Estou me baseando nas anotações de Giovanni Reale e da Escola de Tubingen. Porém encontrei essa publicação da Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul), um artigo escrito por um professor da Universidade Federal de Uberlândia (Minas Gerais) que vou colocar abaixo. Selecionei as partes do texto que nos importam aqui, as que falam da Metafísica platônica e dos princípios primeiros esotéricos. O texto completo está no link no final.
MAS ANTES, para entender como Platão chega a existência do Uno, prova sua existência necessária e fundamenta o Plano do Inteligível, eu sugiro que leia a postagem sobre a Teoria das Ideias onde eu tento explicar e provar, seguindo Platão, a existência da Realidade Inteligível e de Deus (o Uno):
https://gnosedesi.blogspot.com/2015/02/explicando-teoria-das-ideias-de-platao.html
O Parmênides e as doutrinas não-escritas de Platão:
o Uno e o Outro
The Parmenides and the unwritten doctrines of Plato: the One and the Other
Dennys Garcia Xavier
Professor de Filosofia na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG
Resumo: Diz Cornford (em seu Plato and Parmenides: Way of truth and Plato’s Parmenides) que o diálogo Parmênides inicia “a série das obras nas quais Platão pela primeira vez confronta a sua própria doutrina com os principais sistemas dos predecessores e a submete a um exame crítico” (p. 63). Sim, mas é ainda mais: a reconstrução do diálogo à luz do método hermenêutico de Tübingen-Milão nos leva a colher a estrutura na qual se entrecruzam as visões ontológicas em três níveis, do mundo físico às Ideias e das Ideias aos Princípios primeiros. O elemento-chave do desenvolvimento estrutural não apenas teorético, mas também dramático, é o vínculo que se interpõe entre as duas partes do diálogo. Apenas a unidade entre as duas partes torna plausível e justificável o percurso dialético registrado no texto, como tentar-se-á evidenciar. A primeira parte do Parmênides traz a teoria das Ideias, mas abre mão de uma protologia. Não obstante isso, uma visão completa do texto põe em jogo o Uno e o/s Outro/Outros, fundamentos dos Princípios supremos. Buscar-se-á trazer à luz aqui os nexos estruturais da argumentação que nos leva a uma visão totalizante da realidade em Platão.
Palavras-chave: Parmênides; Platão; Doutrinas não-escritas
Chamamos de “protologia platônica” os elementos doutrinários que decorrem da apreciação crítica e cruzada das assim denominadas “tradição direta” e “tradição indireta” de Platão, vale dizer: os seus textos escritos, por um lado, e a doxografia dedicada ao seu pensamento, por outro[5].
2. Elementos definidores do Uno.
De fato, a fronteira porosa observada entre aquelas tradições revela, fundamentalmente, três aspectos relativos ao Uno: um axiológico, um gnosiológico e um ontológico[6]
i) axiológico na medida em que o Uno é princípio, fundamento e causa de toda ordem, de toda harmonia, de justiça e de beleza – unidade na multiplicidade –, sem que seja, ele mesmo, nada disso, porque, ontologicamente, as antecede e funda;
ii) gnosiológico porque o Uno é princípio de saber, de cognoscibilidade, pois ele “de-termina” as coisas e a sua essência e, por via de consequência, as torna cognoscíveis (sem que seja, ele mesmo, objeto de conhecimento discursivo, na medida em que está para além daquilo que pode ser conhecido e, então, na medida em que é fundamento do que é cognoscível);
iii) ontológico porque o Uno é causa de ser, de essência e, então, confere existência a cada uma das coisas, determinando-as ontologicamente. Assim, devido ao estatuto ontológico diferenciado que o caracteriza, o princípio unitário da realidade não é suscetível de qualquer tipo de juízo apofântico e, então, não pode ser analisado segundo aquelas regras lógicas da não-contradição e do terceiro excluído. Como fundador e causador da realidade, ele antecede tudo o que é passível de tal análise e está, segundo o próprio Platão, para além de todo ser (na célebre formulação da República, “epekeina tes ousias”). Ademais, o uso de termos que evocam a noção de temporalidade e geração para analisar o papel exercido pelo Uno (“causar”, “decorrer”, “fundar”, por exemplo) torna-se meramente analógico e prototípico, pois, no caso em questão, apresentam a uma inteligência que trabalha de forma notadamente discursiva e analítica um processo que deve ocorrer de maneira aprocessual e não-temporal. Pela mesma razão, a estrutura hierárquico-ontológica resultante da composição entre informações extraídas dos diálogos[7] e do catálogo da tradição indireta não deve implicar necessariamente uma representação espacial determinada (princípio acima das formas ideadas, etc.) – recurso que, no limite, tende meramente a aclarar o curso geral da exposição. Eis, com efeito, à guisa de remate, uma visão esquemática e resumida dos argumentos que apontam para o que afirmamos ser uma “polivalência funcional” do Uno platônico, tal como registrada nas páginas emblemáticas da República:
a) a ciência do Uno é a mais elevada de todas as ciências e é por meio dela que as outras virtudes se tornam úteis e valiosas (504c-505a)[8];
b) o Uno confere verdade aos objetos cognoscíveis [é causa de verdade] (508e);
c) o Uno dá ao sujeito que conhece o poder de conhecer [é causa do saber] (508e);
d) na medida em que os causa, o Uno é mais belo do que a verdade e o saber (508e-509a);
e) o conceito do Uno deve ser mais elevado do que aqueles da verdade e do saber (509a);
f) assim como o Sol no mundo sensível torna os objetos visíveis e lhes garante a gênese, a alimentação e o crescimento, o Uno garante a cognoscibilidade dos objetos cognoscíveis e confere o ser e a essência de cada um deles (509b-c);
g) tomado em si mesmo, o Uno não é uma essência, pois, pela sua dignidade e potência, está acima e para além das essências (509b-c);
h) o Uno é causa de tudo aquilo que é justo, belo, senhor da verdade e da inteligência, causa de sensatez (517c);
i) o Uno é modelo de ordenação, tanto da vida pública quanto da vida particular (540a-b).
De fato, a novidade introduzida pelos relatos exteriores dos testimonia talvez consista exatamente numa tentativa platônica de justificação radical última da multiplicidade geral em função daquele princípio, segundo um esquema meta-ontológico para além de tudo o que é. Caso contrário, como seria possível sustentar as Ideias como plano último de fundamentação metafísica se sua multiplicidade, em esfera ontológica superior, se equivale à das coisas sensíveis que, supõe-se, devem unificar? Se, como é particularmente conhecido, a pluralidade das coisas sensíveis deve ser reduzida à unidade da Ideia correspondente, de igual maneira, a pluralidade das Ideias, neste caso, é deduzida de uma estrutura que a antecede e funda, num ulterior nível de fundação metafísica. Com uma protologia, Platão teria podido sustentar com igual eficácia, tanto a pluralidade das coisas sensíveis quanto a das Ideias correspondentes (as quais, sem o nível superior de explicação, não seriam suficientemente resolvidas)[9].
