ARCO DE TITO, ERIGIDO EM ROMA. COMEMORA A DERROTA DOS JUDEUS E A TOMADA DE JERUSALÉM EM 67 D.C. |
INTRODUÇÃO
Na sociedade israelita tradicional as relações sociais são reguladas pelo sistema de parentesco. As famílias se agrupam numa formação hierarquizada de tipo patriarcal conhecida como mishpaha (= clã). A reprodução das famílias, a posse da terra, a defesa das propriedades, as festas cultuais e a memória coletiva, por exemplo, são organizadas no interior da estrutura clânica, gerando forte coesão social e intensa solidariedade entre seus membros. Teologicamente, esta estrutura se expressa no tema do êxodo, que é o caminho do Egito para a terra de Israel, mas que também é a passagem da escravidão para a liberdade, caracterizada na destruição de uma engrenagem de opressão e na construção de uma sociedade soberana e solidária.
Porém, com o restabelecimento do domínio estrangeiro a partir do exílio, este projeto social vai se encontrar num tremendo impasse. Especialmente a partir dos domínios grego e romano que helenizam inexoravelmente a Palestina.
Em 332 a.C. o macedônio Alexandre Magno anexa a Palestina ao seu império. Mas morre pouco depois e seus generais travam acirrada luta pela sucessão. O distrito de Judá pertencerá a senhores diversos até 301 a.C., quando será controlado pelos Ptolomeus, reis macedônios que governam a partir de Alexandria, no Egito.
A partir de 198 a.C. a Palestina passa para o domínio dos Selêucidas, reis macedônios que governam a partir de Antioquia, na Síria.
A aristocracia judaica sente-se prejudicada, no seu processo de enriquecimento, pela limitação imposta pelas leis judaicas que continuam em vigor. Aproveitando momento favorável, negocia com os Selêucidas a implantação dos valores e do modo de vida gregos na região da Judeia. A lei judaica é abolida e a prática do judaísmo é proibida. Os judeus fiéis à tradição são perseguidos e mortos.
Isto provoca um levante armado de sacerdotes e camponeses, que, chefiados pelos Macabeus, conseguem tomar o poder no século II a.C. Durante 79 anos a Judeia será independente e governada pelos Macabeus, que concentram em suas mãos os poderes político, militar e religioso.
A breve e conturbada independência da Judeia encontra seu fim quando o general Pompeu anexa a Roma, em 63 a.C., os territórios do decadente reino selêucida.
A pesquisa em andamento* quer exatamente enfocar qual é a relação entre a Religião e a Sociedade neste contexto específico do judaísmo entre 332 a.C. (anexação da Judeia por Alexandre) e 63 a.C. (anexação da Judeia por Roma).
Como acontecia a resistência e a submissão à nova realidade grega através da mesma religião judaica? O que faz o judaísmo ser o que é? Sua força não viria do papel simbólico da religião que cria identidade através da diferença?
E uma questão muito próxima a nós: como podem as tradições e práticas religiosas de um povo servir como instrumento de resistência à dominação imperialista e classista hoje?
O estudo se desenvolve em duas partes: na primeira abordo a questão histórica em cinco capítulos: a conquista de Alexandre, o governo dos Ptolomeus, a helenização promovida pelos Selêucidas, a resistência dos Macabeus e a independência por eles conseguida até a chegada de Roma.
Na segunda parte, abordo em cinco capítulos, os instrumentos da helenização (tais como o exército, a pólis, a língua grega comum, os cultos reais e o ginásio), a visão grega dos judeus, a visão judaica dos gregos, a apocalíptica e os essênios.
Gostaria de salientar estes dois últimos elementos: o pensamento apocalíptico, tendência presente em variados grupos, como assideus, fariseus, essênios e cristãos é de grande importância para a compreensão da produção bíblica deste período; o outro é mais específico, estranho e fascinante: é o caso dos essênios que desenvolvem uma teologia mais elaborada, recentemente descoberta em Qumran.
