quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Explicando a Teoria das Ideias de Platão

PLATÃO, RETIRADO DA "ESCOLA DE ATENAS" DE RAPHAEL, PINTURA RENASCENTISTA.

Tenho notado que raríssimas pessoas conseguem compreender esse que é o fundamento de toda a Filosofia de Platão, qual seja, a fundação da Metafísica Ocidental por meio da Teoria das Ideias. Quando, em grupos de discussão ou conversas, tento extrair isso das pessoas, até mesmo para comparar comigo mesmo e ver se estou no caminho certo, infelizmente as pessoas parecem não compreender o que Platão está querendo nos dizer, e fazem a maior confusão com algo que requer um certo silêncio e contemplação, além de muita observação e esforço analítico para compreender. Acontece que a Teoria das Ideias está conectada com a Teoria dos Princípios e também com a doutrina do Demiurgo. Se não fica claro qualquer uma dessas, todas as outras são de dificílima compreensão.

O principal texto platônico sobre as Ideias é o diálogo Fédon. Vejamos uma parte, Fédon 100 a-101 d:

Em que consiste a 'verdade das coisas'?

- Quero explicar-te mais claramente o que estou dizendo, porque creio que ainda não me entendes.

- Não, por Zeus! - respondeu Cebes. - Não estou entendendo bem!

- Contudo - continuou Sócrates -, não estou enunciando nenhuma novidade, mas apenas repito aquelas coisas que sempre, em outras ocasiões e até no raciocínio anterior, tenho continuado a repetir. Tentarei mostrar-te qual espécie de causa elaborei e, por isso, volto novamente àquilo de que muitas vezes se falou, e por essas coisas começo, partindo do postulado de que existe um belo em si e por si, um bom em si e por si, um grande em si e por si, e assim por diante (...). Parece-me que, se há alguma outra coisa (ordem empírica) que seja bela além do belo em si (ordem metaempírica), por nenhuma outra razão é bela, a não ser por participar desse belo em si. E digo o mesmo de todas as outras coisas. Concordas comigo acerca dessa causa?

- Concordo - respondeu.

- Então não compreendo mais nem posso admitir as outras causas, as dos sábios. E se alguém me diz que uma coisa é bela por sua cor viva ou pela forma física ou por outras razões desse tipo, logo trato de me livrar de todas essas coisas, porque, em todas elas, eu me confundo, e só disso estou convencido, simplesmente, grosseiramente, talvez ingenuamente: que nenhuma outra razão faz aquela coisa ser bela, a não ser a presença ou a participação daquele belo em si, seja qual for a forma dessa relação. Não desejo insistir agora nessa relação; mas insisto simplesmente em afirmar que todas as coisas belas são belas em virtude do belo. Esta me parece a resposta mais segura a dar a mim e aos outros; e, atendo-me a ela, julgo que não errarei nunca, e que seja seguro, para mim e para qualquer outro, responder que as coisas belas são belas em virtude do belo. Acaso não é esta tua opinião?

- Sim.

- E não achas também que todas as coisas grandes são grandes e que as maiores são maiores em virtude da grandeza, e que as menores são menores em virtude da pequenez?

- Sim.

- Por isso, se alguém afirmasse que um é maior que outro pela cabeça e que o menor é menor pelo mesmo motivo, não o admitirias, mas continuarias firmemente a dizer que não admites que uma coisa seja maior que outra por nenhuma outra razão a não ser pela grandeza, (...) e que o menor por nenhuma outra causa é menor a não ser pela pequenez e que justamente por essa causa é menor, ou seja, pela pequenez. E dirias isso, temendo que, se dissesses que alguém é maior ou menor pela cabeça, não te objetassem, em primeiro lugar, que é impossível que, em virtude da mesma coisa, o maior seja maior e o menor seja menor, e, depois, que também é impossível que pela cabeça, que é pequena, o maior seja maior, já que seria realmente prodigioso que uma coisa fosse grande em virtude de uma coisa pequena. Ou não temerias essas objeções?

- Sim - disse Cebes, rindo.

