O meu derradeiro desprendimento da religião se deu muito lentamente.
Muitos se desprendem por se decepcionarem com as comunidades e seus líderes. Comigo não foi assim. Os principais momentos desse processo foram a saída da igreja evangélica e o curso de Teologia. No espaço entre esses, perambulei por muitas áreas importantes mas esses dois, a igreja batista e a Teologia universitária, foram as principais causas da minha saída da religião e minha descoberta AGNÓSTICA. Não sou ateu.
Por conta própria, estudando sozinho e refletindo o que acontece nas igrejas, cheguei a conclusões primordiais que, muito depois, descobri que são muito estudadas na academia e na teologia. Entre elas estão:
1 - Nenhum cristão prega a Bíblia. Não existe o princípio "sola scriptura" da Reforma. Isso é uma falácia ridícula dos crentes. Enquanto cresci no altar como neto de pastores batistas, fui percebendo que a doutrina não vinha da Bíblia mas da cabeça da classe dominante das seitas. Quem diz o que é a doutrina é a AUTORIDADE da instituição, não o livro sagrado. Toda igreja evangélica precisa de uma tradição, uma autoridade, uma ELITE. Todo pastor é um Papa de suas seitas e a doutrina nunca foi nem vai ser bíblica, pois quem dita a regra é a TRADIÇÃO, e quem dita a tradição é a CLASSE DOMINANTE. O uso da bíblia é um engodo falacioso. Cada seita prega uma doutrina diferente e autocontraditória e essas doutrinas, apesar de derivarem de trechos bíblicos, não são o que a Bíblia diz mas o que o pastor diz.
2 - Os textos do Antigo Testamento são pura mitologia e construção teológica e traditiva. Nada ali é real. O real e histórico está diluído em migalhas. Quase tudo é copiado da mitologia babilônica. O Monoteísmo não é originalmente judaico mas foi copiado do Zoroastrismo.
3 - Os relatos sobre Jesus foram escritos 50, 70, 100 anos depois de sua morte e a probabilidade de serem falsos é imensa. Depois, na Teologia, tive a confirmação de que não só são falsos e inventados como, em grande parte, mitos copiados da religião greco-romana.
Mas eu continuei na Religião. Por quê?
Por que ainda acreditava que a Experiência Religiosa vinha de fora, de deus. Não. Quando estudamos Psicologia da Religião e fazemos Terapia e, até mesmo, Psicanálise vamos entender que TODOS NÓS SOMOS ROBÔS PROGRAMADOS PELOS NOSSOS PAIS. Freud dá uma enorme ênfase na MÃE como grande responsável pela personalidade. Mas o que interessa é que todas as nossas crenças foram colocadas, criadas artificialmente pelos nossos pais, colocadas ali por eles. Não vem de nós, nem de fora, do "espírito", de "deus", nada disso. As nossas crenças são produtos da nossa EXPERIÊNCIA. Nossa mente, nossas ideias, nossa personalidade, nossa religião, nossas escolhas, TUDO NÃO PASSA DE EXPERIÊNCIAS.
Mas eu não tinha isso com clareza. Ainda estava ali na religião buscando me "conectar" com "deus". No culto evangélico, na missa católica, eu via deus agindo. Mentira. Nunca foi deus. Sempre foi EU e minhas experiências.
Tá, a Eucaristia não é corpo de Cristo nada. Mas porque eu continuei na igreja comungando da Eucaristia e ajoelhando e entoando o Santo Santo Santo e o Cordeiro de Deus?
Ora, porque EU NÃO CONSEGUIA ME LIVRAR DO RITUAL PORQUE ESTAVA ENRAIZADO EM MIM DESDE A INFÂNCIA. Jesus era meu melhor amigo imaginário. Era ali na Religião que encontrava o sentido da vida. Por mais que soubesse que nada ali era realmente conforme a Bíblia ou Jesus, eu ainda acreditava no "sagrado".
Depois, descobri que a "experiência do sagrado" é absolutamente subjetiva. Não há nada objetivo. A Comunicação de Deus, a "Revelação", a "Autocomunicação" como diz Karl Rahner, é subjetiva, ou seja, é uma experiência pessoal, não é um dado da realidade ou um fato que podemos levar para o laboratório analisar. Cada um tem a sua Experiência Pessoal com Jesus e essa experiência nunca sai do indivíduo, é absoluta e totalmente PESSOAL E SUBJETIVA.