Comentário: como veremos no futuro, a APOCALÍPTICA e o desenvolvimento mais elaborado da teologia serão FORTES ELEMENTOS constantes dos textos gnósticos e das doutrinas dos primeiros pensadores da elite judaica letrada e culta, abertos à influência da filosofia e das especulações típicas do pensamento grego antigo, responsáveis pelo nascimento dos primeiros sistemas gnósticos.
Enfim, uma chave de leitura: frequentemente, o helenismo, consequência das conquistas de Alexandre, tem sido lido como uma fusão de culturas e um processo glorioso que favoreceu o desenvolvimento da dominante cultural ocidental via Império Romano e seus herdeiros. Prefiro enfocar o helenismo como um processo imperialista grego, depois romano, que descaracterizou as culturas orientais dominadas, gerando variadas formas de resistência do povo sofrido daquele tempo naqueles países.
http://blog.airtonjo.com/2015/02/judaismo-e-helenismo-ii.html
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INFLUÊNCIA HELENISTA NO PENSAMENTO JUDAICO E NA CRIAÇÃO DE TEXTOS BÍBLICOS
Refletir sobre a história, mesmo a muito antiga, antes de Cristo, pode ser extremamente atual. Pode dar-nos uma nova dimensão da realidade, sugerir analogias, ajudar-nos a compreender o homem no mundo e sua história. Por isso estou falando de judaísmo e helenismo.
Mais atenção ainda deve dar ao tema o cristão que milita hoje neste nosso mundo tão dinâmico e tão pluralista, refletindo-o à luz da fé. É preciso lembrar que nós somos “netos” dos gregos e “herdeiros” dos judeus em nossas práticas culturais e religiosas.
O artigo prossegue com os seguintes itens:
1. A Palestina de Alexandre a Pompeu
2. Os agentes do helenismo na Palestina
3. Frutos da helenização na Palestina
4. As tendências do pensamento judaico em seu confronto com o helenismo
Conclusão
Leituras recomendadas
Vou transcrever aqui apenas o item 4, as tendências do pensamento judaico em seu confronto com o helenismo (omitindo as 5 notas de rodapé deste trecho) e aconclusão.
4. As tendências do pensamento judaico em seu confronto com o helenismo
É bastante difícil demonstrar influências helenísticas diretas nos escritos judaicos da época grega.
Por razões diversas. A dificuldade linguística, em primeiro lugar. Os conceitos gregos são imperfeitamente transmitidos em construções literárias semitas. Mas não é só. Há ainda incerteza quanto às datas de composição de várias obras, a influência de contatos com os gregos anteriores à época de Alexandre Magno e a parcialidade dos combativos escritos anti-helênicos conservados, como os documentos essênios recuperados na região do Mar Morto ou os escritos dos grupos apocalípticos.
Por outro lado, entre o fim do domínio persa e a chegada de Roma à região, chama a atenção a quantidade e a variedade da literatura produzida pelos judeus. Isto indica surpreendente efervescência na minúscula comunidade judaica.
Por isso, mais do que traçar possíveis influências, procura-se seguir certas linhas de desenvolvimento do pensamento judaico em sua controvérsia com a pressão cultural da época helenística.
COMENTÁRIO: Esse período desde o fim do domínio persa e a chegada de Roma é justamente o período helenístico, em que Alexandre Magno ( ou O GRANDE) vai promover a helenização forçada de todas as regiões dominadas pelos gregos, principalmente os povos orientais, partindo de um pensamento preconceituoso e imperialista de pretender "civilizar" outras civilizações. No entanto, esse projeto social se tornou benéfico pois o mundo grego acabou sendo "invadido" pelas correntes de pensamento orientais e bárbaras e o velho mundo grego da pólis e suas estruturas se corroeram: a verdade da superioridade grega, de seus modos, cultura, política e economia se viu pequena diante da riqueza cultural dos povos recém "conhecidos", abrindo as portas para uma febre de sincretismos, ecletismos e misturas sociais, culturais, religiosas, raciais-étnicas que moldou a história do mundo. Como já foi visto no blog, o conceito de Buddha sofreu uma alteração substantiva quando parte da Índia caiu sob domínio grego-macedônio. Como veremos, o Imperador Ashoka, da dinastia dos Máurias na Índia, promoveu uma globalização cultural ao proibir por Éditos (decretos imperiais) as perseguições religiosas (os famosos Éditos de Ashoka) e instituir a monges e estudantes budistas a tarefa de fundar escolas onde todas as religiões e filosofias eram estudadas, analisadas, comparadas, visando a evolução da doutrina e das práticas ritualísticas, garantindo a liberdade de crença a todos os habitantes do seu império. Quando o império de Alexandre começou a ruir, surgiram onde hoje é Afeganistão, Paquistão e em regiões dos Himalaias, reinos como o Reino Greco-bactriano e outros indo-gregos e greco-budistas (a arte greco-budista em abundância prova a potencialidade sincrética do período), abrangendo áreas com populações tribais politeístas de fisionomia "árabe", semi-tribais de fenótipo chinês dos himalaias, pequenos reinos hindus e populações indianas convertidas ao budismo, todos recebendo educação e cultura grega, tomando ciência das culturas egípcia, celta, eslava, romana, judaica, síria, etc. O sincretismo e a comparação especulativa das filosofias e religiões são práticas "dogmáticas" das igrejas gnósticas.
