domingo, 23 de novembro de 2025

"O Budismo é uma religião Gnóstica" - Nota de Falecimento - Reverendo Ricardo Mário Gonçalves

"O Budismo é uma religião gnóstica que prega a Salvação pelo Conhecimento" 

- Reverendo Ricardo Mário Gonçalves

https://gnosedesi.blogspot.com/2025/11/nembutsu-uma-pratica-gnostica-do.html

A diferença entre Gnosticismo e Budismo é a mesma entre evangélicos pentecostais e protestantes presbiterianos, ou entre luteranos e católicos. O núcleo central, a base dos ensinamentos e doutrinas é totalmente a mesma. O que muda é a periferia, aquilo que varia e não fere o núcleo central, aquilo que muda conforme as comunidades, usos, costumes e práticas.

É a mesma religião com roupagens diferentes e resultados e impactos sociais diferentes.

Ambas as religiões ensinam que o ser humano não é essencialmente seu corpo mas sim o que está dentro, que você pode chamar de Alma ou Consciência, e que esta é sua verdadeira essência. A ignorância nos fez errar em vidas e mundos passados, quando éramos Budas ou Deuses ou Aeons, e por um processo de reencarnação ou transmigração, viemos a esse mundo devido a nossas tendências (samskaras), marcas e impressões, que mancham a Consciência e moldam pensamentos, hábitos e comportamentos futuros.

A chave para libertação do ciclo de renascimentos ou Samsara e o instruennto para vencer Mara e seu mundo de ilusão ou  Yaldabaoth/Demiurgo e sua criacao maligna é o Conhecimento Intuitivo apreendido através de uma experiência direta que pode ser obtida naturalmente ou provocada através de certas práticas, ensinamentos, exercícios e técnicas. Esse conhecimento é chamado de Prajna, Jnana, Vipassana, Abhijna ou simplesmente GNOSE, GNOSIS.

A variação não muda esse núcleo central e isso torna o Budismo Tibetano tão budismo quanto o Theravada do Sri Lanka. Se para você é Alma e não Consciência, em nada muda. Se para você há um deus primordial que deu início ao processo de Causa e Efeito que emanou vários deuses e o reino divino Pleroma ou os vários Paraísos ou Mundos habitados por infinitos Budas, se há ou não um deus criador, se você chama os renascimentos de reencarnação ou de transmigração, isso não muda em nada. Não adianta nada dizer Anatta (a doutrina budista do Não-Eu) se ainda há uma coisa que transmigra e você chama de Consciência. Essas sutilezas, elucubrações teológicas, esses refinamentos, essa obsessão por definições, conceitos, diferenciações, isso é Sexo dos Anjos, pura bobagem que não afeta EM NADA a religião. A base doutrinária é a mesma, a crença é a mesma, a doutrina é a mesma e a religião é a mesma, apenas a roupa está diferente.

E quando se alcançar o estado da Iluminação ou Gnose, então a Luz brilhará forte dentro de você e as trevas se dissiparão. E sua Consciência não reencarnará mais nessa mundo mas será guiada pela Pistis Sophia, Donzela de Luz ou Prajna Paramita para um mundo adequado de acordo com seus esforços e práticas, e o Aeon ou Buda desse mundo te receberá para continuar sua jornada de volta para sua Casa, o Estado Primordial de onde emanaram todos os Budas.

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O canal Viveka Alaya nos trouxe uma notícia triste. O querido Reverendo Ricardo Mário Gonçalves, sacerdote do Budismo Shin (Terra Pura) japonês aqui no Brasil faleceu.

Ricardo Mário Gonçalves era um admirador do Gnosticismo. Eu já tive a oportunidde de conversar com ele pela internet. Ele era adepto da opinião de que Gnosticismo (incluindo o Catarismo) eram as versões Ocidentais do Budismo Mahayana, assim como o Budismo Mahayana é o Gnosticismo do Oriente. Além disso ele admirava e reconhecia o Maniqueísmo como fonte de desenvolvimento do Budismo Mahayana, especialmente da Terra Pura na China e Japão. O Reverendo era professor aposentado da USP e um grande intelectual brasileiro. Seus interesses ultrapassava tradições e ele também era um pesquisador na área do esoterismo ocidental (Pico Dela Mirandola, Marcilio Ficino, Giordano Bruno, Cabala, Hermetismo, Alquimia, etc).

Querido Reverendo Ricardo Mário Gonçalves, que os Budas e Deuses te recebam com festa na Terra Pura! Que Nosso Senhor Amitabha, o Buda das Luzes Infinitas, te aconchegue com alegria em sua Terra Pura!

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Informo o falecimento de um dos membros honorários aqui em nosso canal. Reverendo do Budismo Shin, o professor Ricardo Mário Gonçalves faleceu essa manhã em decorrência de um enfarte e covid. Ele foi historiador e professor aposentado da USP, autor de muitos livros sobre budismo em português, e pioneiro nessa área de estudos. Eu não consigo fazer jus a todo o trabalho dele pois o conheci virtualmente apenas no começo da pandemia, mas ao longo desse 1 ano e meio desenvolvi um carinho muito grande por ele.


Professor Ricardo estava sempre presente em todos os meus vídeos, sempre acompanhando e dando ótimas contribuições com seu conhecimento e sua paciência. Os vídeos aqui no canal estão cheios de comentários dele com sugestões de livros para pesquisa e desenrolares dos assuntos. Mesmo quando eu sabia que meu ponto de vista discordava do dele, ele tinha uma atitude tão gentil e respeitosa, focando apenas naquilo que ele concordava, eu ficava admirada, pois eu tinha muito a aprender com ele.