3. Elementos definidores de um Princípio disteleológico.
Depois, envolve a protologia platônica um princípio oposto ao Uno. Sobre ele muito se ouve falar também nas obras escritas e nos registros indiretos. Sabe-se pelo Timeu, por exemplo, que a geração desse universo se produziu como mistura constituída por uma combinação de Necessidade e inteligência (47e-48a). E dado que a inteligência prevalece sobre a Necessidade pelo fato de persuadi-la e por conduzir para o ótimo a maior parte das coisas que se geram, deste modo e por essas razões, por meio da Necessidade vencida pela persuasão inteligente, foi constituído desde o início o universo. Portanto, se alguém quer dizer efetivamente como ele veio-a-ser, deve introduzir também a causa errante (planoménes eîdos aitías) e tudo o que a sua natureza comporta. Estamos diante de um princípio disteleológico, material, que sofre ação coercitiva – determinadora, unificante, harmonizadora – para que o universo seja produzido. De fato, não deve surpreender a semelhança descritiva/operacional entre necessidade e Díade do grande-e-do-pequeno, tal como relatada na tradição indireta[10]. Pouco depois de apresentar o novo elemento da sua cosmologia – a Necessidade – Platão sublinha uma vez mais a dificuldade de explicar o que ele pensa acerca do princípio ou dos princípios das coisas, “com respeito ao método da presente exposição”. Trata-se, ao que tudo indica, da mesma preocupação manifestada acerca do Bem na República, uma preocupação que, de modo inequívoco, dá margem à suposição de que o nosso filósofo tenha de fato optado por não escrever sobre o que considerava ser os princípios (ao menos em termos definitivos e que, então, o tenha feito apenas de modo criptografado).
Necessidade, causa errante e receptáculo e nutriz de tudo o que devém: os termos de “aproximação” ao substrato material de todas as coisas se multiplicam nos documentos platônicos e nos textos deles derivados. Parece-nos claro que o primeiro desses termos signifique o indeterminado, o inconstante, o anômalo, isto que não pode ser nem entendido nem predito, e que nada tenha a ver com o moderno sentido normalmente atribuído à palavra (fixidez, permanência, algo inalterável).
O sentido de “receptáculo e nutriz de tudo o que devém”, ao que tudo indica, é, por sua vez, elucidado pelo próprio Platão no passo que segue:
De qualquer desses corpos [que compõem o universo material] é difícil dizer qual verdadeiramente deve ser denominado água, não fogo, e qual deveremos chamar por um determinado nome, em vez de empregar todos ao mesmo tempo ou um nome de cada vez, a fim de nos expressarmos de maneira segura e digna de confiança. Em que termos, então, e de que modo exporemos essa matéria, e que dificuldade devemos, desde o início, reconhecer? Para começar, vemos perfeitamente que o que denominamos água, ao condensar-se, segundo cremos, vira pedra e terra, e ao fundir-se e dissolver-se, esse mesmo corpo se transforma em vento e ar; o ar vira fogo quando se inflama e, por um processo inverso, o fogo, contraído e extinto, retoma a forma do ar, como o ar, tornando a reunir-se e condensar-se, vira nuvem e neblina, das quais, outra vez, comprimidas ainda mais, deflui a água, para desta, de novo, sair terra e pedra (...). Então, a ser assim, se nenhum deles não se mostra nunca sob a mesma forma (oudépote tôn autôn hekáston phantadzoménon), de qual poderá alguém afirmar com segurança que é tal coisa e não outra, sem se envergonhar de si mesmo? Não é possível. O mais seguro será exprimir-nos da seguinte maneira: sempre que virmos uma coisa mudar continuamente de estado (aeì hò kathorômen állote állei gignómenon) – o fogo, por exemplo – em nenhuma circunstância devemos dizer que se trata deste fogo, mas do que apresenta tais e tais qualidades do fogo; nem da água, como esta água, mas como possuidora de suas qualidades, nem nos refiramos a nada como permanente, como fazemos sempre que os designamos pelas expressões esta ou aquela (tóde kaì toûto), no pressuposto de que indicamos algo definido (deloûn hegoúmethá ti) (49 b 2 – e 2).
Ora, Platão se refere às coisas que a necessidade acolhe como imagens de um modelo eterno que é sempre. As imagens que imitam o que é sempre não são permanentes como o modelo a partir do qual são construídas, mas seres que não escapam à constante força do devir, da geração e da temporalidade: cópias que mudam incessantemente e sobre as quais não podemos formular mais do que opiniões alicerçadas nas percepções sensoriais. É devido a essa natureza mutável de tudo o que compõem o universo físico, que Platão assevera a impossibilidade de afirmarmos que tal coisa seja “isto” ou “aquilo” sem nos arriscarmos a emitir parecer errado sobre a realidade. Neste mundo dos sentidos, tudo o que nos resta é a opinião “por semelhança”, isto é, um tipo de julgamento que não diz o que a coisa seja de fato, mas que sugira que tal coisa se assemelhe a “isto” ou a “aquilo” num dado momento. Dizer que isto é água ou que é fogo, em acepção ontológica forte, não se harmoniza com o caráter incerto dos fenômenos físicos. Por isso, continua Platão, o “isto” ou o “aquilo” só podem se referir àquilo que subjaz todos os seres que mudam e no qual eles são plasmados, o receptáculo. A nutriz de todos os seres físicos é a única coisa que permanece (ainda que uma permanência de indeterminação) no mundo físico, uma verdadeira “matéria-prima” que se deixa moldar em infinitas formas, em infinitas imagens. E o modo como isso ocorre nos explica o próprio Platão:
Suponhamos que alguém modelasse com ouro figuras das mais variadas formas, sem parar de passar de uma forma para outra, e, ao mostrar a outro uma dessas figuras, se essa pessoa lhe perguntasse o que era aquilo, a resposta mais próxima da verdade seria declarar que é ouro (makrôi pròs alétheian asphaléstaton eipeîn hóti khrusós), pois não fora lícito falar do triângulo ou de qualquer outra figura formada com aquele mesmo material como de seres realmente existentes (hos ónta), pois todas aquelas formas se modificam (metapíptei) no próprio instante em que são apresentadas. Basta-nos poder afirmar com certo grau de certeza que são possuidoras de tais e tais qualidades (tò toioûton met’asphaleías ethèlei dékhesthaí tinos). O mesmo se diga da natureza que recebe todos os corpos (tês tà pánta dekhoménes sómata phýseos): deve ser designada como a mesma, pois jamais se despoja de seu próprio caráter; recebe sempre todas as coisas, sem nunca assumir, de maneira alguma, o aspecto do que entra nela (dékhetaí te gàr aeì tà pánta, kaì morphèn oudemían potè oudenì tôn eisiónton homoían eílephen oudamêi oudamôs). Por natureza, é matriz de todas as coisas (ekmageîon gàr phýsei pantì keîtai); movimenta-se e diversifica-se pelo que entra nela, razão de parecer diferente, conforme as circunstâncias. Quanto às coisas que entram e saem (eisiónta kaì eksiónta), devem ser consideradas cópias das que são sempre (tôn ónton aeì mimémata), cunhadas sobre esse modelo, por maneira admirável e difícil de explicar (dúsphraston kaì thaumastón) (50 a 5 – c 6).