COMENTÁRIO: Esse período desde o fim do domínio persa e a chegada de Roma é justamente o período helenístico, em que Alexandre Magno ( ou O GRANDE) vai promover a helenização forçada de todas as regiões dominadas pelos gregos, principalmente os povos orientais, partindo de um pensamento preconceituoso e imperialista de pretender "civilizar" outras civilizações. No entanto, esse projeto social se tornou benéfico pois o mundo grego acabou sendo "invadido" pelas correntes de pensamento orientais e bárbaras e o velho mundo grego da pólis e suas estruturas se corroeram: a verdade da superioridade grega, de seus modos, cultura, política e economia se viu pequena diante da riqueza cultural dos povos recém "conhecidos", abrindo as portas para uma febre de sincretismos, ecletismos e misturas sociais, culturais, religiosas, raciais-étnicas que moldou a história do mundo. Como já foi visto no blog, o conceito de Buddha sofreu uma alteração substantiva quando parte da Índia caiu sob domínio grego-macedônio. Como veremos, o Imperador Ashoka, da dinastia dos Máurias na Índia, promoveu uma globalização cultural ao proibir por Éditos (decretos imperiais) as perseguições religiosas (os famosos Éditos de Ashoka) e instituir a monges e estudantes budistas a tarefa de fundar escolas onde todas as religiões e filosofias eram estudadas, analisadas, comparadas, visando a evolução da doutrina e das práticas ritualísticas, garantindo a liberdade de crença a todos os habitantes do seu império. Quando o império de Alexandre começou a ruir, surgiram onde hoje é Afeganistão, Paquistão e em regiões dos Himalaias, reinos como o Reino Greco-bactriano e outros indo-gregos e greco-budistas (a arte greco-budista em abundância prova a potencialidade sincrética do período), abrangendo áreas com populações tribais politeístas de fisionomia "árabe", semi-tribais de fenótipo chinês dos himalaias, pequenos reinos hindus e populações indianas convertidas ao budismo, todos recebendo educação e cultura grega, tomando ciência das culturas egípcia, celta, eslava, romana, judaica, síria, etc. O sincretismo e a comparação especulativa das filosofias e religiões são práticas "dogmáticas" das igrejas gnósticas.
De imediato, observa-se o aparecimento de novos gêneros literários, todos típicos do mundo grego, incomuns entre os judeus. Como a epístola, o romance histórico, a narrativa aretológica (= elogio do comportamento virtuoso) e a pseudoepigrafia na literatura apocalíptica.
Mas, de modo geral, duas correntes de pensamento podem ser percebidas nesta época: a corrente sapiencial, desenvolvida nas várias “escolas de sabedoria”, com múltiplas tendências, e a corrente apocalíptica, filha da enfraquecida Profecia, leitura camuflada e simbólica, mas contundente, da nova realidade.
Talvez o ponto comum mais evidente nas tendências predominantes de pensamento seja o uso de uma incipiente racionalidade. Que se manifesta, entre outras possibilidades, na absorção de termos abstratos - desconhecidos na estrutura mental semita, mas centrais no pensamento grego - e no começo de uma certa sistematização e regularidade nas descrições da natureza, da história e da própria existência humana.