- E não temerias igualmente dizer - acrescentou Sócrates - que dez é maior que oito porque o ultrapassa de dois e que por esse motivo supera o oito, e não por causa da quantidade? E que um objeto do tamanho de dois côvados é maior do que outro de um côvado pela metade, e não pela grandeza? Trata-se sempre do mesmo temor de antes.

- Certamente - respondeu.

- Então, não te envergonharias de dizer que, acrescentando um ao outro ou dividindo o um, a soma ou a divisão sejam a causa que faz o um tornar-se dois? Não gritarias bem alto que não sabes como outra coisa pode ser formada, a não ser participando da essência peculiar de cada realidade de que ela participa, e que, no caso em questão, não tens outra causa para explicar o nascimento do dois a não ser esta, ou seja, a participação da dualidade, e, além disso, que devem participar dessa dualidade as coisas que desejam se tornar duas, assim como devem participar da unidade as coisas que devem ser um? E não tratarias de te livrar logo dessas divisões, dessas somas e de todas as outras artimanhas encontradas, deixando que as empreguem em suas respostas aqueles que são mais sábios que tu? Tu, ao contrário, como se diz, temendo tua sombra e tua inexperiência, responderias do modo como se disse, apoiando-te na solidez desse postulado.

Maravilhoso, grandioso, belíssimo! É preciso ter um certo senso artístico, imaginativo e sobretudo introspectivo para assimilar o conteúdo.

Vamos usar a Beleza. Uma coisa é considerada bela por você. Ora, ela não é a Beleza em si, mas "uma coisa bela". O que concluímos? Será que essa coisa é bela porque suas substâncias, moléculas, forma visível, estrutura, arquitetura, design ou outra coisa a torna bela? Em parte, sim. Mas em parte, não! Isto é relativo. Uma coisa é bela porque você a acha bela. Uma mulher com quadris largos é bela para um homem, enquanto uma mulher com quadris estreitos e ombros largos é bela para outro homem. Uma Flor-de-lis é bela para alguém, já para outrem uma Rosa é que é bela. Uma Ferrari é bela para um, enquanto um Mustang é que é belo para outro.

E se perguntarmos para cada uma dessas pessoas o que é uma Beleza? Elas poderiam responder erroneamente dizendo que "tal coisa é bela". Isso não é correto, pois o que se perguntou foi QUAL O CONCEITO DE BELEZA e não quais coisas você acha belas... É aí que está! Se pedirmos a elas o CONCEITO de Beleza, cada uma tentará explicar exatamente a mesma coisa com suas próprias palavras, de acordo com seu "horizonte hermenêutico", suas "estruturas de pré-compreensão", sua personalidade, seu vocabulário, sua cultura, etc. Mas todos tentarão expressar algo parecido como "beleza é algo que me atrai o olhar, algo que quero perto, que quero ter, admirar, sentir, amar, adorar, viver, experimentar" etc.

Esta é a Segunda Navegação. Quando saímos da aparência exterior das coisas e tentamos captar qual a verdadeira natureza delas. Este é o Mundo Inteligível. Na verdade, as coisas não são o que aparentam ser, ou o que nossos olhos veem, mas o que "o coração sente" quando tenta captar a real origem delas.

Isso vale para qualquer Ideia: Justiça, Amor, Paz, Liberdade, Ser/existir, e principalmente A UNIDADE.

Assim, as coisas não são Belas porque são bonitinhas ou bem-feitas, mas porque PARTICIPAM DE UMA SUSBTÂNCIA INTELIGÍVEL QUE É A BELEZA. Essa substância é supra-física, não é um elemento químico, mas uma "energia" superior que está dentro da realidade, dentro do cosmos, dentro de nós. Uma coisa é única porque ela tem unidade, algo que a faz ser um e a separa de todos os outros. No entanto, TODAS as coisas são únicas, porque todas podem ser divididas e participam cada uma da Ideia de Unidade. Além disso, todas as coisas formam uma unidade, o Universo!!!

E uma pergunta: de onde vem a Unidade? Qual a origem da Unidade? Se tudo que existe participa , ou seja, veio da Unidade, de onde veio a Unidade? Ora, só pode vir de uma certa super-unidade. Na verdade, está dentro da super-unidade. Nenhuma coisa é bela se não está dentro da Beleza. Nenhuma "coisa" pode ser definida como "amor" ou "justiça" se não estiver dentro do Amor e da Justiça.