A metáfora do ouro desenha de modo irretocável tanto a natureza quanto o agir deste terceiro gênero que compõe o universo, um substrato amorfo, matéria de tudo o que devém. Não obstante isso, é preciso dizer que a necessidade não pode ser entendida como pura disteleologia, isto é, como acaso (týche) em grau absoluto. Fosse assim, o receptáculo seria total irracionalidade e, neste caso, jamais seria persuadido pela inteligência que a domina e com a qual compõe o cosmos. De fato, só pode ser persuadido aquele que, malgrado múltiplas diferenças com o parceiro, concorda com ele em certa medida. Aqui, alude-se manifestamente ao fato de que os dois Princípios (noûs-anánke), permanecendo em fundamental oposição, podem ser referidos um ao outro, se devem, em geral, agir juntos[11].
O “princípio anipotético” (arkhén anypótheton), por sua vez, é princípio formal supremo, causa de verdade, de cognoscibilidade, de poder de conhecer, de beleza, de sensatez, de justiça e inteligência – sem ser, ele mesmo, nada disso de que é causa. Assim, se o agir henológico é condicionado por alguma coisa, definitivamente não pode ser por algo que o anteceda – dado que nada é antes dele –, mas, no limite, pela natureza do princípio material que se lhe antepõe, qual seja, a Díade. Seja isto correto, podemos sim compreender, em termos prototípicos e analógicos, o proceder demiúrgico a partir do Uno-Bem – ambos como “causas formais” e “eficientes” em seus respectivos planos de atuação –, desde que seja feita ressalva concernente à natureza ontológica de cada um: só o Demiurgo contempla um modelo – porque dele depende – para agir, enquanto que o Uno-Bem é ele mesmo, na medida em que imprime sua forma no princípio oposto, modelo e causa eficiente do que dele é predicado.
Aristóteles chama a Díade platônica de “elemento de todos os seres”, matéria que tem a função de substrato tanto dos seres sensíveis quanto das Ideias. Há mais, porém. Num outro texto de Simplício – citando Eudemo – a Díade vem diretamente associada ao movimento caótico atribuído à necessidade. Leiamos o texto e, em seguida, o trecho correspondente do Timeu:
[...] Eudemo, antes de Alexandre, examinando a opinião de Platão sobre o movimento, e opondo-se a ela, escreve: “Platão diz que o movimento é o grande-e-o-pequeno, o não-ser, o anômalo e tudo o que conduz ao mesmo com relação a estes (tò méga kaì mikròn kaì tò mè òn kaì tò anómalon kaì hósa toútois epì tautò phérei tèn kínesin légei). Mas dizer que justamente isso é movimento parece absurdo: de fato, quando existe movimento, parece que se move aquilo no qual ele existe. Mas é ridículo dizer que, existindo o desigual e o anômalo (anísou dè óntos è anomálou), é necessário que se movam. De fato, é melhor dizer que essas coisas são causas (aítia), como diz Arquita”. E, pouco depois, ele acrescenta: “Os pitagóricos e Platão reconduzem, por boa razão, o indefinido ao movimento (tò aóriston/epì tèn kínesin)” [...].
E Platão:
Ora, nutriz da geração (genéseos tithénen) umedecida e inflamada, acolhendo em si as formas da terra e do ar, e passando por todas as modificações que se lhes seguem, mostrava-se infinitamente diversificada. E por estar cheia de forças que nem eram iguais nem equilibradas, não mostrava equilíbrio em nenhuma de suas partes (oudèn autês isorropeîn); oscilando irregularmente em todos os sentidos, era agitada por essas forças e, posta em movimento, por sua vez as agitava. Movimentando-se desse modo, sem pausa, separavam-se as coisas e dispersavam-se em várias direções, como ocorre com a limpeza do trigo, quando, movimentado e ventilado pelas peneiras e por outros instrumentos, as partes densas e pesadas se juntam de um lado, as partes finas e mais leves de outro [...] e, por isso, umas ocupavam um lugar e outras um lugar diferente, mesmo antes que com elas se gerasse o universo ordenado (prìn kaì tò pân eks autôn diakosmethèn genésthai). E antes disso todas as coisas se encontravam sem razão e sem medida. Quando o universo começou a ser posto em ordem (kosmeîsthai), o fogo em primeiro lugar, a terra, o ar e a água já revelavam traços de sua própria natureza, mas se encontravam na condição em que é de esperar que esteja o que carece da presença de Deus (ékhein hápan hótan apêi tinos theós) (52 d 4 – 53 b 4)
A Díade, um aspecto da Necessidade, está associada a um tipo de movimento primitivo, de agitação primordial, característico do que se encontra abandonado a si mesmo: neste contexto, sem a presença antitética de uma causa ordenadora e unificante que condiciona a mistura a partir da qual, em plano ontológico superior, são concebidas as Ideias e, em plano ontológico inferior, o mundo da physis. Sobre a tal princípio, diz Aristóteles (Física, IV 2, 209 b 10-17):
Por isto, também Platão no Timeu diz que a matéria e a espacialidade (hýlen kaì tèn khóran) são a mesma coisa: de fato, o participante e a espacialidade (metaleptikòn kaì tèn khóran) são uma única e mesma coisa. Mas, ainda que ele defina de modo diferente o participante aqui e nas assim ditas doutrinas não-escritas, disse claramente que o lugar e a espacialidade (tòn tópon kaì tèn khóran) são a mesma coisa. De fato, todos dizem o lugar é alguma coisa (ti tòn tópon), mas o que seja, precisamente, apenas ele tentou dizer.
E ainda (Física, IV 2, 209 b 33 – 210 a 2):
Em verdade, seria necessário perguntar a Platão se nos é lícito sair do nosso discurso, por que as Ideias e os Números não estão num lugar (dià tí ouk en tópoi), dado que o participante é o lugar (methektikòn ho tópos), quer ele seja o grande e o pequeno (toû megálou kaì toû mikroû), quer ele seja a matéria (tês hýles), como escreveu no Timeu.
Não nos interessa aqui a apropriação teorética da filosofia de Platão operada por Aristóteles, mas a referência histórica e o conteúdo objetivo que resulta dela. No primeiro passo supracitado da Física o Estagirita sublinha uma clara identificação entre matéria, espacialidade, lugar e participante – este último, segundo ele, “definido de forma diferente” nas lições não-escritas do mestre. São, muito provavelmente, formas utilizadas por Aristóteles para se referir àquele terceiro gênero aduzido por Platão para que a descrição do universo ficasse completa. De fato, tal como nos relata Aristóteles, Platão associa de forma inequívoca o terceiro gênero à espacialidade no Timeu, gênero que, definido de forma diferente, talvez tenha recebido, nas lições orais, exatamente o nome utilizado por seu discípulo no segundo trecho já citado da Física: “o grande-e-o-pequeno”. Eis o texto de Platão:
[...] teremos de admitir que há, primeiro, a ideia imutável, que não nasce nem perece e que não acolhe de fora outra coisa, nem passa jamais a outra coisa, e não é visível nem perceptível de qualquer jeito, e só pode ser apreendida pelo pensamento. A outra espécie tem o mesmo nome da primeira e com ela se parece, porém, cai na esfera dos sentidos; é engendrada, está sempre em movimento, devém num determinado local, para logo desaparecer daí, e é apreendida pela opinião acompanhada pela sensação. E, por sua vez, é preciso admitir que há um terceiro gênero, o do espaço, que é sempre e não é sujeito a corrupção, que fornece uma sede a todas as coisas sujeitas à geração; e este é captável sem os sentidos com um raciocínio bastardo e dificilmente crível (tríton te én aû génos òn tò tês khóras aeí, phthoràn ou prosdekhómenon, hédran dè parékhon hósa ékhei génesin pásin. autò dè met’anaisthesías haptòn logismôi tini vóthoi, mógis pistón) (52 a 1 – b 2).