Isto é mais evidente, é claro, nos escritos sapienciais. Uma forte tendência das escolas de sabedoria, por exemplo, é a de realizar a fusão da Sabedoria (Sophia) internacional com a piedade tradicional, como pode ser visto no Eclesiástico ou em Provérbios 1-9. Ou ainda a tendência crítica e universalista de Jó e Eclesiastes.
Procurou-se, durante muito tempo, estabelecer a possível influência da filosofia grega clássica sobre a sabedoria judaica. Talvez seja mais correto falarmos de um estágio “pré-filosófico” da sabedoria judaica, com maiores afinidades com a filosofia popular grega. Há aí, claro, fortes tendências sincréticas, mas o pensamento grego que mais fortemente penetra nos arraiais judaicos é o estoicismo, em suas versões mais populares.
Um dos aspectos mais populares do estoicismo é a sua pregação de uma fraternidade universal entre os homens, onde não haveria distinção entre gregos e bárbaros, nem entre livres e escravos.
O estoicismo é primordial. Esta filosofia grega, típica do helenismo, é produto de seu tempo, das transformações sociais, políticas, religiosas pelas quais passou o mundo grego e influenciou sobremaneira o cristianismo nascente, em sua raiz. Impossível não ler as epístolas de Paulo e os evangelhos e não perceber o sabor do estoicismo grego abundante nos textos, claro reinterpretado e amoldado ao pensamento individual do autor.
Segundo o estoicismo “o essencial é distinguir ‘o que depende de nós’ e ‘o que não depende de nós’. No segundo grupo fica tudo o que depende das paixões, e o que é preciso aprender a renunciar através de uma longa ascese que vai conduzir ao domínio sobre si mesmo, à apatia (ausência de paixão). O que depende de nós é precisamente a vontade, que faz do sábio um igual a Deus. Moral dura, mas exaltante, que torna o homem independente das circunstâncias, e, em particular, da sua classe e da sua situação. Mas esta moral estoica é fatalista, pois sustenta o conformismo a uma dada ordem.
Falávamos de Sophia. Contudo, mesmo os escritos apocalípticos mais antigos, provenientes dos círculos dos assideus que combatem a helenização na Palestina, só se tornam possíveis através da assimilação de variados elementos sincréticos estrangeiros, como os babilônios, os persas e gregos.
Conclui-se, portanto, que, pelo menos nos primeiros tempos, o helenismo não causou rupturas graves no desenvolvimento do pensamento judaico. Há, isto sim, uma progressiva assimilação e relativa filtragem, que pode ser rastreada desde a metade do séc. III. a.C.
Abordo aqui, a título de exemplo e demonstração do que vem sendo dito sobre a influência grega, com toda a provisoriedade exigida, apenas alguns aspectos da corrente sapiencial, exemplificada através do Eclesiastes e do Eclesiástico.
No Eclesiastes ou Qohélet observam-se evidentes indícios da nova realidade greco-palestina. A obra é escrita pela metade do séc. III a.C., portanto, no período do boom econômico ptolomaico.
J. Guinsburg acredita que o Qohélet rejeita três tendências de sua época: o conservadorismo sapiencial do estrato social a que pertence, o radicalismo messiânico e o misticismo apocalíptico - mais tarde típico dos essênios - e o racionalismo filosófico e o ecletismo cosmopolita, defendidos pelos adeptos da helenização.
O Zoroastrismo, religião que primeiramente apresentou uma escatologia de forma apocalíptica pode e deve ser tratado como a principal influência no desenvolvimento da APOCALÍPTICA, tema que será tratado na próxima postagem. Como é provado pela Biblioteca de Nag Hammadi, (ver http://anaomente.blogspot.com.br/2016/01/a-biblioteca-de-nag-hammadi.html) o gênero literário Apocalipse é um dos preferidos dos autores gnósticos e a mentalidade apocalíptica e sua preocupação com o fim do mundo e o destino da alma tem origem não na religião judaica tradicional, mas no judaísmo posterior embebido de Zoroastrismo e, como é sabido, a filosofia iraniana ou persa, surgida da religião zoroastriana, é uma das fortes influências percebidas nos textos gnósticos, sejam cristãos, judaicos ou pagãos.
