A seguinte postagem, dividida em duas partes, será sobre uma Igreja Gnóstica tardia, que surgiu em um contexto onde o Império Romano recentemente havia se tornado católico-ortodoxo. Sua doutrina, sua origem e seu contexto revelam e comprovam aquilo que já se havia afirmado em muitas postagens no blog: a prática mística do Hesicasmo (polêmico exercício espiritual que foi objeto de grave controvérsia e motivo de cismas e ataques entre católicos ortodoxos e católicos romanos, e que ainda existe sob diferentes formas em várias ordens monásticas católico-romanas) é obviamente uma adaptação de exercícios místicos gnósticos dentro do monaquismo ortodoxo, sob o disfarce da invocação do nome de Jesus.
Sobre esse exercício não vou entrar e detalhes, basta que se releia as postagens sobre ele, esta aqui é bastante elucidativa: https://gnosedesi.blogspot.com/2015/01/gnose-zen-dos-padres-do-deserto.html.
Para uma história resumida da controvérsia hesicasta e dos mútuos anátemas entre ortodoxos e romanos sobre o tema sugiro esse texto mas com cuidado, tendo em vista que se trata de uma visão papista-romana e, por isso mesmo, encontra-se eivada de parcialidade e preconceito: https://apologetica.net.br/2017/07/17/hesicasmo/.
Estando assim preparados, vamos para a história dos arcônticos.
Postei no DRIVE o texto de Bentley Layton em que comenta o excerto sobre os arcônticos segundo Epifanio de Salamina: https://drive.google.com/drive/folders/1XITCmvLfQIiHLBPSzTVff9Bm4gpWlnyO.
Dois personagens foram os fundadores da igreja: Eutacto de Satala e o monge Pedro, o Gnóstico. A igreja já estava espalhada na Armênia durante o reinado do imperador Constâncio II que governou entre 324 e 361 depois de Cristo. Eutacto seria um cristão ortodoxo de origem armênia (Turquia Oriental) e havia empreendido uma viagem peregrinatória para o Egito, passando pela Palestina na viagem de volta. Foi lá que conheceu Pedro Gnóstico.
Pedro Gnóstico vivia em Eleuterópolis de Jerusalém, a três milhas do Hebron, numa aldeia chamada Kapharbarikha. Vivia como um eremita, situado numa caverna e era um padre ordenado e monge católico-ortodoxo. Distribuía seus bens aos pobres e dava esmolas diariamente. Em sua juventude estudou muitas escolas de pensamento e filosofias. Foi denunciado por ensinar doutrinas consideradas heréticas. Se converteu ao gnosticismo clássico barbelo-setiano e foi expulso do sacerdócio. Partiu então para Khokhaba, a sudeste do mar da Galiléia, ao redor da moderna Deraa na Jordânia, lugar de refúgio de ebionitas e nazarenos (ebionitas eram cristãos judaizantes que haviam evoluído para um gnosticismo; nazarenos, segundo Epifânio, eram um grupo muito parecido com os ebionitas e que pareciam mais judeus do que cristãos, apesar de aceitarem a Cristo - esses nazarenos, ao que tudo indica, são diretamente derivados dos Essênios, visto que viviam exatamente nas regiões próximas onde se estabeleceram os essênios e para onde fugiram ou passaram em direção ao leste as variadas seitas judaico-cristãs-batistas que fugiram de judeus e romanos, essas seitas obviamente sendo transformações porque passaram essênios que aceitavam Jesus como messias). Pedro mais tarde retornou para as regiões de Jerusalém e tentou voltar a pregar na igreja oficial mas foi reconhecido, impedido de frequentar e se fixou definitivamente na Caverna, ali passando a ensinar muitos discípulos, incomodando a igreja oficial que já o execrava como herege.
Eutacto de Satala, voltando do Egito para sua terra natal Armênia, passou pela Palestina e acabou se encontrando com o já idoso Pedro Gnóstico e adotando a doutrina dele. Voltou para a Armênia como missionário e converteu muitas pessoas ricas, entre eles senadores, dignatários e outros ilustres daquele país. Da Armênia Menor, a igreja gnóstica Arcôntica se espalhou para a Armênia Maior e outros países a leste.