Afirmar que o terceiro gênero – do espaço, da necessidade, do receptáculo ou da nutriz de tudo o que devém – é captável apenas com um “raciocínio bastardo e dificilmente crível”, ou ainda, que ele seja uma espécie “difícil e obscura” é parte do “jogo” que Platão reconhece na arte de compor um escrito.
4. Os Princípios no Parmênides.
Platão não trata de protologia, ao menos stricto sensu, na primeira parte do Parmênides[12]. Nela temos, em linhas gerais, a proposição de três problemas relativos à própria estrutura da realidade ideal: 1) a relação entre as Ideias e, então, sobre a possibilidade de vínculo entre elas (especialmente à luz do binômio Unidade-Multiplicidade); 2) a visão das Ideias em chave, por assim dizer, fisicista, todas dispostas em plano ontológico único, como seres que duplicam o real; 3) derivado do segundo, a possível separação entre Ideias e mundo dos fenômenos. Em nenhum momento, entretanto, a possibilidade mesma das Ideias é posta em dúvida ou problematizada a ponto de colocá-la sob séria ameaça. Antes pelo contrário, as dificuldades enfrentadas são apresentadas, nas palavras de Migliori, como:
[...] a marca da juventude de Sócrates, que ignora a dialética e não a praticou. Para tal tarefa é, então, convidado, com tamanho afeto que o velho Parmênides se propõe inclusive de forma fatigante a oferecer dela um exemplo concreto. É a prova de que tal exercício serve exatamente para resolver as dificuldades expostas, alçando a reflexão a um superior nível metafísico[13].
Aqui se interpõe de forma decisiva uma protologia que depende de uma relação ontológica de derivação na qual o grau mais alto possui sempre um prius ôntico em relação àquele mais baixo (proteron-husteron physei) e na qual, para dizer com formulação platônica, o primeiro pode ser pensado sem o segundo, mas não, vice-versa, o segundo sem o primeiro (sunanairein kai mé sunanareistai). Tem-se, então, uma relação de dependência unilateral não reversível na qual, todavia, o plano mais alto oferece apenas condições necessárias, mas não também suficientes para o plano sucessivo. No Parmênides, então, o eixo de toda a polêmica está ancorado num sistema de nexos que devem (ou podem) ligar as Ideias ao mundo, as Ideias entre si e os Princípios às Ideias.
A primeira parte do diálogo é uma narrativa dramática, rica de interlocutores como Sócrates, Zenão e Parmênides, postos ali para delinear uma reinterpretação forçada do Eleatismo, uma mentira ficcional que seria certamente desprezada pelos mestres em cena, que tem como pano de fundo forte tensão de filosofia pré-socrática e naturalista. A segunda parte, em vez disso, não é exatamente um diálogo. Se fizermos a menos de algumas breves passagens nas quais notamos a presença de Aristóteles, temos, a bem da verdade, um monólogo de Parmênides. Naquele ponto é operada por Platão uma reinterpretação do Eleatismo, tal como registrado na primeira metade dramática da obra, por meio de um discurso pronunciado por Parmênides: um personagem estranho, que constrói uma concepção bipolar do mundo obtida por meio de investigação dialética. A passagem entre primeira e segunda parte é necessária e definitiva:
a) por que aquele proêmio, a longa viagem de Clazomenas para escutar aporias e dificuldades relativas a uma doutrina das Ideias tão grosseiramente apresentada? A única resposta convincente: a novidade que deriva do encontro (filosófico, não histórico) entre Socratismo e Eleatismo, desenvolvido na segunda parte;
b) por que a reinterpretar o Eleatismo sob os auspícios de uma relação com as Ideias, vale dizer, com os elementos que saem da boca de Sócrates? Dali surgem as condições da protologia platônica, como síntese de uma visão dialética do real, que se deixa entrever, também ela, na segunda parte do diálogo;
c) por que Parmênides exerce este papel em tudo inesperado, que o leva a aceitar, e ao mesmo tempo a atacar, as Ideias ventiladas por Sócrates, na mesma medida em que põe em xeque o inteiro Eleatismo com a formulação da hipótese do Não-Ser? A resposta parece ser: assim se apresenta a figura de Platão como alguém para além de Sócrates e para além do Eleatismo, aquela que encontramos gravada na segunda parte.
Eis, então, que são os Princípios, aqui apresentados sob o jogo do Uno e do(s) Outro(s), o coração teorético de toda a tratação do diálogo em tela. De fato, ali se articula, no diálogo, um processo de unificação (Uno-todo) e de divisão (Uno-parte) que Platão descreve na totalidade do real como “um todo completo e dotado de partes” (157e). A bipolaridade prototípica “Todo-Parte” está impressa em toda a realidade. A relação recíproca dos dois termos é dada por certa desde a primeira tese: o Todo assim é porque nenhuma Parte lhe falta e a Parte assim é porque pertence a um Todo (137c). E claro, que nada disso deve ser lido em termos fisicistas, resta confirmado na segunda tese que, ao nos oferecer um Todo composto de Ser e de Uno, nos deixa entrever uma realidade categorial (Parte com possibilidade infinita de divisão, Todo como a definição de limite) (144d-145a).
O processo que culmina no jogo Todo-Parte se erige na bipolaridade originária Uno e Díade. No início da segunda tese, Platão destaca em que medida a natureza do Uno permanece em todos os casos diversa e separada do Uno-que-é: uma coisa é o Ser uno, outra é este Uno que participa do ser. Depois, ele ressurge no passo dedicado à Diversidade, segunda tese. De início, afirma-se que o Uno, tomado em si, exclui a Diversidade (139c). Um Uno que exclui a Diversidade, e também a relação Parte-Todo, idêntico a si mesmo (146b-c). Uma espécie de Uno tomado em si mesmo, uma natureza de Uno ainda a ser definida, naquele contexto. Quanto à Díade, vem evidentemente evocada ao se falar do Não-Uno, na qual a presença inclusive da Diversidade vem completamente excluída, na medida em que aquela em nada participa do Uno (144a-b).
Se, então, tomamos os dois termos em sentido absoluto, o Uno e o Não-Uno, o Uno não será nem parte das coisas que não são Uno, nem um todo do qual são partes; por sua vez, mesmo as coisas que não são Uno não serão nem partes do Uno nem um todo do qual o Uno seja parte.
Ainda neste sentido, a afirmação da bipolaridade prototípica foi até mesmo antecipada em observação quase displicente do filósofo, mas que constitui a razão fundamental pela qual Platão abandonou um rígido monismo eleático (138b): “De fato, uma realidade na sua inteireza não poderá, ao mesmo tempo, deter a dúplice função de sofrer e fazer. De outra forma o Uno não seria mais Uno, mas dois”.
