influência estrangeira: “Quase todos os nomes dos deuses passaram do Egito para a Grécia. Não resta dúvida de que eles nos vieram dos bárbaros. As perquirições que realizei em torno de suas origens convenceram-me de que assim foi”.232

Assim, a influência helênica representa, no fundo, um grande intercâmbio envolvendo as crenças de muitas religiões orientais antigas, ou seja, sob essa superfície helênica as religiões antigas da Babilônia e da Pérsia continuavam exercendo forte influência. No processo de conquista levado a efeito por Alexandre muita crenças e costumes foram sendo incorporados. Por outro lado, a “mera mistura de populações não produziu por si só o sincretismo religioso. As verdadeiras causas foram espirituais e psicológicas, enraizadas por um lado na posição dominante dos gregos, (...) e por outro no  fascínio  natural da  mente grega por tudo o que fosse desconhecido  e exótico”.233  

As  condições existenciais  favoreceram o encontro das tradições (inclusive religiosas) e seus inúmeros e diferentes desdobramentos. Os ensinos do zoroastrismo, nessa época, contêm a adaptação de doutrinas babilônicas.234 Assim sendo, certamente muitos judeus estavam em contato com o pensamento e a cultura persa-babilônica presente na palestina, além do contato com a cultura helênica em si mesma.


Outra forma de contato se deu pelo fato de que desde o cativeiro na Babilônia os judeus já haviam vivido ao lado dos persas na Mesopotâmia. Assim:

De vez em quando aqueles judeus babilônicos voltavam à Palestina trazendo com eles os aspectos do pensamento persa que mais lhes simpatizavam, principalmente os que não eram incompatíveis necessariamente com sua religião hebreia. Sem dúvida, muitos eram atraídos para a Palestina no tempo dos Macabeus e seus sucessores, quando um forte estado judeu estava em processo de formação.235




230 ROWLEY, H. H. A importância da literatura apocalíptica: um estudo da literatura apocalíptica judaica e cristã de Daniel ao Apocalipse, p. 49.
231  PETIT, Paul. A civilização helenística, p. 50.
232  Cf. HERÓDOTO. História, II.50.
233  KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento, p. 168. v. 1.
234 M. Dandamayev afirma: “Como os milhares de textos cuneiformes religiosos, astronômicos, matemáticos e literários revelam, a antiga cultura babilônica continuou a florescer e desenvolver-se ao longo da época pérsia” (cf. DANDAMAYEV, M. Babylonian in the Persian Age. In:  DAVIES,
W. D.; FINKELSTEIN, L. (Ed.). CHJ: Introduction: The Persian Period, p. 326-342. v. 1; aqui p. 337).
235  RUSSELL, D. S. Op. cit. p. 18.


O movimento apocalíptico se torna o único fator relevante no cenário religioso de Israel nesse período.236 Dessa forma, a influência da cultura persa- babilônica se fará sentir nos escritos apocalípticos judaicos desse período. Um dos usos mais comum do apocalipsismo nesse período se deu na concepção de história. Segundo Noth:
O apocalipsismo adotou inicialmente toda espécie de material sobre eras e reinos mundiais a cursar na sua época, talvez também todo tipo de material de símbolos referentes a fenômenos e poderes históricos. Entretanto, esvaziou esse material, privando-o de seu conteúdo original e de seu peso próprio, ao utilizá-lo apenas para ilustrar o colorido e a inconstância da história do mundo.237

COMENTÁRIO: Característica essencial da Gnose é justamente o desprezo pela história política do mundo.

Segundo Collins, tanto os apocalipses históricos quanto os transcendentais possuem paralelos com escritos persas. No caso das visões de sonho simbólico, elas podem “ser vistas como uma adaptação dos sonhos simbólicos que são atestados por todo o  Oriente Próximo”.238  Como  assinalado  acima,  no  Bahman Yasht Zaratustra tem uma visão simbólica de uma árvore com quatro ramos, os quais são interpretados como períodos futuros da história humana. Dessa forma, a influência da interpretação de sonhos do Oriente Próximo e a possibilidade de fontes persas na literatura apocalíptica judaica devem ser admitidas, o que não deixa de revelar, em qualquer caso, a considerável criatividade dos escritos apocalípticos judaicos.