Um professor de muito respeito na história do budismo no Brasil. Se tornou para mim um amigo, com o carinho de um avô. Que esteja em paz agora na Terra Pura, matando a saudades de sua falecida esposa e curtindo seus gatos. Certamente sua vida foi rica em significado, e por isso não lamentamos mais sua passagem. Que o karma seja sempre gentil e os Budas o recebam com grande compaixão.


Professor Ricardo vai ficar me devendo o abraço que tinhamos combinado de nos dar pessoalmente um dia!!


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O Reverendo era um dos autores do site de Budismo Shin que já havia citado aqui no blog. Afinal, no que o Reverendo cria? Vejamos o que ele mesmo diz, palavras da Sabedoria dos Budas:


No que Eu Creio

Rev. Prof. Dr. Ricardo Mário Gonçalves
Docente aposentado do Depto. de História da USP
Missionário da Ordem Otani de Budismo Shin

Eu me defino como um estudioso da Religião a professar o Budismo. Assim, além de ter me dedicado à docência e à pesquisa no campo da História das Religiões (Budismo Japonês), minha existência tem sido marcada por uma trajetória de busca espiritual através de várias escolas budistas: Theravada, Soto Zen, Shingon e, finalmente, a Verdadeira Escola da Terra Pura ou Budismo Shin. Longos anos dedicados à docência e à pesquisa em História das Religiões e a freqüentes incursões em campos como a Fenomenologia da Religião, a Antropologia Cultural e a Psicologia Junguiana me levaram a concluir que, não obstante as diferenças evidentes e inegáveis existentes entre as inúmeras religiões da Humanidade, elas possuem suficientes elementos em comum para justificar o diálogo, o entendimento e a colaboração entre elas. Verifico que muitas vezes o entendimento mútuo, muito difícil ao nível dos discursos doutrinários, bastante discrepantes entre si, torna-se mais fácil a partir de abordagens como a Simbologia, a Liturgia, a Ética e a Ação Social. Acredito que os religiosos de boa vontade pertencentes às mais diversas tradições facilmente entrarão em acordo para trabalhar pela paz, pela igualdade, pela liberdade e pelo respeito para com a Natureza. Digo ainda: o entendimento e a cooperação entre as religiões são fatores imprescindíveis para a construção de uma sólida paz entre os povos. O desconhecimento mútuo, acredito, é um dos principais fatores a provocar e a alimentar o estranhamento e a hostilidade entre devotos de diferentes sistemas de crença.

Cumpre-me agora esclarecer qual é o Budismo em que deposito minha crença. Existem, com
efeito, tantas escolas, sub-escolas, movimentos e grupos a ostentarem o rótulo de Budismo que eu prefiro, a exemplo de estudiosos como Bernard Faure, utilizar a palavra no plural: “budismos”. Dentre os inúmeros “budismos” existentes, aquele em que eu creio é o que foi proclamado pelo Buda Histórico Sakyamuni no século VI AEC e posteriormente foi elucidado no Japão pelo Mestre Shinran (1173 – 1262) com o nome de Jôdo Shinshû (Verdadeira Escola da Terra Pura) ou Budismo Shin.

Como ocorre em todas as Escolas ou Ordens Budistas ortodoxas e regulares, deposito minha fé nas chamadas Três Jóias (Triratna) do Budismo: o Buda (Mestre), o Dharma (Doutrina) e o Sangha (Comunidade).

Por Buda ou Desperto, entendo não uma entidade sobrenatural, mas um ser humano que logrou alcançar um estado de plenitude de Paz e Serenidade alcançável através de um Caminho que compreende Ética, Contemplação e Sabedoria visando a superação do egoísmo, da ignorância, do ódio, do desejo e da ganância. O Buda expressou seu anseio pela construção de um mundo puro isento de guerras, violência, ganância, exploração, preconceito, discriminação e exclusão.

Por Dharma, Doutrina ou Princípio, compreendo fundamentalmente o Princípio da Originação Dependente (pratitya samutpada) segundo o qual todos os entes são agregados impermanentes formados e dissolvidos a partir do concurso de causas e condições auxiliares. A partir desse Princípio, o Budismo concebe o ser humano (bem como os demais entes existentes na Natureza) como um ente relacional que só pode ser entendido em relação com os outros seres humanos, com os demais entes e com o meio ambiente em que está inserido. Esclareço que o Budismo não vê o ser humano como um “eu” substancial a receber influências de causas e condições, mas o considera como uma mera constelação formada a cada instante pelo concurso de causas e condições. Tendo assim a insubstancialidade ou vacuidade por sua natureza, o ser humano é instruído através da vivência do Dharma a cultivar o desapego, o despojamento, a compaixão, a serenidade, a equanimidade, a tolerância, o respeito, a cooperação e a convivência com o outro.

Por Sangha eu compreendo a irmandade formada pelos discípulos do Buda, monges e leigos, concebida não como uma organização a serviço dos poderosos do mundo e obediente a seus caprichos, mas sim como uma comunidade que vive em permanente estado de tensão com a sociedade profana regida pelo egoísmo e dominada pelo espírito de competição desenfreada, pela violência, pela sede de lucro e de poder, pelo ódio, pelo preconceito e pela discriminação dos grupos minoritários e diferentes. Creio que cabe ao Sangha transcender o mundo profano, não através do mergulho ensimesmado em uma subjetividade que se compraz na contemplação do próprio umbigo, mas sim mantendo permanentemente uma atitude crítica em relação às injustiças e iniqüidades infelizmente onipresentes nas diferentes sociedades humanas ao longo da História, tendo sempre em mente o anseio búdico pela construção de um mundo puro sem guerras, ganância, discriminação, opressão e exclusão.

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