Um dia depois da postagem passada, o canal Marcelo Paiva lançou comentários sobre o Motu Proprio "Traditionis Custodes" de Francisco que amplamente limitou e dificultou a realização de missas tridentinas nas paróquias do mundo todo. Sugiro muito que assistam ao vídeo, pois é ótimo.
No vídeo, Marcelo Paiva faz comentários interessantíssimos e colocou link para outro vídeo dele muito bom dele sobre o Concílio Vaticano II, o vídeo abaixo que eu também recomendo:
O principal argumento que se vê nessas bolhas tradicionalistas é que a igreja era perfeita e tudo estava indo muito bem antes do CVII. Isso é mentira, e nem precisa de vídeo do Marcelo Paiva explicando (e muito bem) isso. Lembro muito das aulas de história no colégio quando, antes das revoluções do século XX, a europa católica passava por diversas crises e turbulências sociais e tanto os governantes quanto as pessoas simples já não respeitavam a igreja, ou eram crentes nominais (de nome, porque quase não iam à missa) ou simplesmente desprezavam tudo que era cristão. Foi o que aconteceu por muitos anos antes da Revolução Russa e da ascensão do fascismo e do nazismo na europa: a igreja já não dizia nada de relevante na vida das pessoas e a nova realidade se mostrava muito diferente do a Igreja dizia que era.
Um dado interessante que ele fala é de como, já no Brasil Império, durante o reinado de Dom Pedro II, delegados da Igreja em Roma notaram que o povo brasileiro era católico só nominalmente pois, em verdade, o que se praticava era uma miscelânea religiosa cheia de superstições populares e elementos indígenas e africanos, o que os preocupou bastante. Eu já falei isso aqui no blog, da distância intransponível entre a missa de Pio V e as práticas religiosas factuais do povo, que não eram católicas. O Brasil era um país neopagão já no Império!
Na europa a situação era um crescimento gigantesco do anticlericalismo e das ideias das filosofias moderna e contemporânea, uma mistura que caracterizava desprezo por toda a tradição católica vigente, desprezo esse vindo de todas classes sociais. O Papa João XXIII ficou preocupado que em Roma acontecesse ou uma nova reforma protestante desta vez mais profunda e revolucionária, ou uma revolução socialista e ateísta que implantasse um governo anticristão que perseguisse frontalmente, com terror e morte, os católicos, destruindo de vez o catolicismo.
Não estávamos mais na idade média. O mundo mudou demais. As velhas respostas católicas não eram suficientes. A igreja estava sendo engolida pela Modernidade. Foi então que, brilhantemente, João XXIII conclamou o Concílio para MODERNIZAR A IGREJA E DAR UMA RESPOSTA EFETIVA AOS PROBLEMAS QUE A MODERNIDADE APRESENTAVA. A igreja corria o risco de se tornar IRRELEVANTE, DESPREZADA E IGNORADA pela humanidade. O Papa não podia permitir isso, a completa falência da Igreja na sociedade. O Concílio teve esse objetivo, impedir a irrelevância da igreja, permitir aos católicos enfrentar as mudanças do mundo moderno com inteligência, sem se perder em uma tradição ignorada.
A modernização do rito, o relacionamento (ecumenismo) com as outras igrejas e outras religiões, o fim das estruturas medievais das comunidades religiosas monásticas, tudo isso foi ume tentativa de fazer a igreja ainda ser relevante no mundo e ainda ter algo de diferente a dizer para as pessoas, algo bom, pois na época tudo que a igreja representava era o atraso. A Igreja queria representar o Futuro.
O problema da pedofilia e dos abusos sexuais de seminaristas e freiras: já vinha de séculos. O caso do padre americano Lawrency Murphy que abusava de meninos surdos num orfanato católico em Wisconsin é dos anos 1950. Na Irlanda, o chamado Holocausto da Irlanda, situação na qual se descobriu que mais de 10 MIL CRIANÇAS foram violentadas sexualmente durante mais de 70 anos naquele país, o que destruiu a reputação da Igreja entre os irlandeses. Portanto, os tradicionalistas deveriam olhar para seus padres e suas freiras antes de acusar o Concílio de proteger pedófilos pois os piores e mais horrendos casos são justamente de ANTES do Concílio, em escala astronômica devido a quantidade de padres abusadores e de vítimas infantis.