Isso significa que a nossa realidade está mergulhada dentro de uma Realidade Maior, que é feita das Ideias. Cada coisa no mundo pode participar de mil e uma Ideias, e cada Ideia só pode vir de uma Super-Ideia. Assim, Platão prova que existe uma realidade Meta-Física que é a verdadeira origem do mundo, e esta realidade não está tão longe de nós... Na verdade, estamos dentro dela e nunca nos demos conta disto!!!

Se não fossem essas ideias nunca existiria nenhuma ciência. A matemática só existe por causa das ideias. Unidade, conjunto, interseção, fórmulas... Tudo participa de Ideias, todos os números, todas as coisas. Até mesmo coisas como "casa" e "árvore" tem origem em Ideia de Casa e Ideia de Árvore. Isto é provado pela própria químico-física. Nenhuma coisa feita poderia existir se os elementos químicos já não carregassem DENTRO DE SI  a POTENCIALIDADE de gerar tais coisas. Tudo o que existe foi programado previamente por uma super-inteligência. Assim, o DNA humano, aquela molécula orgânica, pode virar um Ser humano completo.

A tentativa mais comum de tentar refutar a Ideia platônica vem do relativismo nietzschiano, do "tudo é relativo". Dizem os relativistas que as Ideias são invenções humanas sujeitas a realidade social e que não tem fundamento a não ser a expressão cultural e a imaginação de pessoas. Se isso é verdade, então o próprio relativismo cai por terra por ser exatamente isto: uma criação humana em determinado tempo cultural. É ridículo esse argumento.

As ideias são uma realidade, ou não existe Beleza, nem Amor, nem Unidade, nem Grandeza ou Pequenez? Se nada disso existe, nem Pessoas existem. E se pessoas não existem, ideias e teorias ditas por pessoas também não existem. E se isso for verdade, nenhuma ideia, teoria ou formulação por parte dos relativistas pode ser levada a sério pois sequer existem, conforme eles mesmos dizem!

Para se captar as ideias é preciso um estado de Contemplação, e não de raciocínio intelectual. É uma "experiência", como um mergulho gostoso numa piscina fresca, tentar captar as ideias e tentar descobrir de onde elas vem, qual o conceito de cada uma delas. Sempre tente questionar qualquer conceito. Por exemplo, quando alguém fizer uma afirmação, do tipo: "a vida é desse jeito", faça um exercício questionando cada pedaço da frase: "o que é a vida? o que é "é"? o que é "desse jeito"? porque tais afirmações e não os contrários delas?"

Em cada coisa do mundo podemos "viajar", ou melhor, como diz Platão, "navegar" em cada uma delas e descobrir que o que pensamos delas talvez não seja o que nossa mente ou sentidos concebem, mas algo além, algo a mais.

E onde entraria Deus nisto? Ora, a Realidade Inteligível, que é feita de Ideias, está no mundo, faz com que o mundo participe dela mas ela não é o mundo em toda sua inteireza. Isso porque o mundo é corruptível, vai se esvaindo, nascendo e morrendo, e as Ideias não nascem, mas sim são captadas. O que significa que a origem de coisas Eternas SÓ PODE SER UMA COISA ETERNA E IMUTÁVEL. Essa coisa eterna e imutável da qual vem as Ideias e o mundo é Deus. O mundo não é eterno, e a origem de algo não-eterno não pode ser algo não-eterno, do contrário poderíamos criar coisas eternas. Mas não é isso que ocorre. Nós é que somos criados por uma força maior e eliminados por ela. O que nos aproxima da Eternidade é a cultivação das Ideias Eternas que foram usadas como modelos para formar o mundo e cada coisa dele. Assim como captamos as Ideias quanto nos damos conta da Participação, captaremos a Ideia-Origem quando participarmos dela. Portanto, a missão de cada ser humano é fomentar, buscar, correr atrás da participação das Ideias e da Ideia-Origem de todas as outras. É isso que nos torna mais humanos e conscientes de nós mesmos. Isso nos torna Deus.


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