As Ideias são estruturalmente unidade no múltiplo e isso é possível tão-somente porque a unidade enquanto tal se põe num nível superior em relação ao múltiplo (que é porque aquele é unificado), o que nos leva a uma arquitetônica piramidal até a origem de todas as coisas, fundamento de tudo o que existe, uma bipolaridade originária. Eis que, com base no quadro delineado/cripto-registrado pelo Parmênides, a verdadeira contradição entre Platão e Aristóteles não é aquela rafaelesca entre vertical e horizontal, mas aquela entre o jogo infinito e dialético de Platão (que nada tem a ver com o problematismo) e a atitude classificadora do Estagirita. O Parmênides constitui monumento àquele jogo e a sua inutilidade vinha assinalada com a manifestação de um total desinteresse [da parte de Aristóteles].
É o fim do argumento do “Terceiro Homem” no horizonte da filosofia platônica. Com o Parmênides os gêneros não são mais vistos como simples unidades que reúnem multiplicidade homogênea. São entidades qualitativamente distintas das próprias “partes”, da qual não se gera uma multiplicidade numérica, suscetível a processo infinito de unificação.
Referências
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SZLEZÁK, Th. A. La Repubblica di Platone: I libri centrali. Brescia: Morcelliana, 2003.
XAVIER, D.G. A República de Platão e as operações henológicas da Idéia de Bem. Síntese, Belo Horizonte, v. 34, 2007, pp. 247-260.
XAVIER, D.G. Como não ler Platão! Revista Archai: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensamento Ocidental, v. 6, 2011-1, pp. 93-98.
XAVIER, D.G. Epékeina tês ousias: o Uno-Bem na República de Platão. In: XAVIER, D.G.; CORNELLI, G. (Orgs.). A República de Platão: Outros olhares. São Paulo: Loyola, v. 1, 2011-2, pp. 227-238.
XAVIER, D.G. Para uma leitura alternativa de Platão. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 19, 2005-2, pp. 145-157.
XAVIER, D.G. Para uma metafísica platônica à luz da "Tradição Indireta". Hypnos, São Paulo), v. 15, 2005-1, pp. 117-128
[1] MIGLIORI, Dialettica e Verità: Commentario filosofico al “Parmenide” di Platone, p. 489.
[2] BERTI, Struttura e significato del Parmenide di Platone, p. 527
[3] Por exemplo, COLLI, . La Goliardica Pisa 1950
[4] Cfr. MIGLIORI, La scuola di Tubinga-Milano per una nuova immagine di Platone, p. 121-142
[5] Sobre este ponto, cfr. XAVIER, Para uma metafísica platônica à luz da "Tradição Indireta"; Para uma leitura alternativa de Platão; A República de Platão e as operações henológicas da Idéia de Bem e Como não ler Platão!
[6] Distinção exemplarmente explorada por KRÄMER, Platone e i fondamenti della metafisica
[7] As criptocitações extraídas de outros diálogos reforçam de maneira decisiva a teia conceitual que põe em jogo – mercê da situação ficcional criada pelo autor e do logos que determina a impostação do diálogo –, em maior ou menor grau de explicitação, a polifuncionalidade protológica da Idéia de Bem (cfr., por exemplo, a propósito do aspecto axiológico, o Górgias, 504 a 3 ss., 506 d 5 ss., o Simpósio, 186 a – 188 e, que põem a beleza, da qual o Bem é causa, como forma de ordem e de proporção – unidade na multiplicidade; o Parmênides, que, em relação ao aspecto ontológico, introduz uma solução intermediária entre aquela dos monistas (do Uno-tudo) e a dos Pluralistas, por meio de uma estrutura dualística universal na qual a Unidade é posta em relação bipolar com uma multiplicidade, na forma de implicação recíproca da qual tudo que existe se origina; o Filebo, diálogo no qual se parte “rumo à casa do Bem” (61 a-c) – mais um recurso teatrográfico de retração do discurso filosófico – para concluir que ele é, não como uma Ideia, algo com a natureza de causa de beleza, proporção e verdade (65b), entre outros, igualmente significativos, que, para não alargar o discurso, não podemos nem mesmo referir nesta sede.
[8] A tradução do grego e das outras línguas modernas é de quem escreve. No caso específico de Platão, utilizamos o texto estabelecido na edição crítica de BURNET, J., Platonis Opera. Oxford University Press. Quando necessário, consultamos a tradução para o italiano, Platone, Tutti gli Scritti, organizada por G. Reale e a tradução para o inglês, Plato: Complete Works, organizada por John M. Cooper.
[9] XAVIER, Epékeina tês ousias: o Uno-Bem na República de Platão; SZLEZÁK, La Repubblica di Platone: I libri centrali
[10] “Platão caracteriza o princípio material com toda uma série de conotações, de caráter amplamente ontológico ou gnosiológico, acrescentando também uma série de imagens analógicas, algumas das quais muito belas; mas não chega às últimas conclusões” (REALE, Para uma nova interpretação de Platão, p. 449).
[11] HAPP, Studien zum aristotelischen Materie-Begriff
[12] A primeira parte vai de 126a até 136e. A segunda parte vai de 136e até 166c
[13] MIGLIORI, Dialettica e Verità: Commentario filosofico al “Parmenide” di Platone, p. 503
https://periodicos.ufsm.br/voluntas/article/view/43315
Agora vamos falar do Uno e do Outro.
Segundo Teofrasto, em sua obra Metafísica, Platão coloca como Princípios dos seres:
1 – a Primeira Unidade, segundo a qual todas as unidades do mundo necessariamente participam;
2 – a Dualidade Indeterminada, segundo a qual todas as dualidades determinadas são e subsistem como dualidades.
Apesar de parecer, O Uno não é o número 1 nem a dualidade é o número 2. Esses princípios estão muito acima da Matemática, metafisicamente falando. A Díade ou Dualidade é a raiz de toda a multiplicidade que existe no universo.
Para entender isso vamos pensar: se tudo que existe é baseado em ideias, logo subindo de ideia em ideia chegamos a ideias muito abstratas que abarcam o TODO da existência, como Ser, Existir e Unidade. Muito além de ideias inteligíveis de homem, árvore, estrela, sol e coisas do tipo, há as ideias matemáticas, ou seja, os números. E acima das ideias matemáticas há as ideias como Belo, Bem, Verdade e etc. E acima destas as ideias de Ser, Existência e por fim o Uno.
Por exemplo, a árvore precisa ser alguma coisa. Portanto a árvore simplesmente é um ser e é algo individual, é UMA, pois quando digo ESTA árvore estou me referindo à sua individualidade como UM, matematicamente inclusive, UMA árvore, não duas. Mesmo se eu tiver duas árvores, ou três, quatro ou 900, cada uma é uma só, cada uma é UM separado. E ambas as duas árvores participam do UM porque cada uma separada é UMA árvore.
Cada árvore é, e é porque é um. Assim cada coisa no mundo é, e é porque é um.
Isto é claro? TUDO PARTICIPA DO UM, TUDO É UM. Tudo contém Um em si mesmo como parte se seu próprio ser. O Um é o mais elevado que podemos chegar de um ser. Toda e qualquer coisa no universo pode ser “reduzida” a um, pois o Um é a base de tudo o que existe.