M. Hengel, por outro lado, opina que a ética do Qohélet é “burguesa”. Por “burguesia” ele entende aquele estrato social que forma a força dominante do mundo helenístico, a “nata social”, que vive de seus investimentos em terras ou outros negócios. Na vida, este grupo busca segurança e prazer. Tem um pensamento racional, mas é basicamente conservador.
Neste contexto, Qohélet representaria o primeiro momento da crise gerada pela helenização. Vê-se a fragmentação e a falência da teologia e da piedade tradicionais, mas sua formação aristocrática e tradicional o impede de romper com Iahweh, a quem ele confirma como o senhor de tudo o que existe e acontece. Embora a lógica da vida seja absurda e desumana.
O Qohélet faz severas críticas ao sistema opressivo do domínio estrangeiro em 4,1: “Observo ainda as opressões todas que se cometem debaixo do sol: aí estão as lágrimas dos oprimidos e não há quem os console; e força do lado dos opressores, e não há quem os console”. É possível que em 5,7-8 ele esteja aludindo às injustiças cometidas pelos seus próprios conterrâneos em nome dos dominadores estrangeiros dentro da típica administração ptolomaica: “Se numa província vês o pobre oprimido e o direito e a justiça violados, não fiques admirado: quem está no alto tem outro mais alto que o vigia, e sobre ambos há outros mais altos ainda”.
R. Michaud, por sua vez, adota interessante hipótese de N. Lohfink acerca do Qohélet. Quando, por volta de 248 a.C., o rico José, o Tobíada, torna-se o coletor de impostos da Celessíria, em nome dos Ptolomeus, ele vem morar em Jerusalém, acelerando a implantação da educação grega na cidade. Além de filho do poderoso Tobias, ele é sobrinho do sumo sacerdote Onias II. Os mestres tradicionais do Templo vão se enfrentar, então, com os inúmeros filósofos ambulantes que invadem a cidade, segundo o costume grego. Nesta ocasião, para escândalo dos tradicionalistas, um dos mestres judeus, o nosso inovador sábio, resolve ir para as ruas, acompanhado por seus discípulos. Adota o mesmo método dos gregos para poder enfrentá-los. Ele se transforma em um sábio ambulante que observa os acontecimentos do cotidiano e tira suas conclusões a partir da fé javista.
Já o Eclesiástico (= Sirácida), escrito no início do séc. II a.C., polemiza com a aristocracia de Jerusalém que está abandonando a fé de seus antepassados em decorrência de sua assimilação da cultura grega. O Eclesiástico considera os grupos da alta sociedade de Jerusalém como apóstatas da Lei e descrentes das ações de Iahweh em favor dos homens.
***ATENÇÃO!!! ECLESIÁSTICO, SIRÁCIDA, SABEDORIA DE JESUS FILHO DE SIRACH, ou simplesmente, JESUS BEN SIRACH ou BEN SIRACH, texto bíblico atribuído a um tal Jesus filho de Sirach, não deve ser confundido com Eclesiastes ou Qohélet, que é outro texto escrito em outro tempo por outro sábio judeu!!!
Contra tal tendência ele justifica a retribuição divina. E desenvolve, sob influência provável das filosofias mais populares da época, uma teodiceia da criação. O mundo foi criado por Iahweh para a salvação do homem com um profundo sentido de harmonia: “Todas as obras do Senhor são magníficas, todas as suas ordens são executadas pontualmente”, afirma Eclo 39,16.
O centro da humanidade é Israel, com sua única e miraculosa história guiada por Iahweh. Na Lei de Moisés, Israel recebe a Sophia divina, o poder que regula toda a criação. Além disso, ele admoesta os filhos do sumo sacerdote Simão que estão em luta pelo poder, intercede em favor do pobre oprimido - “Escasso alimento é o sustento do pobre, quem dele o priva é um homem sanguinário. Mata o próximo o que lhe tira o sustento, derrama sangue o que priva do salário o diarista” (Eclo 34,21-22) - e pede, à maneira dos antigos profetas, a realização da salvação escatológica para Israel.