Neste caso, verifica-se uma “moldura” comum no antigo Oriente Próximo, desde a Suméria do terceiro milênio até o Egito ptolemaico, da Mesopotâmia em direção ao Oeste, até a Grécia. A moldura consiste numa introdução acerca do sonhador, o local e outras circunstâncias importantes do sonho; após o conteúdo da visão, há uma parte final da moldura, a qual, além de descrever o final do sonho, frequentemente inclui uma seção que diz respeito à reação do sonhador, ou ao cumprimento real da predição ou promessa apregoada no sonho.

O mesmo ocorre no caso de sonhos do tipo transcendentais, somente incluindo, após as circunstâncias do sonho, a ascensão ou descida do visionário e, ao final, o seu retorno ao lugar de origem. Vale ressaltar que a moldura não é completa em todos os casos.

De fato, Collins tem razão ao mencionar paralelos antigos. O sonho com viagem ao mundo dos mortos, por exemplo, é atestado já no caso de Enkidu, do


236 KOESTER, Helmut. Op. cit. p. 232. Esse movimento desempenharia papel decisivo também na formação do cristianismo primitivo.
237 NOTH, Martin. Das Geschichtsverständnis der alttestamentlichen Apokaliptik. In: Gesammelte Studien zum Alten Testament, p. 248-274; aqui p. 274.
238  COLLINS, J. J. Daniel, with an Introduction to Apocalyptic Literature, p. 7.

poema épico Gilgamesh.239 Há exemplos também fora de relatos em sonhos. Entre os próprios babilônios há as descidas da deusa Ishtar ao mundo dos mortos,240 e entre os sumérios as descidas da deusa Inana.241 Entre os gregos e romanos há as descidas ao Hades em Homero (Odisseia, XI) e Virgílio (Eneida, VI).242 No NT, Cristo desce ao mundo dos mortos (1Pd 3,18-20). O melhor exemplo se dá justamente entre os persa, no livro de Arday Wiraz Namag, um “apocalipse desenvolvido”, conforme já citado neste trabalho.


Em relação ao conteúdo das revelações, também há paralelos antigos. As predições escatológicas, por exemplo, são já encontradas em Is 24-27. Outros exemplos são os presságios e agouros (comuns nas predições escatológicas), encontrados, por exemplo, no L. Jub 23,25, do II século a.C. (“as cabeças das crianças serão brancas com cabelos grisalhos”),243 com paralelo em Hesíodo, nos Erga, 181: “quando nascerem já em sua plenitude, com fontes encanecidas”.244 O gênero apocalíptico compartilha, ainda, algumas características e motivos com os pseudo-epígrafos, os Manuscritos de Qumran e com os Oráculos Sibilinos,245 os quais, levando-se em consideração tais semelhanças, também podem ser designados como literatura apocalíptica.

Além da convergência de tradições religiosas, outro fator que certamente contribuiu para determinada homogeneidade no Período Helenístico é o linguístico. A partir do Império Persa, o aramaico começa a ganhar proeminência, sendo inclusive a língua oficial do governo.246  A adoção do aramaico pelos  governantes aquemênidas foi uma escolha prática e natural, já que essa língua estava já em uso em toda a parte ocidental do império, talvez até na Média.247

O aramaico  é uma  língua bastante antiga; no  entanto, no  período  assírio

239  Cf. PRITCHARD, J. B. (Ed.). ANET, p. 72-99.
240  Ibidem, p. 106-109.
241  Ibidem, p. 52-57.
242  Cf. o relato da ida de Ulisses às portas do Hades, na forma narrativa, em HOMERO. A Odissei-
a. Tradução Fernando C. de A. Gomes, p. 121-134, e o relato narrativo da ida de Enéias em VIR- GÍLIO. Eneida. Tradução David J. Júnior, p. 94-111. Retornaremos a esse tema (incluindo todos esses casos) neste trabalho.
243 Relata texto do L. Jub 23,25: “As cabeças das crianças serão brancas com cabelos grisalhos, a criança de três semanas parecerá um ancião de cem anos, e sua estatura será aniquilada por tribula- ção e opressão” (cf. CHARLES, R. H. (Ed.). APOT, p. 49. v. 2).
244  Tradução própria de eu\t =  a#n  gei novmenopol i okr ovt aφoi  t el evqwsi n  (cf. o texto na edição crítica de WEST, M. L. Hesiod, Works and Days, p. 103).
245  Cf. esse relato em COLLINS, J. J. Sibylline Oracles. In: CHARLESWORTH, J. H. (Ed.).  OTP,
p. 317-472. v. 1.
246  RUSSELL, D. S. El Período Intertestamentario, p. 17.
247  GREENFIELD,  J. C.  Aramaic in the Achaemenian  Empire.  In:  GERSHEVITCH,  Ilya (Ed.).
CHI: The Median and Achaemenian Periods, p. 698-713. v. 2; aqui p. 707.