Epifânio explica assim um sub-grupo barbelo-setiano exclusivo da Palestina que dá bastante ênfase ao ascetismo, abstinências, jejuns e pobreza.
Segundo Epifânio, essa Igreja Gnóstica dos Arcônticos tem como escrituras os seguintes livros: Harmonia Menor, Harmonia Maior, Estrangeiros, bem como usam vários livros apócrifos como a Ascensão de Isaías. Também usam livros em nome de Seth e seus sete filhos chamados "estrangeiros" igual aos barbelonitas e setianos. Ensinam que há outros profetas como Martiades e Marsiano que foram levados ao céu e retornaram depois de três dias.
A doutrina deles seria a seguinte:
Existem Oito Céus acima do que estamos. Para cada Céu há um Governante Celestial (arconte). Cada governante tem um grupo enorme de anjos auxiliares. No Oitavo Céu habita a Mãe Luminosa, exatamente como nas outras igrejas barbelonitas e setianas - a Mãe é Barbelo.
Não existe ressurreição do corpo nos fins dos dias - somente a Alma ressuscita.
Ensinam a renúncia do mundo e dos bens materiais, bem como abstinência dos prazeres, virando eremitas ou monges.
Não aceitam o batismo da forma que é praticado na igreja oficializada e rejeitam os sacramentos católicos, pois foram instituídos por Sabaoth, que não é o verdadeiro deus, mas um governante intermediário abaixo do Oitavo Céu. Sabaoth é mais poderoso que os outros governantes dos mundos abaixo do Oitavo. No entanto, Sabaoth não é mau. Apenas não é o Deus Perfeito, que para os arcônticos é a Mãe Luminosa.
A Alma Humana alimenta o poder dos governantes celestiais. Se ela não se deixa dominar por eles, eles perdem o poder. Se a Alma alcançar a Gnose, fugindo das doutrinas errôneas da igreja católica-ortodoxa e renunciado a adoração a Sabaoth, ela ascende a cada um dos Céus por vez. A cada Céu ela é colocada diante do Governante deste, é instada a fazer o discurso de sua defesa e, podendo passar, vai para o próximo céu e assim por diante até finalmente alcançar a Mãe Superior que é a progenitora da Totalidade, de onde a Alma veio originalmente.
O Diabo é descendente de Sabaoth e se opõe a ele, seu pai.
Rejeitam a versão bíblica do mito do Jardim do Éden e aceitam uma outra versão: o Diabo seduziu Eva e gerou nela Caim e Abel. Ambos eram maus e tinham inveja um do outro. Disputaram desejando possuir a irmã deles e então Caim matou Abel. Em defesa disso usam as palavras de Jesus sobre os judeus em João 8:44: "vois sois do Diabo, vosso pai (...) ele foi assassino desde o princípio". Assim o Diabo não provém de Deus mas do Governante mentiroso e inferior Sabaoth.
Adão teve relações com Eva e gerou Seth. Então, o poder mais alto de Deus desceu acompanhado de anjos assistentes e eles agarraram Seth, o levaram para um lugar alto e cuidaram dele para que não fosse assassinado. Seth passa a ser conhecido como "o estrangeiro". Depois de muito tempo, Deus devolveu Seth ao mundo cheio de poder Espiritual, de forma que nem Sabaoth nem seus anjos e autoridades conseguiam prevalecer sobre ele. Seth parou de adorar o falso criador do mundo Sabaoth e passou a adorar o Verdadeiro Deus. E passou a ensinar muitas doutrinas maravilhosas para a humanidade, tentando despertá-la das garras do autor do mundo, seus governantes e autoridades.
Sobre Jesus, ensinam que o corpo material de Jesus é apenas uma aparência e falsidade, seu único e verdadeiro corpo é Espiritual e Eterno.
Ora, um Apocalipse chamado Alógenes (O Estrangeiro) foi citado por Porfírio como tendo sido produzido por gnósticos que frequentavam a escola neoplatônica de Plotino. Esse Apocalipse foi reencontrado em Nag Hammadi quase completo. Na parte 2 iremos analisar esse texto e sua doutrina e ver se possui relação com a doutrina dos Arcônticos.