Portanto, o Ser é Um, pois o Ser em sua máxima concepção só pode ser Um. Deus, portanto, é Um, pois é o Ser supremo e primordial, só podendo haver UM SER PRIMORDIAL, pois tudo precisa de Um para ser. Platão chega inclusive a argumentar que o conceito de Um é maior que o próprio Ser pois o Ser precisa de Um para Ser.
E a dualidade, onde fica? Ora, se o Um existe, o não-um também existe. Isso significa que o Um não poderia subsistir como Um se o não-um, ou seja, o “dois” ou Dualidade não existisse.
O que é então a Dualidade ou Díade? Podemos chamar esta substância de “Matéria Inteligível”, porque é a própria desordem ou caos, mudança constante em que tudo nela é indeterminado, indefinido, sempre em mudança infinita.
O Uno é o Infinito Permanente. A Dualidade ou Díade é a Infinita Mudança.
Isso é complexo e polêmico. Se Deus, o Uno, é o Ser Eterno, então o seu contrário é não-ser e não-eterno. Como pode a dualidade, que é não-ser, subsistir infinitamente se o ser Infinito é ser sem-fim, ou seja, Eterno, sendo que a Díade é o oposto do eterno, sendo não-eterno e “mortal” por natureza?
Veja bem, a Dualidade é mudança. Se ela pára de mudar então ela PERMANECE, logo ela deixaria de ser mudança e seria ETERNA E UNA, pois seria a mesma coisa sempre, o Uno. Mas isso não pode pois ela é contrária ao Uno. Então, como que a Dualidade pode existir sem contradizer a si mesma?
Ora, sendo uma MUDANÇA ETERNA. Se ela é mudança, ela tem que mudar sempre. Se ela parar de mudar, ela se torna Uno. Mas isso não pode acontecer, do contrário tudo deixaria de existir pois nem o Uno subsistiria, pois se ele é Uno algo não-uno TEM QUE EXISTIR ETERNAMENTE PARA O QUE O UNO EXISTA ETERNAMENTE. Portanto, a Díade muda eternamente, pois não pode ser uno: sempre mudando ela nunca permanece, ao mesmo tempo em que deixa de existir pois se torna seu contrário o tempo todo, devido às infinitas mudanças. A Díade, assim, apesar de sempre existir, nunca existe realmente!
Ocorre ainda que se a Dualidade pré-existia com o Uno, isso significaria que o Uno não é o Primeiro Princípio mas que todas as coisas se originam do Uno e do Múltiplo ao mesmo tempo, ou seja, não há um princípio de tudo mas sim dois princípios originários igualitários. Ora, tal seria contraditório com o próprio Uno. De alguma maneira o Uno deve ser o Primeiro, enquanto a Díade o segundo e vir depois dele. Mas como provar isso, sendo que o Uno e a Díade se autocomplementam e um depende do outro?
Devemos observar que a Dualidade depende do Uno para ser. Pois se ela é e depois deixa de ser virando outra coisa, sempre mudando, logo a Dualidade consiste numa sucessão de Unos. Logo, a dualidade necessita de um Uno anterior a ela para existir. Para que exista o número 2, é preciso que o número 1 exista pois o 2 é a soma de 1 + 1. Logo, a Dualidade de alguma forma veio DEPOIS do Uno e ele teve de aparecer primeiro.
Conclui-se que os Princípios Primeiros de Platão não são realmente “Dois Princípios”, a menos que “dois” se refira a número, questão meramente aritmética, matemática. Sendo que os números são ideias inteligíveis que vieram a ser depois das ideias máximas de Uno e de Díade, os conceitos de Números não podem ser aplicados aos princípios pois os princípios estão além de todo número, pois vieram antes dos próprios números. Somando-se esse fato de que não se pode falar em “números” quando eles sequer existiam e que a Díade depende do Uno para existir de tal forma que é necessário que o Uno tenha existido antes dela, devemos concluir que a Doutrina Esotérica de Platão não é dualista. Podemos chamar de uma doutrina “polar” ou “bipolar”, tendo em vista que um princípio surge e depende estruturalmente do outro, mas não de Dualismo. Na verdade, Uno e Díade são dois pólos da Realidade, são como dois lados de uma mesma moeda.
COMO O UNO E A DÍADE SE RELACIONAM NO MUNDO PERCEPTÍVEL
O Uno age sobre a Díade DELIMITANDO, DETERMINANDO E DEFININDO.
Dessa atividade do Uno sobre a díade derivam entes que são uma síntese ou mistura de Uno e Múltiplo. Para Platão, isso que chamamos de Ser ou Entes, ou coisas que existem é produto de dois princípios originários mesclados, mistura. O Uno é Repouso, tranquilidade de ser sempre o mesmo, enquanto o Múltiplo é Movimento, constante. Por exemplo, o Uno faz um livro ser um livro, ele limita a matéria desordenada e a faz una em sua multiplicidade, impondo as ideias de Uno, Ser, Livro, Coisa e etc em algo, delimitando, determinado e definindo tal coisa, dando forma à matéria caótica, fazendo do múltiplo uno mesmo em meio a multiplicidade da matéria (o livro é feio de muitas partes, ou seja, de multiplicidade, mas ao ser delimitado como um livro se torna uno).
"A Terra era sem forma e vazia e o Espírito de Deus se movia sob a face das águas", diz o Velho Testamento - Genesis 1:2
Para mais especificidades sobre as relações entre Uno e Díade, que não interessam aqui mas pode interessar quem gosta de Metafísica, sugiro ler os tópicos de Reale sobre as doutrinas não escritas (A divisão categórica do real; Números ideais e estrutura numérica do real; As realidades matemáticas) no seu livro História da Filosofia Antiga Volume 2 Platão e Aristóteles.
É muito importante estudar o diálogo Parmênides pois é nele que Platão chama os princípio de o Uno e o Outro. Platão diz que do Uno não se pode dizer nada e se pode dizer tudo, a mesma coisa vale para o Outro. Conclui-se que o pensamento de Platão não é exatamente Monista mas tampouco Dualista, pois, como visto, trata-se de uma forma de pensamento bipolar em que um princípio depende do outro, apesar de a dualidade necessitar que o Uno preexista a ela. Esse problema será superado com os Medioplatônicos e com os Gnósticos que, ao contrário de Platão, vão explicar que a ideia suprema e acima da qual não existe nenhuma outra é o Ser que é o Bem Supremo, também chamado Mônada, e não o Uno, colocando de volta a realidade como um Monismo primordial que se manifesta de forma dual (dualismo).
Platão, assim, fundamenta seu pensamento da seguinte forma expressa em seu diálogo Sofista:
- O Uno, num primeiro sentido, é absolutamente indivisível e, portanto, absolutamente simples.
- Tudo o que tem partes pode ter unidade mas somente por participação do Uno.
- O Ser participa do Uno, mas não coincide com o Uno (o Uno está acima do Ser e do Uno depende o Ser)
- O Ser não é por si mesmo a completude e necessariamente inclui em si o não-ser (diversidade), portanto o Ser não é o Uno.