O "Sagrado" é criado pela nossa psiqué para interpretar a realidade. É hermenêutica, interpretação. Não é um dado objetivo, não é um fato externo, é uma construção interna.
Tá, mas ainda assim eu experimentava a experiência religiosa, o Sagrado.
Sem saber esses termos, eu entendi isso enquanto era evangélico. Entendi aos poucos que a pregação dos pastores é subjetiva, criada em suas mentes, não tem nenhuma correspondência na realidade, a não ser nas forçadas alegorias que enfiam no texto para enganar o povo extremamente ignorante e vulnerável.
Resolvi buscar inteligência no Catolicismo. Entrei, mergulhei na teologia e nos escritos dos Padres da Igreja. Uma década.
Mas aí, durante uma conversa, um padre disse para um grupo de pessoas que eu estava, quando alguém perguntou se a eucaristia era realmente o corpo e o sangue de Jesus:
"A Eucaristia é corpo e sangue de Jesus PARA O FIEL. É um ato de fé pessoal, uma experiência pessoal de encontro com Jesus".
Pronto, uma venda caiu dos meus olhos. Não sou só eu que não acredito no Mito Cristão mas ainda continua na religião. Os padres também não acreditam, sabem que não passa de um Mito que se transforma em experiência com o sagrado NA CABEÇA de cada fiel ali comungando o pão e o vinho!
Por quê então subir no ambão e pregar que a Eucaristia é o corpo de Jesus mas sabendo que não é? Como pode uma pessoa pregar uma coisa mas saber que é mentira??? Por quê? Qual o objetivo?
Será que se acomodou no sacerdócio e não tem outra profissão para exercer, por isso continua ali? Fiquei indignado COMIGO, não com o sacerdote, por ser exatamente igual a ele: faço homilias em comunidades e prego na vizinhança um Jesus que sei que não existe. Doutrinas que sei que são mentiras.
Outro caso. Um professor de Teologia disse para uma comunidade: Maria nunca foi virgem. Choque, escândalo. Ele feriu a sensibilidade daquela meia dúzia de pessoas. Mas era verdade, Maria nunca deu a luz a Jesus virgem. Maria nunca existiu. É mito, copiado e piorado, mito ruim.
Mas o MEU CHOQUE foi muito maior quando percebi que esse padre professor de Teologia celebra no mínimo 5 missas todo fim de semana. Como pode subir no ambão sem acreditar nem em Maria, nem em Jesus?
E eu estava fazendo a mesma coisa que ele!
Quando me dei conta de que estava vivendo mentiras na Igreja, saí.
Não tenho raiva nem mágoa. Muito pelo contrário. Eles me fizeram acordar para a realidade. Para não ser nem igual aos fieis idiotas que ainda acreditam nos toscos mitos da Bíblia, nem igual aos teólogos que não acreditam nos dogmas mas continuam pregando dogmas e fingindo que acreditam para se manter em cargos eclesiásticos. Não queria fazer parte disso.
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E Deus nisto tudo?
Já vi coisas muito estranhas, poucas, mas reais. Enquanto a ciência não explica, me abstenho ceticamente, agnosticamente.
O fato de haver possibilidade de que haja, como disse Aristóteles, uma Causa Primeira que tenha dado Movimento ao Universo, não se correlaciona DE MANEIRA ALGUMA com Deus ou Divindade de qualquer tipo.
Kant tinha certa razão. O objeto Deus não é um dado da experiência, objetivo, mas uma construção mental subjetiva. Logo, não sendo objetivo, não se ponde conhecê-lo porque o conhecimento é a adequação do objeto ao sujeito. Na Sensibilidade, somos afetados sensivelmente pelos objetos e criamos conceitos. Deus não é um objeto, logo não nos afeta, logo não é conhecível. Que é Deus então? Construção mental imaginativa somente. A Metafísica não é possível.
E a Mística, o Transe, o Êxtase? Ora, são criações mentais pelas quais concentramos em conceitos psíquicos conteúdos que selecionamos. Como um amigo imaginário que imaginamos falar conosco, criamos uma relação com esses "objetos" mentais como se reais fossem. Tornamos eles Sagrados e eles criam vida dentro de nós.