Estando assim preparados, vamos para a história dos arcônticos.
Postei no DRIVE o texto de Bentley Layton em que comenta o excerto sobre os arcônticos segundo Epifanio de Salamina: https://drive.google.com/drive/folders/1XITCmvLfQIiHLBPSzTVff9Bm4gpWlnyO.
Dois personagens foram os fundadores da igreja: Eutacto de Satala e o monge Pedro, o Gnóstico. A igreja já estava espalhada na Armênia durante o reinado do imperador Constâncio II que governou entre 324 e 361 depois de Cristo. Eutacto seria um cristão ortodoxo de origem armênia (Turquia Oriental) e havia empreendido uma viagem peregrinatória para o Egito, passando pela Palestina na viagem de volta. Foi lá que conheceu Pedro Gnóstico.
Pedro Gnóstico vivia em Eleuterópolis de Jerusalém, a três milhas do Hebron, numa aldeia chamada Kapharbarikha. Vivia como um eremita, situado numa caverna e era um padre ordenado e monge católico-ortodoxo. Distribuía seus bens aos pobres e dava esmolas diariamente. Em sua juventude estudou muitas escolas de pensamento e filosofias. Foi denunciado por ensinar doutrinas consideradas heréticas. Se converteu ao gnosticismo clássico barbelo-setiano e foi expulso do sacerdócio. Partiu então para Khokhaba, a sudeste do mar da Galiléia, ao redor da moderna Deraa na Jordânia, lugar de refúgio de ebionitas e nazarenos (ebionitas eram cristãos judaizantes que haviam evoluído para um gnosticismo; nazarenos, segundo Epifânio, eram um grupo muito parecido com os ebionitas e que pareciam mais judeus do que cristãos, apesar de aceitarem a Cristo - esses nazarenos, ao que tudo indica, são diretamente derivados dos Essênios, visto que viviam exatamente nas regiões próximas onde se estabeleceram os essênios e para onde fugiram ou passaram em direção ao leste as variadas seitas judaico-cristãs-batistas que fugiram de judeus e romanos, essas seitas obviamente sendo transformações porque passaram essênios que aceitavam Jesus como messias). Pedro mais tarde retornou para as regiões de Jerusalém e tentou voltar a pregar na igreja oficial mas foi reconhecido, impedido de frequentar e se fixou definitivamente na Caverna, ali passando a ensinar muitos discípulos, incomodando a igreja oficial que já o execrava como herege.
Eutacto de Satala, voltando do Egito para sua terra natal Armênia, passou pela Palestina e acabou se encontrando com o já idoso Pedro Gnóstico e adotando a doutrina dele. Voltou para a Armênia como missionário e converteu muitas pessoas ricas, entre eles senadores, dignatários e outros ilustres daquele país. Da Armênia Menor, a igreja gnóstica Arcôntica se espalhou para a Armênia Maior e outros países a leste.
Epifânio explica assim um sub-grupo barbelo-setiano exclusivo da Palestina que dá bastante ênfase ao ascetismo, abstinências, jejuns e pobreza.
Segundo Epifânio, essa Igreja Gnóstica dos Arcônticos tem como escrituras os seguintes livros: Harmonia Menor, Harmonia Maior, Estrangeiros, bem como usam vários livros apócrifos como a Ascensão de Isaías. Também usam livros em nome de Seth e seus sete filhos chamados "estrangeiros" igual aos barbelonitas e setianos. Ensinam que há outros profetas como Martiades e Marsiano que foram levados ao céu e retornaram depois de três dias.
A doutrina deles seria a seguinte:
Existem Oito Céus acima do que estamos. Para cada Céu há um Governante Celestial (arconte). Cada governante tem um grupo enorme de anjos auxiliares. No Oitavo Céu habita a Mãe Luminosa, exatamente como nas outras igrejas barbelonitas e setianas - a Mãe é Barbelo.
Não existe ressurreição do corpo nos fins dos dias - somente a Alma ressuscita.
Ensinam a renúncia do mundo e dos bens materiais, bem como abstinência dos prazeres, virando eremitas ou monges.