Não vou tratar aqui da questão do Limite e do Demiurgo. Mas é preciso falar da questão do Mal, pois Platão identifica o Uno com o Bem.
Os testemunhos dos filósofos citam que Platão considerava o Uno a causa do Bem a Díade a causa do Mal. E é aqui que chegamos à questão das Ideias Negativas. A díade sensível, a matéria propriamente dita, é causa do Mal em sentido concreto. No diálogo Teeteto, Platão diz que não é possível que o Mal tenha lugar próximo aos Deuses (ou seja, no Plano das Ideias ou Essências). O princípio contrário ao Uno-Bem é causa de mal no nível mais baixo, ou seja, sensível. O Mal não é algo que se contempla, como o Bem, mas algo que se vê realizado concretamente.Por exemplo, podemos contemplar a Verdade, o Bem e a Justiça. Mas a Mentira, o Mal e a Injustiça só nos são percebíveis pela sua concretização no Mundo. Assim, o Díade inteligível surge num plano como desordem e desmesura, antíteses, diferenças, multiplicidade e rebaixamento de grau mas se concretiza em outro plano, o plano da matéria, como Mal concreto, realizando as consequências negativas do vir-a-ser e da mudança constante.
É como disse Jesus: o Diabo vem para roubar, matar e destruir - Evangelho de João 10:10.
Voltando à questão da relação do Uno com a Díade, a matéria é ordenada para se parecer com as ideias. Como a Díade não é eterna, a matéria vai se “decompor” e deixar aquele Uno que participou. Assim, por exemplo, a árvore se deteriora e deixa de existir, para depois a matéria se reorganizar e novas árvores surgirem: a matéria vai se modificando para se parecer o máximo possível com a Ideia Perfeita de Árvore, para depois se dissolver.
Segundo Platão, entre a matéria (sensível) e as ideias (essências) existem relações de mímesis (imitação), métexis (participação), koinonia (comunhão) e parusia (presença).
O sensível é mimese do inteligível porque o imita, mesmo sem nunca conseguir igualá-lo (em seu contínuo vir-a-ser, aproxima-se e depois afasta-se)
O sensível, na medida em que realiza a própria essência, participa do inteligível justamente por ter PARTE na ideia que é e que se torna cognoscível.
O sensível tem comunhão, ou seja, tange o inteligível sendo este a causa e fundamento daquele.
O inteligível ESTÁ PRESENTE no sensível, na medida em que a causa está no causado.
Como já disse, não vou entrar na questão do do Artífice (Demiurgo), do Limite, do Chora e demais temas que Platão trata nos diálogos Filebo e Timeu. Também não tratarei das questões da Alma do Mundo.
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CONCLUSÕES
Vê-se que a doutrina Maniqueísta obviamente deriva, em parte, das doutrinas não-escritas platônicas de acordo com a interpretação dos gnósticos, bem como da filosofia especulativa zoroastriana a respeito do conflito entre o Bem e o Mal.
Apesar de parecer dualista, em verdade a doutrina de Zoroastro não é pois Ahura Mazda e Ahrimã não estão em pé de igualdade. Isto porque, como está escrito no Avesta, no Vendidad e no Bundahishn:
1 – Ahura Mazda é onisciente e sempre soube que Ahrimã existe.
2 – Ahrimã não sabia da existência de Ahura Mazda.
3 – Ahura Mazda prenderá o Espirito Maligno para sempre na prisão de metal de onde ele fugiu, tirará a Terra do Inferno trazendo ela para o Céu renovando todo o Universo e o tornando Imortal por Sua vontade.
O Novo Testamento copiou tudo isto do Zoroastrismo. "Jesus" copiou isto nos evangelhos sinóticos eu seus trechos apocalípticos e o escritor do Apocalipse copiou isto para escrever sua versão do fim dos tempos do Diabo e a ascensão da Nova Jerusalém, incrementando este mito com doutrinas e mitos simbólicos novos como as bestas que surgem da terra e do mar, o Anticristo, a Mulher sentada no Dragão e outras figuras parecidas.
O Bundahishn apresenta a cosmologia Zoroastriana e seria muito interessante ler o capítulo 1, que posto abaixo:
CAPÍTULO 1.
0. Em nome do criador Ohrmazd.
1. A Zand-akas ('Sabedoria de Zand ou Tradição Informal'), que primeiro versa sobre a criação original de Ohrmazd e o antagonismo do espírito maligno, e depois sobre a natureza das criaturas desde a criação original até o fim, que é a existência futura (tanu-i pasino).
2. Conforme revelado pela religião dos Mazdayasnians, assim é declarado que Ohrmazd é supremo em onisciência e bondade, e incomparável em esplendor; a região da luz é o lugar de Ohrmazd, que eles chamam de 'luz infinita', e a onisciência e bondade do inigualável Ohrmazd é o que eles chamam de 'revelação'.
3. A revelação é a explicação de ambos os espíritos juntos; um é aquele que é independente do tempo ilimitado, porque Ohrmazd e a região, religião e tempo de Ohrmazd foram e são e sempre serão; enquanto Ahriman na escuridão, com entendimento retrógrado e desejo de destruição, estava no abismo, e é ele que não será; e o lugar dessa destruição, e também dessa escuridão, é o que eles chamam de 'escuridão infinita'.
4. E entre eles havia um espaço vazio, isto é, o que eles chamam de 'ar', no qual agora é seu encontro.
5. Ambos são espíritos limitados e ilimitados, pois o supremo é o que eles chamam de luz sem fim, e o abismo é o que é infinitamente escuro, de modo que entre eles há um vazio, e um não está conectado com o outro; e, novamente, ambos os espíritos são limitados quanto a si mesmos.
6. E, em segundo lugar, por causa da onisciência de Ohrmazd, ambas as coisas estão na criação de Ohrmazd, o finito e o infinito; pois isso eles sabem que é o que está na aliança de ambos os espíritos.
7. E, novamente, a soberania completa das criaturas de Ohrmazd está na existência futura, e isso também é ilimitado para sempre e eternamente, e as criaturas de Ahriman perecerão no momento em que a existência futura ocorrer, e isso também é eternidade.
8. Ohrmazd, através da onisciência, sabia que Ahriman existe, e tudo o que ele planeja, ele infunde com malícia e ganância até o fim; e porque Ele realiza o fim por muitos meios, Ele também produziu espiritualmente as criaturas que eram necessárias para esses meios, e elas permaneceram três mil anos em um estado espiritual, de modo que eram impensadas e imóveis, com corpos intangíveis.
9. O espírito maligno, por causa do conhecimento retrógrado, não estava ciente da existência de Ohrmazd; e, depois, ele se levantou do abismo e veio para a luz que viu.
10. Desejando destruir, e por causa de sua natureza maliciosa, ele correu para destruir aquela luz de Ohrmazd não atacada por demônios, e viu que sua bravura e glória eram maiores que as suas; então ele fugiu de volta para a escuridão sombria e formou muitos demônios e demônios; e as criaturas do destruidor se levantaram para a violência.
11. Ohrmazd, por quem as criaturas do espírito maligno foram vistas, criaturas terríveis, corruptas e más, também as considerou não louváveis (burzishnik).