surgiu, ao lado de variações dialetais, uma forma literária padrão do aramaico, chamada de aramaico oficial (ou real), a qual se difundiu bastante no Império Persa.248 A administração imperial precisava de uma língua administrativa e diplomática única, embora, na medida do possível, houvesse respeito pelas  diversas línguas nacionais:
Em todo o Oriente Próximo, incluindo o Egito, já desde o séc. 7 a.C. o aramaico se disseminara; embora dificilmente tenha suprimido as línguas e os dialetos nativos em qualquer lugar, colocou-se sobre, abaixo ou ao lado deles e era falado ou, pelo menos, compreendido em quase todos os lugares. Os persas se aproveitaram dessa circunstância, elevando o aramaico à categoria de língua oficial do Estado. Por isso, fala-se da época do “aramaico imperial”, que, apesar de sua subdivisão em diversos dialetos locais, constituía um fermento de unidade do Oriente Antigo.249

Esse predomínio continuou até o Período Helenístico, quando o aramaico começou a dividir espaço com o grego (a partir de Alexandre), alcançando este o mesmo status daquele, sendo o grego para o Império Macedônio o que o aramaico já havia sido anteriormente para o Império Persa. Assim, no mundo helenístico como um todo, tanto o grego (koiné) quanto o aramaico eram consideradas as duas “grandes línguas comerciais”.250

O uso e significado da LXX para o judaísmo helenístico também deve ser levado em conta. Ela acabou se tornando um dos fatores mais significativos para a helenização de Israel, tornando-se conhecida também universalmente.251

Com tudo isso, era inevitável, portanto, que o judaísmo mantivesse livre de influências seu antigo conceito de vida após a morte. Duas ideias principais nortearão o pensamento judaico: o conceito grego da imortalidade da alma de forma bem estabelecida252  e a ideia da ressurreição  corporal advinda, muito provavelmente, da literatura persa, ou seja, do zoroastrismo.
As principais obras da literatura judaica do período inter-testamentário que expressam a temática da ressurreição individual são    1 Enoque e Daniel, os quais

248 Para uma descrição minuciosa da história da língua aramaica e seus dialetos, cf. JEFFERY, Arthur. Aramaic. In: BUTTRICK, G. A. (Ed.). IBD, p. 185-190. v. 1.
249  DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos, p. 447. v. 2.
250 PETIT, Paul. A civilização helenística, p. 16; cf. também BARR, J.  Hebrew,  Aramaic and  Greek in the Hellenistic Age. In: DAVIES, W. D.; FINSKELSTEIN, L. (Ed.). CHJ: The Hellenis- tic Age, p. 79-114.
251  Sobre essa questão, cf. CLARK, Timothy. Translational Practice and Purpose: The Septuagint  in the Hellenistic Period. In: Jewish Education in the Hellenistic Period and the Old Testament. SVTQ 54.3-4 (2010), p. 281-301; aqui p. 295-301.
252 Cf. GLASSON, T. Francis. Resurrection and Re-incarnation. In: Greek Influence in Jewish Eschatology: With Special Reference to the Apocalypses and Pseudepigraphs, p. 26-32.



 

representam o gênero apocalíptico em sua forma bastante amadurecida. Antes desse período, os judeus possuíam uma noção diferente de vida no pós-morte.  Seus vizinhos no período do Judaísmo do Primeiro Templo também tinham visões próprias acerca do tema, mas nenhum deles possuía uma noção semelhante a dos persas e dos judeus do pós-exílio.

http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0710454_2011_cap_3.pdf

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