O Sirácida identifica Sophia à Lei mosaica - “Saí da boca do Altíssimo e como neblina cobri a terra”, diz Eclo 24,3; e 24,23: “Tudo isto é o livro da Aliança do Deus Altíssimo, a Lei que Moisés promulgou, a herança para as assembleias de Jacó” -, garantindo não só que o mundo foi criado por Iahweh para a salvação do homem, mas que Israel é o centro da humanidade com sua exclusiva história comandada por ele.
Ou seja: em sua polêmica com o racionalismo secular grego, o Eclesiástico procura salientar a superioridade da fé e da tradição israelitas codificadas na Lei.
Conclusão
Certamente esse é apenas um rápido e insuficiente tratamento do problema. Mas, para terminar, quero chamar a atenção, neste jogo de assimilação e combate às ideias helênicas, para a tendência absolutizante da Torá.
Quando, na tradição farisaica, é feita a identificação da Lei com a Sophia “divina”, revelada a Israel e ocultada à razão humana, o que está em ação é uma ontologização da Torá, que terá múltiplas consequências históricas e teológicas.
Há, no judaísmo pós-exílico, uma perda evidente da consciência histórica, levando à segregação progressiva do judaísmo rabínico, especialmente após a dispersão do ano 70 d.C.
A ação eficaz do “fazer justiça”, construindo uma sociedade solidária, tão típica da teologia mosaica e profética, perde seu impulso. No seu lugar desenvolve-se a ideia do “ser justo”. Ser judeu, agora, na época greco-romana, é ser justo. E ser justo é observar com o maior rigor possível os preceitos da Torá. Especialmente as regras da pureza ritual, as obras de piedade e de misericórdia, o sábado, a circuncisão, as festas.
Os Essênios são típico exemplo disso, com sua obsessão em obedecer à Lei não por causa do Estado Judeu mas porque Israel para eles é uma comunidade de pessoas que se esforçam em se purificar das imundícies da vida terrena.
É a falência do projeto javista, pois o judeu poderá manter sua identidade sem precisar construir uma sociedade nova, onde o direito, a justiça e a solidariedade regem as estruturas políticas, sociais e econômicas.
Como visto em http://anaomente.blogspot.com.br/2016/01/deus-no-antigo-testamento-fusao-de.html, a religião judaica é fruto de um processo POLÍTICO de unificação de povos e tribos que comungavam de dialetos, deuses e práticas culturais em comum, quais sejam, os cananeus, não excluindo alguns árabes, sírios, fenícios e outros. A religião judaica antiga tinha como objetivo moldar a sociedade, estabelecendo um Estado Teocrático. Este espírito do antigo judaísmo começa a perder força no período helenístico (como iremos ver com maiores detalhes na postagem sobre a Apocalíptica). Com o contato com filosofias estrangeiras, e principalmente com a sabedoria grega, os judeus irão reinterpretar a seu modo as escrituras judaicas e suas práticas. O judeu se enxerga como tal a partir de instâncias da filosofia grega e o espírito da filosofia grega é extremamente especulativo, buscando rejeitar a influência de elementos que "sujem" a pureza da especulação. O método alegórico (de origem egípcia mas assimilado pelos gregos) passa a ser o instrumento primordial de interpretação da Lei e dos Profetas. Vemos aí todos os ingredientes essenciais da Gnose e da ruptura dela com o judaísmo tradicional, abrindo as portas para o surgimento de figuras revolucionárias como Jesus Cristo, Simão Mago e outros que oficial e abertamente se desligaram do judaísmo e suas ramificações para formar novos grupos religiosos, sendo por isso bastante perseguidos pelos judeus.
É, por outro lado, o preço pago para salvar a raça, realimentada pelo despertar de uma consciência que liga fortemente o povo de Israel à religião judaica.
É o bloqueio das dissidências e do sincretismo, pelo menos na Judeia, concretizado na ruptura com os grupos que apresentavam projetos sociais alternativos, tais como os cristãos primitivos.
http://blog.airtonjo.com/2015/02/judaismo-e-helenismo-iii.html
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