Não aceitam o batismo da forma que é praticado na igreja oficializada e rejeitam os sacramentos católicos, pois foram instituídos por Sabaoth, que não é o verdadeiro deus, mas um governante intermediário abaixo do Oitavo Céu. Sabaoth é mais poderoso que os outros governantes dos mundos abaixo do Oitavo. No entanto, Sabaoth não é mau. Apenas não é o Deus Perfeito, que para os arcônticos é a Mãe Luminosa.
A Alma Humana alimenta o poder dos governantes celestiais. Se ela não se deixa dominar por eles, eles perdem o poder. Se a Alma alcançar a Gnose, fugindo das doutrinas errôneas da igreja católica-ortodoxa e renunciado a adoração a Sabaoth, ela ascende a cada um dos Céus por vez. A cada Céu ela é colocada diante do Governante deste, é instada a fazer o discurso de sua defesa e, podendo passar, vai para o próximo céu e assim por diante até finalmente alcançar a Mãe Superior que é a progenitora da Totalidade, de onde a Alma veio originalmente.
O Diabo é descendente de Sabaoth e se opõe a ele, seu pai.
Rejeitam a versão bíblica do mito do Jardim do Éden e aceitam uma outra versão: o Diabo seduziu Eva e gerou nela Caim e Abel. Ambos eram maus e tinham inveja um do outro. Disputaram desejando possuir a irmã deles e então Caim matou Abel. Em defesa disso usam as palavras de Jesus sobre os judeus em João 8:44: "vois sois do Diabo, vosso pai (...) ele foi assassino desde o princípio". Assim o Diabo não provém de Deus mas do Governante mentiroso e inferior Sabaoth.
Adão teve relações com Eva e gerou Seth. Então, o poder mais alto de Deus desceu acompanhado de anjos assistentes e eles agarraram Seth, o levaram para um lugar alto e cuidaram dele para que não fosse assassinado. Seth passa a ser conhecido como "o estrangeiro". Depois de muito tempo, Deus devolveu Seth ao mundo cheio de poder Espiritual, de forma que nem Sabaoth nem seus anjos e autoridades conseguiam prevalecer sobre ele. Seth parou de adorar o falso criador do mundo Sabaoth e passou a adorar o Verdadeiro Deus. E passou a ensinar muitas doutrinas maravilhosas para a humanidade, tentando despertá-la das garras do autor do mundo, seus governantes e autoridades.
Sobre Jesus, ensinam que o corpo material de Jesus é apenas uma aparência e falsidade, seu único e verdadeiro corpo é Espiritual e Eterno.
Ora, um Apocalipse chamado Alógenes (O Estrangeiro) foi citado por Porfírio como tendo sido produzido por gnósticos que frequentavam a escola neoplatônica de Plotino. Esse Apocalipse foi reencontrado em Nag Hammadi quase completo. Na parte 2 iremos analisar esse texto e sua doutrina e ver se possui relação com a doutrina dos Arcônticos.

Muito interessante seu estudo, mas eu não considero Sabaoth um falso Deus. Aliás, como está escrito na Carta de Ptolomeu para Flora, ele é um Justo, Juiz de Justiça. E no apócrifo de João (versão longa), Origem do Mundo e Hipótese dos Arcontes, ele é descrito como alguém que se arrependeu e condenou seu pai, o Yaldabaoth. Por isso, ganhou autoridade para se estabelecer acima das forças do caos e reinos de seu pai, que mencionei acima. Seu Reino foi estabelecido em prol da Justiça, ele é de fato o Senhor Das Forças. Em Nag Hamaddi, há um texto descrito como Protenóia Trimórfica, nele relata no último texto que, aparentemente, Jesus foi vestido por alguém, e ele foi estabelecido nas moradas de seu pai. Agora, no evangelho de Judas, há descrito que ele, Judas, vestiria o corpo de Jesus, e ao fazer isso, ele, Judas, iria ser exaltado e merecedor de entrar no reino que havia visto em seu sonho. Perdoe-me se eu estiver errando em algum ponto, mas tenho quase a plena certeza de que não me equivoquei. Pode verificar se quiser. Fica na paz, meu irmão.
ResponderExcluirOlá. Gostei muito do seu comentário. Vou colocar numa postagem também. Obrigado! Fica na Paz do Senhor Deus!
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