A missa de Pio V é mesmo "de sempre"? Não. É uma missa MODERNA, criada na Idade Moderna em 1570, que mudou a missa antiga para agregar novos elementos e responder aos desafios da nova era, especialmente da reforma protestante de Lutero. Portanto, nunca foi "de sempre" mas inventada 1570 anos depois de Cristo.
A questão da diferença entre Neoconservadores e tradicionalistas. Isso é importante pois os tradicionalistas são aqueles que, desde o Concílio, o rejeitam completamente. Já os neoconservadores são os que estão aderindo aos movimentos POLÍTICOS neoconservadores em relação a costumes e leis, como reação ao neo-esquerdismo que surgiu no Ocidente a partir da década de 60, a chamada Nova Esquerda Cultural que vem propondo a mudança nos costumes e valores. Portanto, é importante saber que o Tradicionalismo Católico é um movimento religioso fundamentalista, enquanto o Neoconservadorismo moderno é um movimento POLÍTICO militante.
Renovação Carismática: a horrível renovação carismática entra no cerne da questão. Enquanto ela é aprovada pelos Neoconservadores, visto que é um movimento de origem protestante (pentecostal) e que está ligado aos evangélicos conservadores dos Estados Unidos, portanto inimigos dos progressistas (esquerdistas), ela é completamente rejeitada com desprezo e ódio pelos Tradicionalistas. É preciso saber disso: a Renovação Carismática não tem origem no Concílio Vaticano II, apesar de só poder ter sido possível por causa dele. Nenhuma renovação pentecostal estava prevista no Concílio e seria um absurdo tê-la. O surgimento da Renovação Carismática foi uma reação POSTERIOR ao crescimento das denominações protestantes pentecostais, especialmente na América Latina, depois do CVII, o que estava (e está) abalando a relevância e hegemonia católica em regiões pobres e subdesenvolvidas onde detinha grande parte da população e se viu ameaçada pelas igrejas evangélicas. Portanto, a Renovação Carismática não é um produto do Vaticano II senão uma reação posterior aos pentecostais. No entanto, sem Vaticano II uma renovação carismática seria ABSURDO e impossível, uma completa heresia, inadmissível. Isso precisa estar claro. Os neoconservadores que atacam o Concílio Vaticano e dizem que ele "errou" deveriam então abdicar da renovação carismática. Mas eles nunca irão fazer isso pois a renovação carismática está ligada ao neoconservadorismo, que é um movimento POLÍTICO da Direita americana que usa do catolicismo carismático como bucha, se apropria e ganha membros entre essa classe, mas não tem como objetivo defender a dita "tradição" pré-conciliar, justamente porque não é um movimento religioso, mas político. Se você assistir a essas missas e "pregações" de carismáticos verá que sua doutrina não é religiosa mas sim política, é um moralismo público neo-puritano com verniz de cristianismo, uma luta política pela manutenção de costumes, uma cópia de pregações moralistas de pastores evangélicos, pura politicagem.
É preciso ficar atento para não ser enganado. Pois agora com o Motu Proprio, o Papa Francisco assassinou de morte as seitas tradicionalistas, que serão excomungadas e expulsas. Já os neoconservadores, que aceitam o Papa e o Concílio, não poderão ir contra. Então se apegarão mais ainda à renovação carismática e farão pregações mais políticas e americanizadas, cada vez mais "pentecostais" e militantes. Eles sabem que perderam na esfera religiosa, pois não podem enfrentar o Papa sem cair em heresia e excomunhão. Então o que resta a eles é a esfera política e o apoio de neoconservadores americanos. A politização da igreja será cada vez maior. O que não é bom. Não encontrando verdadeira espiritualidade e mística, ou seja, igrejas sem Cristo, encontrando apenas militantes de direita e esquerda se digladiando, o povo vai buscar isso nas outras religiões e o Budismo é a religião que mais cresce no Ocidente, ao mesmo tempo que o neopaganismo avança na Europa e o cristianismo desigrejado, anti-institucional e doméstico avança nas Américas.
As pessoas não ficarão sem espiritualidade. Elas criarão suas próprias formas espirituais para fugir do partidarismo político. O gnosticismo "externo" ou exotérico, aberto ao público, avança na Europa e Estados Unidos. Abaixo uma missa gnóstica doméstica:
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