Mas e a Teoria das Ideias de Platão? É especulação. Por mais lógica e racional que seja (e é!), é especulação, não tem respaldo na objetividade. Não é uma experiência subjetiva, mas uma reflexão racional sobre uma realidade que não tem objetividade. por se tratar de objetos sem correspondência na realidade. É pura abstração.
Ainda gosto dos Gnósticos. Eles levaram para a grande massa a ideia de que o Conhecimento, a Gnose, está dentro de cada um. Não vem de cima, das Autoridades (arcontes), nem de Deus nem de fora do universo, de outro mundo, nada. Toda alma é Gnóstica e capaz de Conhecimento. Dentro de cada alma está contido escondido todo o conhecimento do universo. O Absoluto está em todo mundo!
A Gnose é uma experiência pessoal, deve ser perseguida pessoalmente, descoberta, investigada. É a Ciência. A base do Gnosticismo é o Medioplatonismo, uma mistura de Platão, Aristóteles, Pitágoras, Estoicismo e doutrinas místicas, esotéricas e orientais dos séculos 1 a.C. a 2 d.C. O Gnosticismo é uma investigação do fenômeno religioso, uma tentativa de síntese da experiência religiosa e do sujeito no mundo, o estar no mundo, o Si. É Filosofia, Religião e Misticismo misturados. Isso é uma bomba que pode desembocar no Ateísmo e na Revolução Social. E foi isso mesmo que aconteceu na Pérsia com a religião gnóstica Mazdakismo (o primeiro Socialismo) e na China com o Maniqueísmo. Um dos pais da Alquimia foi Zósimo de Panópolis, um mestre gnóstico e filósofo MATERIALISTA! Gnosticismo é, também, ciência, rudimentar, primitiva, mas é. Por isso a Academia se espanta com seus insights.
Não tenho mais religião alguma. A causa do Universo pode estar fora dele? Pode! Mas, justamente, por estar fora, é impossível chegar a ela, estudá-la, entendê-la. Vai ser sempre uma teoria, uma especulação, algo incognoscível, impossível. Vai ficar só na imaginação.
"Ah, mas eu tive uma experiência, eu vi um anjo, eu vi Buda, eu falei com Jesus e com Maria, eu incorporei uma entidade"
Ótimo, parabéns, mas é uma experiência subjetiva, diz respeito somente a você, não é um fato, dado da realidade, logo não pode ser estudado pois não é um objeto cognoscível. Vai ficar só no mundo da SUA imaginação, nem na imaginação dos outros vai ficar.
O fato de haver uma causa externa ao Universo não implica conteúdo Religioso. Haver uma "causa primeira" nada tem a ver com religião, doutrina, dogma, jesus, bíblia. NADA! Pode até ser que Deus exista, mas, com certeza, isso não tem nada a ver nem com bíblia, nem Jesus, nem Buda, nem QUALQUER TIPO DE DOGMA, DOUTRINA, COMUNIDADE, INSTITUIÇÃO OU SEITA RELIGIOSA. NADA, ABSOLUTAMENTE NADA.
Portanto, deus existindo ou não, Cristianismo, Espiritismo, Islã, Judaísmo, Budismo, é tudo mentira inventada, tudo mitologia, enganação, delírio, manipulação, engodo e, principalmente, POLÍTICA.
Não faz nenhum sentido ficar brincando de Mitologia e simbolismo frequentando uma comunidade quando se sabe o que é que está acontecendo ali. É tudo imaginação.
Por isso deixei de pregar e celebrar cultos. Não me decepcionei com religião alguma. Pelo contrário. Eu entendi o que acontece com a mente humana na religião. É uma experiência REAL com conteúdos IRREAIS, mitológicos. Tudo parou de fazer sentido. A Ciência abriu as portas e me chamou, e eu atendi.
Tem uma outra questão, que é sociológica, que falarei depois. A questão de que a religiosidade depende da classe social. Por ora, é isto.
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Quando Jung me ofereceu a oportunidade descobrir os conceitos de Deus, de sagrado e de divino não na sua dimensão religiosa, mas sim na sua dimensão psicológica, como arquétipos, permiti a mim mesma, pela primeira vez na vida, conceber que talvez esses conteúdos realmente existissem.
Não como entidades, mas como experiências. Não fora de mim, mas como parte de mim e da minha psicologia. E, claro, da tua também 🤩
Jo 💙
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