12. Depois, o espírito maligno viu as criaturas de Ohrmazd; apareceram muitas criaturas de deleite (vayah), criaturas inquiridoras, e elas lhe pareceram louváveis, e ele elogiou as criaturas e a criação de Ohrmazd.
13. Então Ohrmazd, sabendo qual seria o fim da questão, foi ao encontro do espírito maligno, e propôs paz a ele, e falou assim: 'Espírito maligno! traga assistência às minhas criaturas e ofereça louvor! para que, em recompensa por isso, vocês (você e suas criaturas) possam se tornar imortais e imperecíveis, sem fome e sede.'
14. E o espírito maligno gritou assim: 'Não partirei, não darei assistência às tuas criaturas, não oferecerei louvor entre as tuas criaturas, e não sou da mesma opinião contigo quanto às coisas boas. Destruirei as tuas criaturas para todo o sempre; além disso, forçarei todas as tuas criaturas a terem desafeto por ti e afeição por mim mesmo.'
15. E a explicação disso é esta, que o espírito maligno refletiu dessa maneira, que Ohrmazd estava desamparado em relação a ele, portanto, Ele oferece paz; e ele não concordou, mas continuou até mesmo em conflito com Ele.
16. E Ohrmazd falou assim: 'Você não é onisciente e todo-poderoso, ó espírito maligno! de modo que não é possível para ti me destruir, e não é possível para ti forçar minhas criaturas para que elas não retornem à minha posse.'
17. Então Ohrmazd, por onisciência, soube que: Se eu não conceder um período de contestação, então será possível para ele agir para que ele possa causar a sedução de minhas criaturas para si mesmo. Como mesmo agora, há muitos da mistura da humanidade que praticam mais o errado do que o certo.
18. E Ohrmazd falou com o espírito maligno assim: 'Marque um período! para que a mistura do conflito seja por nove mil anos. Pois ele sabia que marcando este período o espírito maligno seria desfeito.
19. Então o espírito maligno, desatento e por ignorância, contentou-se com esse acordo; como dois homens brigando entre si, que propõem um tempo assim: Marquemos tal e tal dia para a luta.
20. Ohrmazd também sabia disso, por onisciência, que dentro desses nove mil anos, por três mil anos tudo procede pela vontade de Ohrmazd, três mil anos há uma mistura das vontades de Ohrmazd e Ahriman, e os últimos três mil anos o espírito maligno é incapacitado, e eles mantêm o adversário longe das criaturas.
21. Depois, Ohrmazd recitou o Ahunwar assim: Yatha ahu vairyo ('como um senhor celestial deve ser escolhido'), etc. uma vez, e pronunciou as vinte e uma palavras; Ele também exibiu ao espírito maligno Seu próprio triunfo no final, e a impotência do espírito maligno, a aniquilação dos demônios, e a ressurreição e existência futura imperturbável das criaturas para todo o sempre.
22. E o espírito maligno, que percebeu sua própria impotência e a aniquilação dos demônios, ficou confuso e caiu nas trevas tenebrosas; assim como é declarado na revelação, que, quando uma de suas três partes (do Ahunwar) foi proferida, o espírito maligno contraiu seu corpo pelo medo, e quando duas partes foram proferidas, ele caiu de joelhos,
23. Ohrmazd criou suas criaturas na confusão de Ahriman; primeiro ele produziu Vohuman ("bom pensamento"), por quem o progresso das criaturas de Ohrmazd foi avançado.
24. O espírito maligno primeiro criou Mitokht ('falsidade'), e depois Akoman ('pensamento maligno').
25. A primeira das criaturas do mundo de Ohrmazd foi o céu, e seu bom pensamento (Vohuman), por bom procedimento, produziu a luz do mundo, junto com a qual estava a boa religião dos mazdayasnians; isso porque a renovação (Frashegird) que acontece com as criaturas era conhecida por ele!
26. Depois surgiu Ardwahisht, e então Shahrewar, e então Spandarmad, e então Hordad, e então Amurdad.
27. Do mundo sombrio de Ahriman vieram Akoman e Andar, e então Sovar, e então Nakahed, e então Tairev e Zairik.
28. Das criaturas do mundo de Ohrmazd, a primeira foi o céu; a segunda, água; o terceiro, terra; a quarta, plantas; o quinto, animais; o sexto, a humanidade.
http://www.avesta.org/mp/bundahis.html#chapter1
Observação: é interessante a criação de Ohrmazd, pois parece que o Gênesis se inspirou nas Seis Criações de Ohrmazd pra fundamentar o seu mito da criação em seis dias, inclusive na ordem das criaturas.
Assim como Platão não é dualista, mas sim poderíamos chamá-lo de "bipolarista", percebendo um Uno primordial como fonte de todo o existir, assim o Gnosticismo não é dualista pois segue, com algumas modificações, essa doutrina.
Assim como Zoroastrismo não é dualista, pois Ohrmazd não só é anterior e mais poderoso que Ahrimã mas irá derrotá-lo para sempre, assim o Gnosticismo, incluindo o Maniqueísmo, não é dualista pois segue, com modificações, essa doutrina.
Como visto, Ahrimã imita o Reino de Ahura Mazda (Ohrmazd). Isso é muito parecido com a imitação que a Díade faz do Uno e que a Matéria faz das Essências/Ideias segundo Platão. Gostaria muito de investigar de onde vem essa semelhança: dos antigos povos indo-europeus que tinham uma visão dualista de mundo? Será? Ora, se observarmos as cultura indo-europeias em suas mitologias, veremos que o conflito de dois polos opostos de divindades ou deuses, representando o Bem e o Mal, é algo BASTANTE COMUM.
A mitologia refletindo a bipolaridade da realidade, o “conflito” entre Deus/Deuses e outras forças cósmicas é vista em diversos povos indo-europeus. Na mitologia nórdica, por exemplo, o dualismo entre Ordem e Caos é perceptível entre os deuses de Asgard e os Jotun (Gigantes ou Titãs), na guerra entre os Aesir e Vanir ou mesmo na diferença entre Thor e Loki.
Na Grécia Caos e Gaia, Zeus e Titãs são inimigos dualistas nítidos. No Egito, Horus e Seth protagonizam o mito dualista mais famoso e importante da história de Kem. Como vimos, também Ahura Mazda e Ahriman no Zoroastrismo, assim como seus respectivos Ahuras e Daevas, e também Devas e Asuras no hinduísmo são mitos dualistas. Mesmo em teorias não-religiosas como marxismo (luta de classes), constitucionalismo, republicanismo e democracia (povo x governantes), na própria natureza (dia/noite, homem/mulher, calor/frio, verão/inverno, umidade/secura, novo/velho).
O dualismo está mesmo quando nos identificamos como sujeito, um Eu. Se EU SOU, ALGO NÃO É. Melhor dizendo, se eu sou uma coisa, logo o não-eu também é, logo deve existir necessariamente algo que não é eu. Eu e não-eu, um dado básico da existência, é o que chamo de Dualismo Existencial.
MAS PERA LÁ! Eu citei uma mitologia que não é indo-europeia, mas sim semita: EGÍPCIA! Dualismo entre Horus e Seth, dualismo no Egito? Como assim?
É o que veremos na PARTE 3!
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